Os Enganos de João Miguel Tavares
Deixar claro que até nem antipatizo
com o João Miguel, apesar de muitas vezes divergir das suas opiniões. Efeito do
Governo Sombra talvez. No entanto,
João Miguel Tavares, deixe que quem conhece um pouco melhor a escola por dentro
o possa fazer refletir sobre algumas questões…
No seu artigo, começa por questionar
a decisão do Governo em protelar a reabertura plena (assim o entendi) das
escolas a 18 de maio, tendo impedido, por exemplo, a sua filha de frequentar a
escola para aprender, mas agora poder frequentar o estabelecimento de ensino,
no que diz respeito à componente de apoio à família, uma vez que a criança
sentiu falta da socialização. Não me custa compreender que a menina tenha
sofrido com a ausência e até considero bom sinal. Significa que a aluna está
integrada, gosta dos amiguinhos e, certamente, sente-se apoiada e segura na sua
escola. Parece-me que o estabelecimento público está a cumprir bem o seu papel.
Depois, como compreenderá, essa foi uma decisão política em conjunto com as
autoridades da saúde, não passou nem pela escola nem pelos seus professores, já
que estes regressaram às escolas, nessa data, para lecionar os 11º e 12º anos,
nas disciplinas de exame. Confesso que contestei a medida com receio que
pudesse perigar a realização dos exames e penalizar os miúdos cuja média para
entrada nas universidades deles depende. Por outro lado, estes eram os alunos
que mais facilmente se adaptaram ao Ensino
à Distância (E@D) e com quem as atividades correram melhor. Quem luta para
entrar na universidade, sabe que tem de trabalhar. Julgo que o Governo terá
optado por esta solução em prol de um desconfinamento mais lento, com menos
alunos nas escolas e com cautela, porque a escola envolve uma série de questões
que ultrapassam as salas de aula: gestão de espaços, transportes públicos,
cantina, bar, etc… Poderá dizer-me que é questionável, como é óbvio. Foi
essencialmente uma decisão política, que seria sempre criticável,
independentemente dos anos abrangidos. Na minha perspetiva, houve alguma
cautela e ainda bem, por exemplo, a escola pública que a minha filha frequenta
acabou de ser encerrada por motivos de novo surto da covid-19. Ela não voltou à
escola nem voltará antes de setembro.
Relativamente ao E@D, o João M. Tavares afirma que o
acompanhamento dado pelas escolas privadas aos seus alunos foi melhor do que o
das escolas públicas. Do que eu tenho conhecimento, nas escolas privadas todas
as aulas eram síncronas e na pública, segundo orientações ministeriais, cada
disciplina não deveria ultrapassar o terço da carga horária semanal da
disciplina em questão. Como vê, não foram decisões dos professores, mas ordens
superiores, que quando chegam, são para se cumprir. Porém, como mãe e como
professora, deixe que lhe diga que ainda bem que o Ministério teve esse bom
senso! Bato-me constantemente e condiciono os meus filhos, principalmente em
horário escolar, no uso dos ecrãs e do mundo digital e, agora, a própria
escola, iria exigir que eles passassem dias inteiros sentados em frente de um
computador para terem todas as aulas em formato síncrono?! Bem chegou eu ter de
o fazer, com as múltiplas turmas que tinha a meu cargo e com todos os outros
procedimentos a que um professor está obrigado! É esse “bom funcionamento” a
que o João Miguel se está a referir! Felizmente, os meus tinham rua onde podiam
vir apanhar ar, os dois irmãos e os primos vizinhos, andar de bicicleta ou de
skate ou conversar! As grandes vantagens da província! Não o poderiam fazer
estando um dia inteiro em frente de um ecrã! Resultado: os meus filhos foram
absolutamente felizes e não sentiram saudades da escola. Acrescento ainda que
os primeiros dias, de verdadeira loucura, porque tinha que estar em aula
síncrona e orientar em simultâneo os meus filhos, revelaram-se positivos: foram
obrigados a desenvolver a autonomia, porque a mãe não podia estar sempre a
auxiliar. Aprenderam a organizar-se sem eu ter que relembrar vinte vezes a
mesma coisa e sobretudo o mais velho, na altura com doze anos, aprendeu a fazer
algo muito importante: estudo autónomo, a que se recusava constantemente,
porque a muleta da mãe era confortável. Cresceram e tornaram-se mais
responsáveis. Obviamente, sob o olhar minimamente atento dos progenitores. Para
além deste fator, conte também com a diferença do ambiente familiar e das
condições da maioria dos meninos que frequenta o privado em relação à escola
pública que é de todos e para todos, sem exclusão. Consegue imaginar o esforço
que foi para as escolas em colaboração com as autarquias para não haver alunos
sem meios de acesso às plataformas digitais?! Não foi o Governo. Foram as
escolas e as suas autarquias. Quando as instruções sobre o que fazer chegaram
às escolas, já havia levantamento feito das necessidades e já se tinham gizado
estratégias! Julga que as escolas privadas têm estes problemas?
Apraz-me, porém, pressentir que o
João Miguel quer uma escola pública de qualidade, pois tem lá os filhos, assim
como eu, que também lá tenho os meus e também lá sou professora. Como tal, devo
alertar que sem ovos não se fazem omeletas! O desinvestimento na escola pública
tem sido vergonhoso desde uns anos a esta parte, mas tudo se continua a exigir
a quem apesar de todas as circunstâncias nunca vira a cara à luta!
O
João Miguel fala da “perda de um sentido de dever cívico por parte de muitos
professores, após décadas de frustração e de confronto com sucessivos
governos”. Deixe que lhe diga que essas palavras são profundamente injustas
para uma classe que mostrou ao país saber responder prontamente. Não se engane.
Mais do que os professores, foram os alunos que evidenciaram mais dificuldade
de adaptação às plataformas digitais. Eles, sim, revelam grande iliteracia
digital, uma vez que sabem tudo sobre jogos, mas depois, pede-se um trabalho e nem
formatado aparece! Em quinze dias, os professores estavam a usar as plataformas
e antes disso, contactaram os alunos por Messenger,
whatsapp, e-mail, recorreram a todos os meios que tinham ao seu dispor,
pagos pelo seu bolso, para não deixarem os alunos abandonados à sua sorte!
Fecharam os olhos à sua privacidade e forneceram o contacto pessoal a todos os
seus alunos! Talvez o João Miguel não saiba, mas isso pode trazer-nos
dissabores! Que fique bem claro: Não tínhamos que o fazer, mas fizemo-lo a bem
dos nossos alunos. Já agora, digo-lhe mais, é precisamente pelo facto de o
Ministério saber do nosso cumprimento no que ao dever cívico diz respeito, que
tem brincado à fartazana com esta classe! O Governo mereceria outra atuação… Os
nossos alunos, nunca!
Se
a classe docente está envelhecida, de quem é a responsabilidade?! Se descobrir
uma fórmula que trave o envelhecimento dos professores, eu ficaria encantada!
Sim. Há professores que pertencem a grupos de risco e certamente não irão
colocar-se em perigo! Era o que mais haveria de faltar! Damos mais do que este
país merece em prol dos alunos, mas pedir-nos a vida também já é exagero! E não
se preocupe com a questão das baixas, pois há quem de facto delas necessite e
não as tenha! Mesmo. Pode acreditar nisto. Por outro lado, talvez seja uma
oportunidade para professores mais jovens.
Resta-me
concluir que a grande maioria dos professores deseja voltar ao ensino
presencial. Eu já regressei em maio e oxalá em setembro o possamos fazer! É na
sala de aula, em contacto direto com os alunos, que a escola faz sentido e
ganha sabor, mas que isso não ponha em causa a saúde de um país!
Reconheço
que o João Miguel disse “muitos professores” e não “todos”. Há-os mauzinhos,
assim como jornalistas, engenheiros, carpinteiros, padeiros ou médicos… Mas desta
vez, João Miguel Tavares, essas palavras são de uma injustiça atroz!
Convido-o
a passar uma semana na minha sala de aula e na minha sala de professores (julgo
que a direção da minha escola não se oporia), talvez percebesse melhor o bom
trabalho que os professores da escola pública desenvolvem com os seus alunos e
que os fraquinhos (que também existem) serão uma minoria e que não podem pôr em
causa uma classe inteira! Não sei a má experiência pela qual passou, mas sei
que não nos representa. Se tudo correu bem? Não, obviamente. Há reflexões a fazer
e aspetos a melhorar, mas dadas as circunstâncias, fez-se o melhor possível e, na
maioria dos casos, isso foi muito e fez toda a diferença!
Nina
M.
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