Seguidores

sábado, 4 de julho de 2020

Crónica de Maus Costumes 189


Os Enganos de João Miguel Tavares

             Durante esta semana, uma rede social entrou em ebulição devido ao artigo de opinião de João Miguel Tavares. Muitos terão lido, não gostaram e mostraram a insatisfação, nalguns casos de forma incorreta, o que me deixa triste. Somos uma classe de educadores e devemos primar pelo exemplo e, por mais que o nervoso miudinho ou ira se faça sentir, temos obrigação de manter a compostura e educação. Ao não fazê-lo, damos razão a certas vozes que mais nada pretendem do que enxovalhar a classe. Lembro ainda que o artigo a que me refiro é de opinião e num país democrático todos têm direito a ela. Como dizia Humberto Eco, as redes sociais deram voz a quem não mereceria ser ouvido, mas é o preço a pagar pela liberdade e que seja bem-vindo!
                Deixar claro que até nem antipatizo com o João Miguel, apesar de muitas vezes divergir das suas opiniões. Efeito do Governo Sombra talvez. No entanto, João Miguel Tavares, deixe que quem conhece um pouco melhor a escola por dentro o possa fazer refletir sobre algumas questões…
            No seu artigo, começa por questionar a decisão do Governo em protelar a reabertura plena (assim o entendi) das escolas a 18 de maio, tendo impedido, por exemplo, a sua filha de frequentar a escola para aprender, mas agora poder frequentar o estabelecimento de ensino, no que diz respeito à componente de apoio à família, uma vez que a criança sentiu falta da socialização. Não me custa compreender que a menina tenha sofrido com a ausência e até considero bom sinal. Significa que a aluna está integrada, gosta dos amiguinhos e, certamente, sente-se apoiada e segura na sua escola. Parece-me que o estabelecimento público está a cumprir bem o seu papel. Depois, como compreenderá, essa foi uma decisão política em conjunto com as autoridades da saúde, não passou nem pela escola nem pelos seus professores, já que estes regressaram às escolas, nessa data, para lecionar os 11º e 12º anos, nas disciplinas de exame. Confesso que contestei a medida com receio que pudesse perigar a realização dos exames e penalizar os miúdos cuja média para entrada nas universidades deles depende. Por outro lado, estes eram os alunos que mais facilmente se adaptaram ao Ensino à Distância (E@D) e com quem as atividades correram melhor. Quem luta para entrar na universidade, sabe que tem de trabalhar. Julgo que o Governo terá optado por esta solução em prol de um desconfinamento mais lento, com menos alunos nas escolas e com cautela, porque a escola envolve uma série de questões que ultrapassam as salas de aula: gestão de espaços, transportes públicos, cantina, bar, etc… Poderá dizer-me que é questionável, como é óbvio. Foi essencialmente uma decisão política, que seria sempre criticável, independentemente dos anos abrangidos. Na minha perspetiva, houve alguma cautela e ainda bem, por exemplo, a escola pública que a minha filha frequenta acabou de ser encerrada por motivos de novo surto da covid-19. Ela não voltou à escola nem voltará antes de setembro.
            Relativamente ao E@D, o João M. Tavares afirma que o acompanhamento dado pelas escolas privadas aos seus alunos foi melhor do que o das escolas públicas. Do que eu tenho conhecimento, nas escolas privadas todas as aulas eram síncronas e na pública, segundo orientações ministeriais, cada disciplina não deveria ultrapassar o terço da carga horária semanal da disciplina em questão. Como vê, não foram decisões dos professores, mas ordens superiores, que quando chegam, são para se cumprir. Porém, como mãe e como professora, deixe que lhe diga que ainda bem que o Ministério teve esse bom senso! Bato-me constantemente e condiciono os meus filhos, principalmente em horário escolar, no uso dos ecrãs e do mundo digital e, agora, a própria escola, iria exigir que eles passassem dias inteiros sentados em frente de um computador para terem todas as aulas em formato síncrono?! Bem chegou eu ter de o fazer, com as múltiplas turmas que tinha a meu cargo e com todos os outros procedimentos a que um professor está obrigado! É esse “bom funcionamento” a que o João Miguel se está a referir! Felizmente, os meus tinham rua onde podiam vir apanhar ar, os dois irmãos e os primos vizinhos, andar de bicicleta ou de skate ou conversar! As grandes vantagens da província! Não o poderiam fazer estando um dia inteiro em frente de um ecrã! Resultado: os meus filhos foram absolutamente felizes e não sentiram saudades da escola. Acrescento ainda que os primeiros dias, de verdadeira loucura, porque tinha que estar em aula síncrona e orientar em simultâneo os meus filhos, revelaram-se positivos: foram obrigados a desenvolver a autonomia, porque a mãe não podia estar sempre a auxiliar. Aprenderam a organizar-se sem eu ter que relembrar vinte vezes a mesma coisa e sobretudo o mais velho, na altura com doze anos, aprendeu a fazer algo muito importante: estudo autónomo, a que se recusava constantemente, porque a muleta da mãe era confortável. Cresceram e tornaram-se mais responsáveis. Obviamente, sob o olhar minimamente atento dos progenitores. Para além deste fator, conte também com a diferença do ambiente familiar e das condições da maioria dos meninos que frequenta o privado em relação à escola pública que é de todos e para todos, sem exclusão. Consegue imaginar o esforço que foi para as escolas em colaboração com as autarquias para não haver alunos sem meios de acesso às plataformas digitais?! Não foi o Governo. Foram as escolas e as suas autarquias. Quando as instruções sobre o que fazer chegaram às escolas, já havia levantamento feito das necessidades e já se tinham gizado estratégias! Julga que as escolas privadas têm estes problemas?
            Apraz-me, porém, pressentir que o João Miguel quer uma escola pública de qualidade, pois tem lá os filhos, assim como eu, que também lá tenho os meus e também lá sou professora. Como tal, devo alertar que sem ovos não se fazem omeletas! O desinvestimento na escola pública tem sido vergonhoso desde uns anos a esta parte, mas tudo se continua a exigir a quem apesar de todas as circunstâncias nunca vira a cara à luta!
O João Miguel fala da “perda de um sentido de dever cívico por parte de muitos professores, após décadas de frustração e de confronto com sucessivos governos”. Deixe que lhe diga que essas palavras são profundamente injustas para uma classe que mostrou ao país saber responder prontamente. Não se engane. Mais do que os professores, foram os alunos que evidenciaram mais dificuldade de adaptação às plataformas digitais. Eles, sim, revelam grande iliteracia digital, uma vez que sabem tudo sobre jogos, mas depois, pede-se um trabalho e nem formatado aparece! Em quinze dias, os professores estavam a usar as plataformas e antes disso, contactaram os alunos por Messenger, whatsapp, e-mail, recorreram a todos os meios que tinham ao seu dispor, pagos pelo seu bolso, para não deixarem os alunos abandonados à sua sorte! Fecharam os olhos à sua privacidade e forneceram o contacto pessoal a todos os seus alunos! Talvez o João Miguel não saiba, mas isso pode trazer-nos dissabores! Que fique bem claro: Não tínhamos que o fazer, mas fizemo-lo a bem dos nossos alunos. Já agora, digo-lhe mais, é precisamente pelo facto de o Ministério saber do nosso cumprimento no que ao dever cívico diz respeito, que tem brincado à fartazana com esta classe! O Governo mereceria outra atuação… Os nossos alunos, nunca!
Se a classe docente está envelhecida, de quem é a responsabilidade?! Se descobrir uma fórmula que trave o envelhecimento dos professores, eu ficaria encantada! Sim. Há professores que pertencem a grupos de risco e certamente não irão colocar-se em perigo! Era o que mais haveria de faltar! Damos mais do que este país merece em prol dos alunos, mas pedir-nos a vida também já é exagero! E não se preocupe com a questão das baixas, pois há quem de facto delas necessite e não as tenha! Mesmo. Pode acreditar nisto. Por outro lado, talvez seja uma oportunidade para professores mais jovens.
Resta-me concluir que a grande maioria dos professores deseja voltar ao ensino presencial. Eu já regressei em maio e oxalá em setembro o possamos fazer! É na sala de aula, em contacto direto com os alunos, que a escola faz sentido e ganha sabor, mas que isso não ponha em causa a saúde de um país!
Reconheço que o João Miguel disse “muitos professores” e não “todos”. Há-os mauzinhos, assim como jornalistas, engenheiros, carpinteiros, padeiros ou médicos… Mas desta vez, João Miguel Tavares, essas palavras são de uma injustiça atroz!
Convido-o a passar uma semana na minha sala de aula e na minha sala de professores (julgo que a direção da minha escola não se oporia), talvez percebesse melhor o bom trabalho que os professores da escola pública desenvolvem com os seus alunos e que os fraquinhos (que também existem) serão uma minoria e que não podem pôr em causa uma classe inteira! Não sei a má experiência pela qual passou, mas sei que não nos representa. Se tudo correu bem? Não, obviamente. Há reflexões a fazer e aspetos a melhorar, mas dadas as circunstâncias, fez-se o melhor possível e, na maioria dos casos, isso foi muito e fez toda a diferença!

Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário