L’enfer c’est les autres
Diz
Jean-Paul Sartre e tem razão, porquanto os outros sejam, muitas vezes, o nosso
espelho. Na verdade, o inferno somos nós em confronto com o outro. A admissão
de que a existência perde a sua validade ou o seu sentido sem o outro dá cabo
das pretensões de qualquer um.
Não
existe mãe sem filhos, marido sem esposa, filhos sem pais, professor sem
alunos, escritor sem leitores, artistas sem público… Então, não existimos sem a
alteridade, o que não deixa de ser estranho, porque possuímos uma essência
individual e única e que não é partilhada. Porém, poderia essa essência ser
verdadeiramente sem o outro, ainda assim? Eis o fundamento da necessidade da
alteridade para podermos ser. Difícil é o equilíbrio entre a alteridade e a
interioridade nas relações… Precisamos do outro para ser, mas ele tem direito à
sua essência única e exclusiva também. O jogo de equilíbrios, de respeito, de
tolerância e de aceitação dificultam as relações interpessoais,
transformando-as, muitas vezes, numa luta absurda de imposição do ser.
Ocorreu-me
esta ideia enquanto lavava a loiça, depois de ler um artigo em que dava a
conhecer o número absurdo de escravização dos seres humanos, a que assistimos
neste mundo, apesar da abolição da escravatura… Culpavam-se as políticas
neoliberais (das quais não sou fã) pelo sucedido. Em abono da verdade, o
capitalismo selvagem promove essas situações. Essas circunstâncias nefastas ainda
não foram minimizadas pelos países mais ricos, porque os interesses económicos
sobrepõem-se aos direitos humanos, que deveriam ser prioritários. Escusado será
dizer que as mulheres e as crianças são os dois grupos mais vulneráveis, onde a
escravização para a oferta de serviços sexuais tomam a dianteira. O facto de esses
negócios e de essas práticas existirem não veicula ninguém a esse tipo de
consumo. É um problema tão grave quanto o do traficante e o do consumidor. Não
existiria tráfico se não houvesse consumo nem consumo se não houvesse tráfico.
Não me parece que o problema seja de fácil resolução, uma vez que existe desde
que o mundo é mundo, apesar dos progressos inegáveis nessa matéria. Não é,
portanto, justo nem intelectualmente honesto, culpar meramente o sistema
capitalista pelo problema. É um problema transversal aos sistemas políticos e que
reflete o facto de o Homem não ser capaz de ser humano! É um problema que advém
da falta de reconhecimento do outro! É um problema que confronta o agressor
consigo mesmo, transformando-se no monstro violento, porque subjuga a vítima.
Só é agressor, porque existe uma vítima.
A
falta de consciência de que somos nos outros e com eles, de que somos a forma
como nos projetamos nos outros, de que se é na alteridade e de que sem ela não
passamos de existências inócuas, conduz o Homem a esse descomprometimento tolo,
presumido e nefasto.
Só
o caminho do amor ao outro como projeção do amor a nós mesmos poderá ajudar a
solucionar o problema. Como plantar a semente e disseminá-la? É preciso educar
para o respeito, para a tolerância, enfim, para o amor, numa sociedade que
promove cada vez mais a competição desenfreada, a inveja, a aniquilação do
outro, entendido como sombra, esquecendo-se de que sem ele não existe
verdadeiramente o eu!
Nina M.
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