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domingo, 18 de julho de 2021

Descrença

Já houve um outro olhar...
Um olhar límpido e cristalino
Sobre as coisas e a existência

A inocência pueril de quem olha
alegremente o mundo e nele acredita
Ingenuidade e pureza perdidas

Ao primeiro desgosto de amor
Ao primeiro ultraje sofrido
À consciência primeira da injustiça

E a perplexidade irrompe muda
Calada na sua timidez
Talvez com medo de ferir a crença

Fomos jovens e acreditámos
E sabíamos que não perderíamos
o olhar embevecido sobre o mundo

Com desdém dos velhos (dos já cansados
Dos trilhos ignóbeis da existência)
Em ânsia de vida, de construção e de aceleração

Arrogância abandonada aos poucos
Esfrangalhada pela mortalha da realidade
A certeza de nada importar por nada subsistir

O legado cruel deixado aos do porvir
Os ataques do homem ao homem
Os ataques do homem à natureza-mãe

A ganância demolidora dos grandes
Dos que desconhecem o valor da dignidade
E julgam que a vestem com o fato e a gravata

A perplexidade contínua
De quem vê o semelhante chegar ao espaço
E fechar os olhos à epopeia da pobreza

A fome e a míngua  a conviver
Com o desperdício. Nunca houve tanto
E nunca tanto se perdeu...

É a evolução. Dizem-nos.
A crueldade é menor. Não há espadas nem flechas.
São armas sofisticadas, biológicas e químicas.

Não rolam cabeças nem se esquartejam corpos
Mas espalha-se o veneno letal
Que há de matar mais inocentes

Tudo higiénico e distante ao alcance de um botão
Eliminam-se os campos de concentração
E os bombardeamentos são desinformação

Mas haja esperança no homem civilizado!
Há de haver solução...  
Tudo está em permanente progresso

E procura-se desesperadamente 
Esse olhar virginal
Vê-se a velhice desdenhada sob a pele

Talvez resista o último suspiro de alento
A contrariar a resignação 
No mágico momento 

Em que se encontra a poesia
E dela não se larga a mão
Vem de lá a maresia...








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