A vida tal como é
A
vida não é fácil. Põe-nos à prova inúmeras vezes e puxa-nos o tapete quando
menos esperamos, obrigando-nos a equilíbrios difíceis, a tropeções, quedas e
recomeços. Oscila entre os píncaros das poucas conquistas e os fundos das
perdas, das dores e das angústias.
É
assim quando um amor acaba, é assim quando um amor desponta, é assim quando
somos abalados por eventos que nos engolem. Não poupa ninguém. Nisso, a vida é
bastante democrática, cada um com os seus sofrimentos e alegrias, realizações e
frustrações. Viver exige coragem, mesmo a existência mais tranquila, em algum
momento, será transtornada. Uma pedra inesperada que se desloca e surge no
caminho que precisamos de continuar a percorrer. Ela é cíclica e exige
paciência, resiliência, pede sabedoria para que se compreenda que depois de um
ciclo mau virá um ciclo bom. A voz do povo nem sempre tem razão, mas às vezes,
acerta: não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.
Enquanto
escrevo, ocorre-me a situação vivida pelo escritor Pedro Chagas Freitas. Não sou
apreciadora do género que oferece aos leitores, mas tenho de lhe reconhecer a
coragem. Depois de já ter perdido o pai, viu-se na situação pela qual ninguém
quer passar e pela qual tantos passam: o seu filho, o seu pequeno Benjamim, juntamente
com os pais, a lutar pela vida. Felizmente, após duras batalhas, três meses de
internamento hospitalar, receios e ânsias tão dolorosas, o pequeno Benjamim
venceu. O Pedro a aprender com o filho, todos os dias. Talvez nunca o pai tenha
escrito com tanta verdade nem com tanto temor, à medida que ia dando notícias
ao seu público. Num gesto bonito, o Pedro escreveu “O Rei Tigão”, um conto
infantil que expõe as misérias da vida e o seu absurdo, mas onde, ainda assim,
há espaço para o riso e para a amizade. Não ganhará um cêntimo. O dinheiro
reverterá a favor da Unidade de Hepatologia de Coimbra, o serviço que salvou o
seu menino. Fica aqui a sugestão de um presente de Natal. O Benjamim venceu,
mas há tantos outros que perdem a guerra e deixam os pais inconsoláveis, na dor
maior… E continuam. A vida exige coragem. Todos os dias, com os filhos sempre
diante dos olhos a bailar-lhes no coração. Pais enormes! Seres gigantes! Os
heróis de ontem, de hoje e de amanhã… Diz-se que cada um só pode dar o que tem
para oferecer e muitos destes seres, para quem a vida foi a perder, ainda têm
alma para dar. Nunca perderam a doçura no olhar. Conseguiram conservar a
pureza, o olhar inocente e limpo perante a vida, mesmo depois do desespero. É
tão difícil consegui-lo!
Li um pequeno trecho de Edgar Morin a
propósito da expressão sapiens, que no mínimo, significará razão, mas aponta
para a sabedoria, a sapiência, acabando por ligá-la à afetividade. Deixou-me a
pensar… Na verdade, a inteligência sem o afeto, sem que o amor viva no interior
do homem, cria monstros. Não faltam exemplos históricos a comprová-lo, mas também
há seres pródigos em ternura e talvez sejam estes os heróis que verdadeiramente
merecerão ser lembrados, aqueles que resistem estoicamente às adversidades de
coração limpo, como o preso político que, depois do 25 de abril,
religiosamente, recebia em sua casa, às três da tarde, na véspera de Natal, o ex-PIDE
que lhe impedira a fuga e que sempre lhe levava um presente. Um pedido de
perdão anual, que era sempre concedido, como narra Luís Osório, nos seus Ficheiros
Secretos. Nada disto seria possível se o afeto não os habitasse.
Talvez
tenhamos de passar pela vida com ternura, porque quando ela nos esmaga, só os
afetos nos resgatam. Eles e a esperança, os motores que nos mantêm à superfície
e nos permitem respirar, mesmo que seja com esforço, em certos momentos. A vida é feita disto. É uma tragicomédia
sem ensaio prévio, momentos de fragilidade e de misérias e também momentos de
risos e de alegrias. Um pêndulo que oscila entre um ponto e outro e, nesse
vaivém de que a vida é feita, resta-nos beber tudo: a ambrósia e a cicuta,
quando assim tem de ser.
Nina M.
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