Antero de Quental: ideal, angústia e morte
Antero de Quental, o grande mentor da Questão Coimbrã, das Conferências do Casino, um dos
representantes da geração de 70, foi
um poeta dual: apolíneo e noturno, dominado ora por Eros ora por Thanatos, que
tenta superar o drama íntimo da luta de sentimentos opostos, sempre em busca do
Ideal, da Perfeição, da Beleza, da
Consciência e da Liberdade.
Qual Sísifo, perante tarefa inalcançável, que ao
longo da vida se mantém íntegro, mas que não escapa ao malogro, à agonia e à
desilusão de um real que não se molda às suas vontades e que o atiram para um
pessimismo abúlico que o fazem desejar a morte. Um Quixote que busca a
felicidade através da transformação política, por crer no futuro, que introduz
o socialismo de Proudhon no seu país, que tem a coragem de largar o berço
burguês e partir para Paris, experimentando as agruras de um simples operário
tipógrafo. Sincero, desejando consonância entre pensamento e ação, embrenha-se
na luta política em prol da liberdade, da justiça e do bem, consagrando-se a
causas coletivas. Voltado para uma filosofia moral e simples, posta ao serviço
dos outros, sem impugnar a sua independência, faz da sua poesia uma arma,
conferindo-lhe um papel social e filosófico, fazendo dela a voz da revolução (“Ergue-te,
pois, soldado do Futuro,/E dos raios de luz do sonho puro,/Sonhador, faze
espada de combate!”). A impossibilidade de transformar o ideal em realidade condu-lo a uma busca permanente e obsessiva que
lhe traz uma profunda angústia e frustração. Antero é o idealista que procura o
sistema político capaz de restituir a justiça e o bem aos cidadãos; o pensador em busca da sua filosofia, o poeta em busca da
poesia perfeita e o homem em busca da paz interior. De tudo se desiludiu (“Abrem-se
as portas d'ouro com fragor.../ Mas dentro encontro só, cheio de dor, /Silêncio
e escuridão - e nada mais!”) e o seu suicídio prematuro não lhe permitiu
assistir ao reconhecimento da sua obra poética.
O poeta cindido, descontente do mundo, mostra ânsia
de além e vê na morte a libertação, associando-a à luz e à ideia pura hegeliana (“ Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,/
Tropeço, em sombras, na matéria dura,/ E encontro a imperfeição de quanto existe.
/Recebi o batismo dos poetas,/ E assentado entre as formas incompletas/ Para
sempre fiquei pálido e triste.”), sendo evidente a oposição entre a tese (vida
- incompletude – imperfeição –angústia) e a antítese ( morte – completude –
perfeição – paz) . Na senda da tradição romântica, Antero associa a morte à
liberdade, como facilmente se constata em Mors
Liberatrix (“E, sendo a morte, sou a liberdade”). Através dela exprime a
sua ânsia de imortalidade, a sua desesperação e o sentimento trágico da vida,
tal como lia Unamuno na poesia anteriana. O que lhe interessava no poeta
português era a demanda pela existência espiritual, pela pós-existência,
angústia comum reveladora do conflito entre o pensamento e o sentimento, a
razão e a fé, o não crer e o querer crer. A religiosidade de ambos deriva da fé
perdida, sempre procurada, mas nunca encontrada (“Y lo que más le une a cada
uno consigo mismo, lo que hace la unidad íntima de nuestra vida, son nuestras
discórdias íntimas, las contradicciones interiores de nuestras discordias. Solo
se pone uno en paz consigo mismo como Don Quijote, para morir”).
Assim, em Antero, a solução encontrada para a
angústia provocada pela morte de Deus é a superação através do nirvana, reagindo
ao vazio existencial, ao Não-Ser e à noite como opções positivas e libertadoras
(“Só quem teme o Não-Ser é que se assusta / Com o teu vasto silêncio
mortuário…”) e (“Dormirei no teu seio inalterável, / Na comunhão da paz
universal, /Morte libertadora e inviolável”).
Antero parece encontrar na morte a síntese para as suas
contradições e a evasão duradoura para combater o seu agonismo. O seu suicídio confirma
a sinceridade da sua aspiração à liberdade. Apesar da descrença em Deus, o misticismo
é evidente. O eterno deixou de ser o Deus bíblico para ser Ideia, Amor, Vontade… e a sua obra plena de símbolos religiosos.
Se com ela não alcançou o absoluto, a morte ter-lhe-á
permitido, pelo menos, o descanso na mão direita de Deus.
Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, in "Sonetos"
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, in "Sonetos"
Nina M.
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