Diferenças e convivência
A convivência e coabitação não são fáceis.
Há ajustes, tolerância e cedências necessárias perante visões de mundo
diferentes e personalidades distintas. Há personalidades que não se ajustam,
por mais que as pessoas gostem umas das outras, o que pode dificultar uma
convivência sadia.
Para que duas
pessoas possam coabitar ou conviver sadiamente é necessário que, no mínimo,
tenham valores e princípios alinhados e gostos semelhantes. Se for para ser
amor, então, ainda são necessários mais um pozinhos mágicos de mais alguma, mas
isto é o mínimo exigível. A famosa teoria de que os opostos se atraem até pode
ser verdadeira, inicialmente, e ter muita piada, mas em algum momento redundará
em fracasso. Com o tempo, os opostos afastam-se. Se não é fácil manter a
proximidade com quem, de alguma forma, nos identificamos, fará com aqueles com
quem estamos nos antípodas!
Evidentemente,
há diferenças superáveis e diferenças insanáveis. Os valores e princípios pelos
quais orientamos a nossa caminhada e nos quais assentamos a nossa ética
pertencem ao domínio do que não pode ser negociado. Se para alguém o valor da
honestidade e da integridade for indispensável, por exemplo, não conseguirá permanecer
ao lado de alguém que seja mais flexível e que use da consciência da manga
larga em certas situações. Não compactuará com estratégias menos lícitas para
alcançar os objetivos pretendidos. Se alguém pauta a sua vida por valores
humanistas, não suportará a convivência com alguém muito moralista, mas pouco
tolerante e discricionário. Nestes casos, talvez se esteja perante diferenças
insanáveis. No entanto, também há as diferenças superáveis, que dizem respeito à
personalidade, mas que se pode, com vontade, ultrapassar. Se uma pessoa gosta
de dormir até tarde e a outra de se levantar cedo, basta que se respeitem para
que nem um nem outro se incomodem mutuamente. Há quem diga que os
relacionamentos terminam pelas pequenas coisas e não pelas maiores… Bem, eu
entendo que podem terminar por uma infinidade de fatores e também pelas
pequenas, porque a convivência é feita de irritações que se vão tolerando: as
pequenas idiossincrasias de cada um que cansam ao cabo de uns anos e irritam
sempre, mas que estão presentes, porque as pessoas são o que são,
inconscientemente e, mesmo que façam um esforço, no sentido de minimizar o que
irrita o outro, haverá sempre momentos em que o que se é se torna mais forte.
Quando há um comportamento padrão que nos enerva, significa que é da natureza
da pessoa e, provavelmente, tenderá a ser repetido, mesmo que seja alguém
comprometido e esforçado.
Perante isto,
confrontando-nos com um comportamento ou maneira de ser que nos desagrada
especialmente, só há duas atitudes racionais que se pode tomar e uma
absolutamente irracional. Pode-se escolher o afastamento, apesar do amor ou da
amizade por se entender que aquele tipo de postura só causa tristeza e
mal-estar, um desconforto com o qual não se é capaz de lidar e uma angústia à
qual se tem de pôr fim, a bem da sanidade mental. Isto é uma escolha racional.
Por outro lado, a pessoa pode entender que o comportamento a incomoda
verdadeiramente, mas que respeita o outro e ficará ao seu lado, esperando ver
um esforço para minimizar o problema, não deixando de a apoiar e de estar ao
seu lado. É também uma escolha racional e válida e que deve ser respeitada. A
irracionalidade está, porém, na escolha de ficar, mas com o propósito de querer
mudar o outro à força, por coação, manipulação, violência, seja o que for…
Acontece que quem o faz torna-se numa pessoa tóxica, que exige do outro o
preenchimento das suas necessidades e vazios. Ninguém é obrigado a suprir as
necessidades do outro. Esse é um papel que cumpre a cada um em relação a si
mesmo e não é justo que se queira mudar alguém, apenas para ver as suas necessidades
atendidas. Todos temos o direito de não aceitar ou de não tolerar certos
comportamentos, mas ninguém tem o direito de manipular nem de tentar colonizar o
outro, tentar transformá-lo no que não é, na base da discussão e da força. O
máximo que se pode fazer é tentar chegar a um entendimento confortável para
ambos, se houver razoabilidade.
Há pessoas
matinais e pessoas notívagas. Há quem acorde a cantar de manhã e quem não
suporte a cantoria nem nenhum barulho matinal. Há que respeitar essas
personalidades que acompanham as pessoas ao longo da vida. Não adianta querer
obrigar aquele que gosta de prolongar um pouco mais o sono a levantar-se cedo nem
obrigar o que gosta de se levantar a permanecer na cama. Não se pode obrigar o
outro a ser o que não é por mero capricho ou forma de encarar o mundo. Não
adianta pedir ao ansioso para ter calma nem ao calmo para se apressar. Há que
respeitar os tempos de cada um, desde que cada um cumpra com as suas obrigações
nos prazos necessários.
Enfim, sem
estes reajustamentos e adaptações, a vida em sociedade torna-se infernal e é
preciso que nos lembremos sempre de que o outro tem direito a ser quem é e o
máximo que podemos fazer é escolher entre ficar, com uma dose extra de
paciência para gerir as diferenças ou partir se as considerarmos insanáveis. Só
não vale a pena querer mudar um comportamento padrão, porque, no final, ninguém
muda ninguém e o desgaste é tremendo para ambos.
Há, por
isso, quem afirme que o amor é uma escolha diária e, a partir de uma certa
altura, percebe-se claramente que também é isso.
Nina M.
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