As despedidas são sempre difíceis
Gaia,
sentimos saudades. Sentimos a tua ausência e a casa mais vazia. Sabíamos que
esse momento teria de chegar, infelizmente, foi mais prematuro do que o que
seria suposto, para bem dos teus pais biológicos (esse facto deixa-nos mais
tranquilos), mas teve de ser tudo rápido e precipitado, sem grande tempo para
absorver a resolução.
O
português está habituado a coisas difíceis. Os romanos, como dizia o famoso
Asterix, são malucos, mas ele não conheceu os portugueses. Nós somos os doidos
que enfrentaram os mares desconhecidos num “lenho leve”, como disse o nosso
Camões. O mesmo que dizer numa
embarcação frágil! Somos um povo que quando é preciso fazer algo de muito
difícil, que exija compromisso e sacrifício, entreolhamo-nos, encolhemos os
ombros num pensamento comum de que não há nada a fazer e, portanto, o que tem
de ser tem muita força e faz-se, ou como diria o nosso Pessoa (que estudaste em
Português) “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. No entanto, estes seres
rijos e capazes das maiores proezas estão contaminados por aquilo que outro
grande escritor e diplomata português, Eça de Queirós, classificou como uma
característica endémica que faz com que adotemos uma postura romântica perante
a vida, no sentido de nos orientarmos mais pelo sentimento do que pela razão.
Julgo que talvez isso explique a saudade portuguesa, intraduzível, e que é mais
do que nostalgia, melancolia ou sentir falta. Para nós, a saudade é a ausência
que sempre se carrega por termos acolhido na alma outro ser ou circunstância.
Sentimos saudade das pessoas que se inscreveram no nosso espírito, na nossa
vida, que fizeram parte das nossas rotinas e da nossa história e fazem parte de
nós. Por isso temos o Fado, património imaterial da humanidade, para expurgar
esta saudade, esta nostalgia, este sufoco de quem sente muito. Desta forma, as
despedidas para nós são difíceis. Mesmo sabendo que algumas delas têm de
existir, o sentido de pertença e de entrega não facilita a tarefa. É mais fácil
ir ao mar do que ver partir os que amamos.
Deve
ser por isso que o antigo quarto das traseiras, como lhe chamávamos, e que
passou a ser o quarto da Gaia, mantenha o teu cheiro. O nosso sentimentalismo faz
destas coisas: sentimos e vemos com o cheiro.
- Ó
mamã, o quarto continua a cheirar a Gaia! – Diz o Rodrigo.
- É verdade. Corrobora a Matilde. Cheira mesmo, mamã!
O teu quarto cheira a ti e estará à tua espera
sempre que nos queiras visitar e dele usufruir, como já te tínhamos dito.
Ainda
não tinha escrito publicamente sobre o assunto porque não quis tornar o momento
ainda mais difícil para todos. Nem para ti nem para nós. Por uma questão de intimidade
também. No entanto, hoje, em partilha com a AFS e o testemunho da nossa experiência,
fez-me sentir que tinha chegado o momento. Sim, há a saudade (que é o amor fica),
há o desejo de que tudo te corra pelo melhor e a esperança de reencontros. Há a
certeza de ter sido uma experiência enriquecedora para todos, feita de momentos
inesquecíveis. E quando nos perguntam sobre os momentos difíceis, o único que nos
ocorre é a tua saída, por motivos de força maior, alheios às nossas vontades. Sobra
o sentido do dever cumprido com acolhimento e disponibilidade. Sobra a vontade de
um dia também nós podermos conhecer a tua cidade e a alegria de te recebermos sempre
que queiras. Sobra uma filha mais que ganhámos e que permanecerá apesar da distância.
Sobra mais uma portista espalhada pelo mundo!
Protege-te.
Nina
M.
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