A era digital e a suas implicações
Assisti a um debate “on-line”,
promovido pela livraria Barata (Lisboa) e que tinha como tema “ A era digital e
o desligamento do mundo”, uma conversa com o filósofo André Barata e o
Francisco Teixeira da Mota, advogado.
Se neste momento se interrogam como
tenho tempo para assistir a debates, eu explico: enquanto passo a ferro, tarefa
aborrecida, gosto de rentabilizar o tempo e vou assistindo a conferências,
conversas, sobre temas que me interessam. Uso o telemóvel e aprendo, reflito e
o trabalho fica feito, de igual modo.
Naturalmente,
falou-se da alienação que as redes sociais constituem, na fragmentação que o
digital causa, na velocidade com que se vive hoje e na necessidade de pausar,
de regular o funcionamento do digital… Abordaram duas questões bastante
pertinentes: primeiramente, a regulamentação do que pode ou não ser dito,
escrito e veiculado pelo mundo digital, já que põe em causa a liberdade de
expressão e a dificuldade de selecionar o que é ou não censurável. Dito de
outra forma: até onde será admissível a censura nas redes sociais? Poderá e
deverá penalizar-se alguém que diga que “os políticos são corruptos?”
Aplicam-se, no digital, as mesmas regras do espaço público? Trata-se de uma
perceção errónea, muitas vezes propalada no quotidiano, que poderia ser objeto
de tratamento jurídico, mas que é, normalmente, desvalorizada. Ora, um
comentário destes na esfera virtual deverá ser sancionado? Deverão os estados
intervir, apesar de as grandes corporações terem pessoas cuja função é o
policiamento do que vai sendo comentado e publicado? Se a entidade considerar
uma publicação ofensiva pode apagá-la e punir o autor com dias de suspensão da
rede. A grande questão passa por definir com exatidão os limites do que é
aceitável ou não. A verdade é que essa regulamentação não funciona. Eu
considero inaceitável que se use a rede social para o insulto, o enxovalho, e a
ofensa primitiva e gratuita. Não faltam comentários desagradáveis, apenas
porque as pessoas pensam que por se ter uma rede social tem que se aceitar
tudo. Não. Definitivamente, não! Pode-se discordar, mas ser insultuoso
ultrapassa os limites do bom senso. Depois, há a questão das notícias falsas ou
de imagens e vídeos violentos que são partilhados, com boas intenções, mas que só fazem perpetuar
essa falsidade ou violência. O que fazer? Policiar, rastrear e bloquear as
notícias consideradas falsas ou falaciosas? A aferição da objetividade,
imparcialidade e veracidade de um facto nem sempre é linear ou fácil de
estabelecer, pelo que talvez seja mais benéfico apostar na educação digital e
combater essas notícias falaciosas com publicação de qualidade e factual do que
censurar sem critérios bem definidos. Mexer na liberdade de expressão, baluarte
das democracias pode ser perigoso, mas simultaneamente, nem tudo pode ser
admissível. Estamos a viver num “maravilhoso mundo novo” que ainda estamos a
aprender a gerir e que nos desliga, muitas vezes, da realidade em que nos
movemos.
A
outra questão que chamou sobremaneira a minha atenção é o “direito ao
esquecimento”. Uma vez na Internet, para sempre na Internet, dizem. Todos nós
temos direito à privacidade e à intimidade. O advogado Francisco Mota lembrava
que esse direito ao esquecimento é fundamental, já que se alguém cometer um
crime e cumprir pena pelo erro cometido sujeita-se a que passados vinte anos
esse facto possa ainda ser encontrado facilmente na Internet. Qualquer um de
nós pode ser confrontado com um disparate que tenha dito ou feito em
determinada altura, que não nos define, mas que pode ser reavivado a qualquer
momento com consequências desastrosas. Há empregadores que vasculham o perfil
digital do candidato para decidirem sobre a sua contratação. Ainda há dias o
Ronaldo foi vítima dessa armadilha, a propósito da coca-cola que rejeitou e
desaconselhou beber. A sua antiga campanha publicitária a essa bebida
reapareceu. O Ronaldo perdeu, momentaneamente, o direito à incoerência que
afeta a vil condição humana (ninguém consegue manter uma coerência inabalável
ao longo da vida) e perdeu também o direito a mudar de opinião e de evoluir!
Se
pensarmos na morte… O que acontecerá ao nosso espólio? Qualquer um poderá
assumir a nossa conta? Quem sabe usurpar a nossa identidade… Quando eu
desaparecer terei o direito de levar comigo o que me pertence, incluindo a
minha vida digital. O advogado sugeria a criação de “cemitérios digitais” para
que não circulem, no mesmo espaço, mortos e vivos e para que estes últimos
possam prestar homenagem aos primeiros. Não será de todo má ideia, no entanto,
quando eu desaparecer, preferiria que a minha página do “facebook” fosse comigo.
O blogue poderá ficar. Pode ser que alguém lhe aproveite os versos, que
deixaram de ser meus. Tudo o resto só a mim me pertencerá.
Ocorre-me
a última cena da série que acompanhei sobre o general De Gaulle. Imediatamente
após a sua morte, a esposa queimava o seu espólio: todos os seus escritos
(correspondência trocada e reflexões pessoais). Foi uma perda? Foi. Tremenda! Teve
direito ao esquecimento? Com certeza.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário