Já houve um outro olhar...
Um olhar límpido e cristalino
Sobre as coisas e a existência
Um olhar límpido e cristalino
Sobre as coisas e a existência
A inocência pueril de quem olha
alegremente o mundo e nele acredita
Ingenuidade e pureza perdidas
Ao primeiro desgosto de amor
Ao primeiro ultraje sofrido
À consciência primeira da injustiça
E a perplexidade irrompe muda
Calada na sua timidez
Talvez com medo de ferir a crença
Fomos jovens e acreditámos
E sabíamos que não perderíamos
o olhar embevecido sobre o mundo
Com desdém dos velhos (dos já cansados
Dos trilhos ignóbeis da existência)
Em ânsia de vida, de construção e de aceleração
Arrogância abandonada aos poucos
Esfrangalhada pela mortalha da realidade
A certeza de nada importar por nada subsistir
A certeza de nada importar por nada subsistir
O legado cruel deixado aos do porvir
Os ataques do homem ao homem
Os ataques do homem à natureza-mãe
A ganância demolidora dos grandes
Dos que desconhecem o valor da dignidade
E julgam que a vestem com o fato e a gravata
A perplexidade contínua
De quem vê o semelhante chegar ao espaço
E fechar os olhos à epopeia da pobreza
A fome e a míngua a conviver
Com o desperdício. Nunca houve tanto
E nunca tanto se perdeu...
É a evolução. Dizem-nos.
A crueldade é menor. Não há espadas nem flechas.
São armas sofisticadas, biológicas e químicas.
Não rolam cabeças nem se esquartejam corpos
Mas espalha-se o veneno letal
Que há de matar mais inocentes
Tudo higiénico e distante ao alcance de um botão
Eliminam-se os campos de concentração
E os bombardeamentos são desinformação
Mas haja esperança no homem civilizado!
Há de haver solução...
Tudo está em permanente progresso
E procura-se desesperadamente
Esse olhar virginal
Vê-se a velhice desdenhada sob a pele
Talvez resista o último suspiro de alento
A contrariar a resignação
No mágico momento
Em que se encontra a poesia
E dela não se larga a mão
Vem de lá a maresia...
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