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sábado, 28 de setembro de 2019

Crónica de Maus Costumes 149


“Gretinices…”

            Já não me deveria surpreender com determinadas atuações de gente da política e, na verdade, não é surpresa, apenas constatação do óbvio e do que já há muito sei, mas que digiro com dificuldade e sempre me causa mal-estar e desejo extremo de me manter afastada desse tipo de meio. Faço-o, obviamente, mas já dizia Sophia, “vemos, ouvimos e lemos/Não podemos ignorar”…
            Ora esta semana o destilar de muito fel nas redes sociais (outro comportamento que me causa náuseas e uma certa angústia) foi endereçado a uma jovem de apenas dezasseis anos que por idiossincrasias do seu caráter obstinado decidiu lutar e endereçar todas as suas energias na difícil e tenebrosa missão de salvar o planeta e, para isso, tem forçosamente de conseguir despertar consciências amorfas, apáticas e adormecidas. Vi e li de tudo. Um texto onde se comparava a atitude felina e até de ódio de Greta à bonomia e simpatia de Malala! Uma cresceu sem que nada lhe faltasse, num sistema capitalista e explorador e mesmo assim é uma mal-agradecida que não sabe dar o devido valor ao que tem enquanto a segunda e, com toda a justiça, apenas uma vítima de uma sociedade fechada e medieval, onde se considera que às mulheres estão vedados uma série de direitos, incluindo o da educação. A jovem quase morreu, mas ei-la simpática, piedosa para com o inimigo e querendo mudar mentalidades com a sua perseverança e amor. Assim, Malala é o símbolo da tolerância e da esperança na humanidade, com a respetiva foto a condizer: expressão suave e olhar cândido. Já a outra é a arrogantezinha, a menina da mamã que não tem mais o que fazer e que está a ser manipulada por certos grupos de pressão ligados à indústria das energias renováveis. Aliás, foi um meio encontrado pelos pais para passarem a viver bem melhor e com mais mordomias capitalistas, porque a mãe já escreveu um livro que vendeu tremendamente. Segundo consta, o lucro das vendas nem seria para a família, mas para algumas instituições, mas isso também não interessa para nada, porque destruiria a imagem da petulante defensora do meio-ambiente. Ainda vi outra fotografia em que aparecia a Greta a tomar um belo pequeno-almoço europeu, confortavelmente sentada, enquanto viajava, produto do capitalismo e ao lado outra imagem em que uma série de jovens pobres, oriundos de regimes totalitários de esquerda esgravatam o lixo para encontrarem o que comer.
            Sendo que não sou nem de direita nem de esquerda, por já não saber o que isso significa na verdade, fico pasma com a mensagem que nem é subliminar! Em primeiro lugar, compara-se a Greta a Malala porquê? Acaso a menina só pode ter opinião se tiver sido uma desgraçada, abusada e espezinhada pela sociedade para se poder fazer ouvir? Quer dizer que não pode mostrar a sua frustração quando se apercebe de que os líderes mundiais se preocupam mais com o lucro do que com o estado de conservação da nossa casa e, portanto, deveria aparecer com ar tranquilo e não de cenho franzido e lábios crispados? E o que pensar da foto em que se opõe o fausto repasto à fome? Olha, Greta, toma lá o pequeno-almoço que o capitalismo te oferece e não sejas nem lamechas e muito menos inconveniente. Com a sorte que tiveste em nascer do lado certo do mundo, deverias era estar caladinha, porque perdeste toda a legitimidade para falar. Se te queres opor verdadeiramente vai fazer um estágio à Venezuela, primeiro! Falas de barriga cheia contra o sistema que te alimentou durante anos. Se estivesses na posição dos que catam o lixo não terias tanta força na língua!
Parece-me este (ainda que exagerado) o brilhante raciocínio dos que se lembraram de postar tal imagem e de a comentar! Só lamento que não se lembrem também que o mesmo capitalismo que nos alimenta (felizmente também nasci do lado certo do mundo!) quando feroz e selvagem deixa outros à míngua sem compadecimentos. Se num lado se passa fome, noutro deita-se comida fora! Só lamento que não vejam que se há grupos de pressão das renováveis a colarem-se à Greta, também haverá os do petróleo a não querem perder um monopólio e a defender que o buraco do ozono e as alterações climáticas são uma invenção!
            Caramba! Não haverá o bom senso de não achincalhar uma miúda que acreditará seriamente no ideal que defende? Será que aos dezasseis anos já tem a maturidade esperada para saber se está ou não a ser manipulada ou acreditará apenas nas boas intenções de quem a quer ajudar nos seus intentos? Como também já referi, estou-me nas tintas para o facto de haver ou não manipulação e se houver os grupos de pressão das renováveis, que seja pelo bem da casa comum! Tomara que os veículos elétricos com uma maior autonomia cheguem ao mercado em maior número e bem mais baratos! Havendo ou não manipulação, será que não se consegue despir a camisola da clubite partidária e ideológica (já sem qualquer ideologia no momento) e compreender que há de facto urgência em mudarmos determinados comportamentos? A indústria tem de ser menos poluente, mesmo que isso signifique menos lucro e todos nós devemos alterar uma série de hábitos e deixarmos de desperdiçar recursos?
            Estou francamente cansada de uma clivagem oca entre esquerdas e direitas que cheiram a bafio! Não. Não defendo regimes totalitários nem de esquerda nem de direita. Tanto abomino um Estaline ou Maduro quanto um Franco ou Salazar. São opressores e sanguinários. Interessar-me-ia bem mais que defendessem um partido HUMANISTA onde houvesse uma gestão eficaz de recursos, onde não houvesse excedente na Europa e fome na África, nalguns lugares da Ásia e também da América Central e do Sul! Gostaria de um partido humanista em que a implementação do preço justo fosse viável, onde a globalização dissesse não à exploração do trabalhador pelo patrão e pelo Estado, através de uma carga fiscal incomportável, a fazer lembrar o sistema feudal, apesar da democracia… Onde não houvesse corrupção que desgraça todas as nações, onde nem tudo fosse público, porque a iniciativa privada é essencial, mas onde houvesse séria regulamentação de mercado, onde a educação e saúde chegassem a todos com qualidade e essas sim, absolutamente públicas! Onde o poder judicial funcionasse de forma célere e isento, absolutamente distinto e longe do poder executivo! Onde apesar da preocupação em fazer crescer a economia também se preservasse o ambiente, onde todo o cidadão fosse efetivamente portador dos mesmos direitos e deveres! Onde tudo fosse pensado em prol do bem comum e não do bolso de meia dúzia!
            Em época de campanha, em vez de ver esquerdas, direitas e centros preocupados com algumas questões de fundo, vejo-os impressionados pelo ódio que destila o olhar de Greta e pela sua fausta refeição, enquanto é feita refém de comunistas só de nome (quais Robles europeus!) que querem enriquecer com as renováveis.
Enfim… “Gretinices”…

Nina M.


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