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sábado, 12 de dezembro de 2020

Crónica de Maus Costumes 210

 

Teísmo, ateísmo e a infinita estupidez humana

Hoje passou-me diante dos olhos um texto de um ateu encarniçado que me deixou a pensar… Dividia o Homem em duas espécies: “homens inteligentes sem religião e Homens religiosos sem inteligência”, fazendo de todo o crente um estúpido. Eu considero apenas haver homens inteligentes e outros menos inteligentes, independentemente da sua crença ou do seu ateísmo. Não resisto ao sarcasmo: Pobre Kierkegaard! Foste um tonto! Talvez só um iludido!

Tal como ele (o autor do texto que li), facilmente reconheço que numa era em que o conhecimento e a ciência chegam às massas, há dogmas que passaram a ser questionáveis à luz da razão. O senhor afirma-se um ser livre, ateu e sem alma (porque esta não existe) nem espiritualidade, afirmando-se feliz no seu ceticismo. Ainda bem que se afirma feliz, porque o texto estava impregnado de um tom amargo. Nem os agnósticos lhe escapam, pois a seus olhos, mantêm-se numa posição confortável de nem serem peixe nem carne, mediante a ausência de provas que confirmem a existência ou a inexistência de Deus. Tal como Nietzsche e, mais tarde Sartre, as entrelinhas sugerem um apelo à responsabilidade existencial sem a crença na bengala de uma entidade superior que nos ampara na queda. O total assumir da responsabilidade dos nossos atos, sem esperar um céu redentor ou um inferno castigador após a morte. A assunção do corpo pelo corpo e da matéria pela matéria e a aceitação da morte como o fim de tudo, o niilismo absoluto.

Talvez traga maior responsabilidade viver desta forma, porquanto a questão do sentido da vida ganhe uma dimensão exponencial. Na verdade, essa questão passará a ser o cerne da existência e do sentido dela. Ariano Suassuna, escritor brasileiro, afirmava-se crente por não lhe restar outra opção. Ou isso ou seria um desesperado, afirmava. Não sei se li desespero, mas uma certa ira é percetível, não sei se verdadeiramente causada pela estupidez dos crentes se pela inevitabilidade da sua pequenez e da sua fragilidade. A verdade é que sermos reduzidos ao nada e ao vazio dói. Não nos deixa margem para o erro e para o absurdo em que tantas vezes as nossas vidas se transformam. Lembro-me de um excerto belíssimo de “A Saga”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, conto para todas as idades (dizem que é infantil, mas eu não acredito ou serei eu ainda criança), que nos ensina isto: “E Hans compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

Face ao incumprimento da vida, não será natural o Homem procurar o alto? A espiritualidade sempre fez parte do ser humano. Não serão a literatura, a música e as artes a expressão do divino no homem? A máxima expressão da beleza… Não Devemos confundir sistemas religiosos com espiritualidade. Não concebo a existência humana sem estas manifestações que nos sublimam nem a vida sem a criação do espírito.

Talvez Deus, a existir, possa não ser uma entidade exterior a nós, mas a ideia residente que nos empurra para a transcendência. Talvez seja o amor que carregamos e, por isso mesmo, nos seja possível amar o próximo… Ou talvez não seja nada disto, porque nos colocaríamos a questão de haver gente com um Deus gigante dentro de si e outras à míngua…

Segui o conselho do senhor: “Sábio é aquele que formula para si próprio perguntas inteligentes em que questiona certos valores e crenças, procurando as respostas verdadeiras.” Não sei. Há tanta coisa para a qual não encontro resposta… Porém, não sou sábia, logo o erro estará na perguntas, que também não serão inteligentes…

 Se a mensagem for válida e humana eu já gosto, assim como gosto do Deus-menino vindo à terra para a povoar com a sua inocência, a lembrar-me do poema de Alberto Caeiro em que Jesus é a criança que corre, brinca e rebola na relva, que vive no nosso seio…

Não. Nem todos os crentes são estúpidos. Serão mais esperançados, mais oníricos, menos pessimistas e não creio que se sintam desobrigados de se cumprirem nesta vida finita.

Cito Soren Kierkegaard: A fé começa precisamente aonde acaba a razão.

 

Nina M.

 

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