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sábado, 25 de abril de 2020

Crónica de Maus Costumes 179


As despedidas são sempre difíceis

Gaia, sentimos saudades. Sentimos a tua ausência e a casa mais vazia. Sabíamos que esse momento teria de chegar, infelizmente, foi mais prematuro do que o que seria suposto, para bem dos teus pais biológicos (esse facto deixa-nos mais tranquilos), mas teve de ser tudo rápido e precipitado, sem grande tempo para absorver a resolução.
O português está habituado a coisas difíceis. Os romanos, como dizia o famoso Asterix, são malucos, mas ele não conheceu os portugueses. Nós somos os doidos que enfrentaram os mares desconhecidos num “lenho leve”, como disse o nosso Camões.   O mesmo que dizer numa embarcação frágil! Somos um povo que quando é preciso fazer algo de muito difícil, que exija compromisso e sacrifício, entreolhamo-nos, encolhemos os ombros num pensamento comum de que não há nada a fazer e, portanto, o que tem de ser tem muita força e faz-se, ou como diria o nosso Pessoa (que estudaste em Português) “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. No entanto, estes seres rijos e capazes das maiores proezas estão contaminados por aquilo que outro grande escritor e diplomata português, Eça de Queirós, classificou como uma característica endémica que faz com que adotemos uma postura romântica perante a vida, no sentido de nos orientarmos mais pelo sentimento do que pela razão. Julgo que talvez isso explique a saudade portuguesa, intraduzível, e que é mais do que nostalgia, melancolia ou sentir falta. Para nós, a saudade é a ausência que sempre se carrega por termos acolhido na alma outro ser ou circunstância. Sentimos saudade das pessoas que se inscreveram no nosso espírito, na nossa vida, que fizeram parte das nossas rotinas e da nossa história e fazem parte de nós. Por isso temos o Fado, património imaterial da humanidade, para expurgar esta saudade, esta nostalgia, este sufoco de quem sente muito. Desta forma, as despedidas para nós são difíceis. Mesmo sabendo que algumas delas têm de existir, o sentido de pertença e de entrega não facilita a tarefa. É mais fácil ir ao mar do que ver partir os que amamos.
Deve ser por isso que o antigo quarto das traseiras, como lhe chamávamos, e que passou a ser o quarto da Gaia, mantenha o teu cheiro. O nosso sentimentalismo faz destas coisas: sentimos e vemos com o cheiro.
- Ó mamã, o quarto continua a cheirar a Gaia! – Diz o Rodrigo.
-  É verdade. Corrobora a Matilde. Cheira mesmo, mamã!
 O teu quarto cheira a ti e estará à tua espera sempre que nos queiras visitar e dele usufruir, como já te tínhamos dito.
Ainda não tinha escrito publicamente sobre o assunto porque não quis tornar o momento ainda mais difícil para todos. Nem para ti nem para nós. Por uma questão de intimidade também. No entanto, hoje, em partilha com a AFS e o testemunho da nossa experiência, fez-me sentir que tinha chegado o momento. Sim, há a saudade (que é o amor fica), há o desejo de que tudo te corra pelo melhor e a esperança de reencontros. Há a certeza de ter sido uma experiência enriquecedora para todos, feita de momentos inesquecíveis. E quando nos perguntam sobre os momentos difíceis, o único que nos ocorre é a tua saída, por motivos de força maior, alheios às nossas vontades. Sobra o sentido do dever cumprido com acolhimento e disponibilidade. Sobra a vontade de um dia também nós podermos conhecer a tua cidade e a alegria de te recebermos sempre que queiras. Sobra uma filha mais que ganhámos e que permanecerá apesar da distância. Sobra mais uma portista espalhada pelo mundo!
Protege-te.
Nina M.




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