O doce orgulho dos filhos
Nada mais comovedor do que a pureza inocente do olhar de um filho sobre a mãe ou o pai, mesmo que saibamos que um dia essa admiração absoluta findará e encontrar-nos-ão os defeitos. A expetativa é podermos continuar a beneficiar do amor deles com as nossas falhas e apesar delas.
Na sexta-feira, ao almoço, a minha amável e delicada Matilde perguntava-me se eu já tinha plantado uma árvore. Prontamente, eu respondi que não. A jardinagem nunca foi o meu forte. Não gosto mesmo de andar com as mãos na terra… Sei que há luvas, mas nem assim. Adoro a natureza e um belo jardim cuidado, só não gosto de o fazer.
Ela insistia: “Nunca plantaste mesmo nada?!”
- Só batatas e limitei-me a colocá-las no rego distantes um palmo entre si ou a lançar o adubo antes de lá serem colocadas.
Respirou de alívio. Estava preocupada com a possibilidade de ter mentido inadvertidamente à professora. Afinal, não tinha mentido. Acrescentava aliviada.
Naturalmente, quis perceber do que se tratava. Sabes, estivemos a conversar com a professora, no intervalo, e ela disse-nos que o propósito da vida era ter filhos, escrever um livro e plantar uma árvore.
Ouvi sem desmentir. Nunca se desmente ou acaba com a admiração que um professor possa exercer sobre a criança, a menos que lhe seja absolutamente nefasta. Pensei para mim que o sentido da vida era, normalmente, a dúvida de todos e algo para o qual é difícil obter uma única e inequívoca resposta, para além de ser um achado absolutamente individual, sem fórmulas coletivas. Fiquei-me por um “ai foi? E então?”
- Olha, mãe, eu disse que tu já tinhas feito tudo, até tinhas escrito dois livros! As gémeas disseram logo que assim já tinhas a vida feita!
Isso soou-me a que se morresse já, não faria grande diferença… Eu gosto das trigémeas, amigas da minha filha. Muito alegres e simpáticas, que dizem à Matilde que a mãe dela é muito nova e magrinha! E já teve dois filhos! Fazem questão de acrescentar, depois de uma me dizer a certa altura, que “a Sónia é muito bonita”. Imagine-se lá… Conquistaram-me logo com estas tiradas! Uns amores, estas três Marias! Mal sabem que a verdadeira heroína é a mãe delas, porque depois de dois filhos bem mais velhos, surgem as três e passam a cinco! Meu Deus! Grande coragem!
- Sabes, mãe, eu não sabia se tu tinhas plantado uma árvore, mas pensei que sim. Pronto, não sei se menti, mas se plantaste batatas, serve, não serve?
Eu descansei-lhe a consciência e acrescentei que talvez já tivesse mesmo plantado uma árvore, porque no meu tempo de escola celebrava-se o Dia Mundial da Árvore e era habitual haver a plantação de algumas. Mesmo que a minha memória não o recorde. Na cabeça da minha filha, talvez a mãe tivesse feito as duas coisas mais difíceis e não me queria ver pendurada por uma árvore. Resolveu-se a questão assim.
O que me deixou de coração cheio foi perceber-lhe o orgulho com que me contava o facto, acrescentando que eu seria a única que já tinha feito as três coisas. Creio que vou ter de plantar uma árvore de verdade, para a consciência não me ficar a moer… Ou então contar com os caroços de pêssego que fui atirando à terra ao longo dos anos. Certamente, algum deles terá frutificado. Logicamente, a Matilde pediu-me uns exemplares para oferecer à professora e comprovar a veracidade da história e anotou o número exato da crónica que sabe que a mãe escreve, para dizer à professora que há muitas mais além das que estão postas em livro. Toda inchada de orgulho da mãe, a minha pequenita! Sem idade para saber que isto que a mãe faz não tem mesmo importância nenhuma e não passa de uma pulsão irremediável de pouco valor e de pouco tino. Lá descobrirá a seu tempo e espero que o tamanho da desilusão não seja do tamanho do orgulho que lhe vi.
A comoção de nos sentirmos admirados pelos filhos é inigualável, mesmo que tenhamos a plena consciência das nossas misérias e, em simultâneo, o coração contrai-se com medo de os dececionar. Um dia descobrir-me-á as imperfeições e se recordar este momento delicado talvez considere que não fui merecedora do seu apreço. Só de o pensar, estremecem-me as entranhas. Se o halo dourado com que nos olham empalidecer sobremaneira, algo de irrecuperável se quebra internamente.
Não serão, certamente, as pequenas falhas, que o amor faz esquecer, as responsáveis pela deceção sem remissão, portanto, meu amor infinito, farei o impossível para preservar intocada essa candura com que me olhas.
Nina M.
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