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sábado, 21 de setembro de 2019

Crónica de Maus Costumes 148


Crescimento e aceitação

                Não é a primeira vez que me perguntam se gostaria de voltar a ter vinte anos. Respondo de imediato que não. Sem titubear e sem hesitação. Normalmente acrescentam: “mesmo sabendo o que sabes hoje?” A resposta é a mesma e perentória: um rotundo não! De seguida, olham-me com alguma estranheza.
                A minha juventude foi vivida com intensidade, como a idade o exigia, num equilíbrio entre a responsabilidade e o divertimento. Olhando para trás, há coisas que poderia ter feito de outra maneira, mas que foram o que tiveram de ser. Há muita gente que me deixa saudade e que foram importantíssimas para mim e que me marcaram, assim como o meu percurso. Talvez algumas delas não saibam o quanto, no entanto, tudo isso faz parte de um passado único e irrepetível e que me pertence em exclusivo. De lá até hoje, até aos meus quarenta e quatro anos, idade que assumo sem pejo, há muito ser construído e refletido. Muitas dores, perdas, alegrias e sucessos… Escolhas difíceis e necessárias que foram feitas e um trajeto de crescimento e de exigência pessoal que não é feito só de facilidades. A descoberta de si é um processo longo e se nos exigimos um projeto de SER mais difícil se torna. Assim, regressar aos vinte seria um retrocesso penoso.
                A minha idade permite que esteja a borrifar-me para o acúmulo de gordurinhas, a maior flacidez da carne e as rugas que vão despontando, sinal claro de maturidade! Sou mulher, logo sou portadora de alguma vaidade… Não escondo que gosto de gostar da imagem que o espelho me devolve e que me preocupo com a minha saúde e bem-estar. Procuro sentir-me bem fisicamente, mas porque gosto que assim seja e não porque a sociedade o impõe.
                Em cada ruga haverá uma história que pode ser contada, batalhas ganhas e perdidas, um caminho individual, às vezes, doloroso e que fez de mim o que sou no momento com ainda tanto para ser! Nunca poderia regredir, porque não voltaria a ser “eu”. E o meu projeto de ser é baseado no que já fui, no que sou e no que quero construir! Seria, portanto, um ser distinto e desconhecido. Na verdade, há uma consciência tão profunda da fragilidade e um reconhecimento do fim inexorável que a todos nos espera que me traz uma leve melancolia para matizar a alegria com que muitos me caracterizam e reconhecem. Eu sei que sou finita. Sei que a morte vai chegar de uma maneira ou de outra e sei que tenho de viver a minha vida como ela é e não o que poderia ser se recuasse no tempo mais sabida. Ninguém quer saber da efemeridade nem se preocupa em alcançar o absoluto num tempo limitado aos vinte anos! E se houve os que o sabiam, alguns deles puseram fim à agonia por antecipação. Aos vinte, a poesia era ainda incipiente, não se tinha agarrado à pele!
                Por isso, não, obrigada. Fico mesmo assim, como sou, com a idade que me pertence e as suas marcas naturais e irreversíveis, ainda com imensa vontade de viver e de construir com o que a vida tiver para me ofertar. Consciente até ao tutano do seu cinismo e das suas perrices, mas com a determinação de quem não a quer largar tão cedo.
Talvez aos noventa me consiga sentar e olhar para uma vida cheia com desapego. Pensar que a partir dali, mais dia ou menos dia não fará a diferença e que quando a ceifeira me bater à porta a reclamar a entrada, eu não lha vou negar.
Então, quem sabe não nos sentamos ambas a rirmo-nos desbragadamente da idiotice de nos levarmos tão a sério para constatarmos que não temos importância nenhuma na engrenagem do universo e que a cada peça velha que deixa de funcionar surge uma nova para a substituir.
Nina M.


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