Morte
e ressurreição
Considerem
isto “pro bono” ou nada…
Alguém
pode, por favor, avançar o calendário para 2021? Não, não quero envelhecer! Só
estou cansada que me morra gente e sei, tenho a profunda e dolorosa consciência
de que as mortes que serão mais difíceis de suportar ainda estão por chegar… E,
no entanto, estas já são suficientes…
Hoje
é dia Páscoa, dia de ressurreição e hoje para nós, mais uma vez, a ceifeira
bate à porta. Há umas mais dolorosas do que outras. Dita-o a proximidade e as
circunstâncias. O meu tio Fernando partiu. Sabíamo-lo doente oncológico, mas
num quadro aparentemente controlado. Irmão do meu pai, que morava também por
estas terras… O meu pai teve a habilidade de trazer consigo três irmãos para os
domínios de Ferreira, onde casaram e onde passaram o resto das suas vidas.
Sobra apenas o meu pai e é triste. São tios com quem convivia de perto, que via
amiúde e que acompanharam o meu crescimento. Sobeja a dor de quem não está
preparado para vê-lo partir. Parece irreal e ficará neste limbo imaginário, porque
não podemos consolidar a morte com as exéquias. O meu tio descerá à terra sem
que lhe possamos prestar uma última homenagem. Não foi o coronavírus que o
levou, mas os efeitos da covid 19 fazem-se sentir. Garanto-vos que não quererão
passar pelo mesmo, por isso, pelo amor de Deus, fiquem em casa, no seio da
vossa família mais restrita! Se não o fizerem, correrão o sério risco de não
poderem sequer chorar condignamente os vossos mortos!
Eu
não quero chorar mais. Afinal, é Páscoa. Haverá melhor dia para se morrer?!
Ainda hoje poderá estar no reino dos céus, o meu tio! Porém, só me cheira a
morte e nesta fé débil, só espero que quando chegar a minha vez que haja mesmo
alguma coisa no além, caso contrário, vou zangar-me tanto, mas tanto… Ou nem
por isso, porque o cérebro já não trabalhará e já não haverá essa capacidade.
Mas irei, não sei como, mas irei zangar-me à brava!...
Chamei
crónica a este pedaço e perdoai o amontoado de palavras, talvez sem grande
nexo, mas a necessidade imperiosa de o fazer é inexplicável! Talvez não seja
assim… Afinal, poderá haver uma explicação…
O
meu tio passava a vida a perguntar-me quando escrevia outro livro de crónicas.
Ele não tinha facebook. Não sabia que há crónicas de sobra para outro e lá lhe
respondia: “Não sei tio, um dia destes quem sabe!”. Tens de escrever. Dizia-me
ele. Sabes muito. Gosto de te ler…
Ó
meu Deus… Sabes muito!… Não sei nada, tio! Nada. Ou tão pouco…
Sabe
o que sei e quero guardar? O campeonato do minuto 92, que o vimos juntos, em
casa do meu pai. O tio e o meu pai já se davam por vencidos. Já achavam que o
Porto iria empatar em casa e entregar o campeonato aos vermelhos. Eu era a
única crédula… Até ao fim… Enquanto não estivéssemos a perder ainda era
possível o golo surgir! O Kelvin fez magia e milagre e até Jesus ajoelhou.
Saltamos efusivamente. Estava ganho, contra todas as expetativas. É esta a
imagem que quero guardar de si comigo. A imagem da felicidade pueril e leve.
Houve outros momentos depois desse, mas esse será o eleito. Espero que lhe
pareça bem e apesar de não poder assistir às exéquias, como pretenderia,
estaremos na despedida.
Descanse
em Paz.
Nina
M.
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