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sábado, 4 de abril de 2020

Crónica de Maus Costumes 175


A Europa da (des)união

            Como vantagem trazida pela pandemia, poderia perfeitamente começar por referir o facto de não ter de me levantar às sete da manhã! Nunca gostei e julgo que nunca gostarei. Nem na velhice! Será por isso normal que andem a achar-me menos resmungona ao acordar… Evidentemente, o feitiozinho antissocial do despertar não se alterou por completo… Adoro tomar a minha caneca de café puro com duas ou três tostas com compota e um sumo de laranja natural sozinha, em silêncio e sem qualquer ruído ou interferência. É a minha hora de meditação, sem meditação qualquer, porque o café serve precisamente para tornar o meu cérebro funcional. Depois, como indisciplinada incorrigível, borrifo-me para essa coisa de manter as rotinas e não as mantenho tanto assim… Tanto almoço à 13:00 como às 14:00… Porém, mantenho-me ocupada. Não me lamento por falta do que fazer, porque até ao momento ainda não o senti. Na verdade, até se admiram comigo. Julgavam que ia padecer dos males do confinamento, mas tenho mantido a serenidade. Talvez o segredo se chame responsabilidade social e maturidade. Se isto tivesse acontecido na minha juventude, enquanto estudante universitária, julgo que teria efetivamente passado mal. A dificuldade em estar em casa era enorme! Enfim, dona de uma ingenuidade absoluta e ainda com muitos sonhos à mistura, talvez não sentisse verdadeiramente o espaço onde residia como meu… Hoje, se pensar bem, a não ser o facto de não ter a escolha de poder sair quando quero, a minha rotina em casa não mudou extraordinariamente! Enquanto houver corridinhas higiénicas, leituras e escrita para fazer, tudo se leva com tranquilidade. As tarefas domésticas também nunca faltam, assim as deseje! Sobra mais tempo para olharmos o mundo vazio e mais silencioso e percebemos que o que de facto é verdadeiramente importante para nós não está lá fora, mas dentro. Falta o abraço amigo, o toque, as reuniões familiares, mas há mais telefonemas. Na verdade, na impossibilidade de poder abraçar fisicamente as pessoas, abraço-as com a alma e percebo como estão comigo, apesar do isolamento social. Neste momento, é preciso foco para que tudo corra bem com os nossos e o que tiver de ser feito, seja feito. Façamos tudo para que o momento em que possamos abraçar novamente os que amamos, olhar a corrente do rio de que gostamos ou as ondas do mar que acompanharam a nossa infância seja pleno de significado e de sabor. Serão momentos mais límpidos.
            Assim como devemos aprender algo particularmente, que é a valorizar o que desvalorizávamos porque o tínhamos como garantido, também a Europa precisa de aprender a sua lição. Sinto deceção e tristeza e a (des)união europeia não voltará a ser a mesma. Esta crise deveria servir para unir a Europa tal como deveria servir para unir as pessoas, no entanto, há quem permaneça desavindo e assim vai este velho continente. A suposta união só serve para garantir benefícios económicos a alguns países. Continuamente os países mais ricos são os mais beneficiados e não se escusam de atirar a pedra aos que foram mais incautos e não tomaram as medidas de emergência mais cedo. Não é o momento de se atirarem pedras. Também julgo que alguns países europeus se deveriam ter preparado mais cedo e que houve alguma negligência (incluindo Portugal, ao contrário do que querem fazer parecer), porém, no momento, pede-se entreajuda e não críticas destrutivas. Chega a destruição massiva que vivemos: a mortandade, a crise económica que virá, as dificuldades de muitas famílias, a sobrelotação do sistema de saúde… Enfim, são tantos os problemas que para resolvê-los com o mínimo de impacto possível para o português, o espanhol ou italiano tanto quanto para o alemão, o holandês ou o francês, só com espírito de comunidade e de fraternidade. Qualidades que o povo português tem de sobra, como as tempestades que nos assolam de vez em quando o comprovam. O português sabe ter amor nos olhos e nas mãos e dizer presente quando assim é necessário. Sabe arregaçar as mangas e encontrar soluções, porque estamos habituados do pouco fazer muito e em poucos dias temos linhas de produção de ventiladores e de máscaras e do que for necessário…
Talvez a Europa perceba que os Estados membros têm capacidade e saber para produzir o que quer que seja. Basta que o capitalismo deixe de ser tão feroz e deixe de procurar lucros desmedidos à custa de mão-de-obra barata. Talvez, depois disto, se consiga implementar o custo justo, terminar com uma globalização que engorda meia-dúzia e se aproveita dos restantes. Talvez seja a oportunidade para fomentar um mundo mais equilibrado e mais justo ou talvez o meu cinismo me diga que a janela foi aberta e que a Europa a preferiu fechar. A continuar assim, a ideia precursora de comunidade acabará por se extinguir e, no fim de contas, tudo ficará como agora, cada um por si!

Nina M.





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