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domingo, 12 de abril de 2020

Crónica de Maus Costumes 177



Morte e ressurreição

Considerem isto “pro bono” ou nada…
Alguém pode, por favor, avançar o calendário para 2021? Não, não quero envelhecer! Só estou cansada que me morra gente e sei, tenho a profunda e dolorosa consciência de que as mortes que serão mais difíceis de suportar ainda estão por chegar… E, no entanto, estas já são suficientes… 
Hoje é dia Páscoa, dia de ressurreição e hoje para nós, mais uma vez, a ceifeira bate à porta. Há umas mais dolorosas do que outras. Dita-o a proximidade e as circunstâncias. O meu tio Fernando partiu. Sabíamo-lo doente oncológico, mas num quadro aparentemente controlado. Irmão do meu pai, que morava também por estas terras… O meu pai teve a habilidade de trazer consigo três irmãos para os domínios de Ferreira, onde casaram e onde passaram o resto das suas vidas. Sobra apenas o meu pai e é triste. São tios com quem convivia de perto, que via amiúde e que acompanharam o meu crescimento. Sobeja a dor de quem não está preparado para vê-lo partir. Parece irreal e ficará neste limbo imaginário, porque não podemos consolidar a morte com as exéquias. O meu tio descerá à terra sem que lhe possamos prestar uma última homenagem. Não foi o coronavírus que o levou, mas os efeitos da covid 19  fazem-se sentir. Garanto-vos que não quererão passar pelo mesmo, por isso, pelo amor de Deus, fiquem em casa, no seio da vossa família mais restrita! Se não o fizerem, correrão o sério risco de não poderem sequer chorar condignamente os vossos mortos!
Eu não quero chorar mais. Afinal, é Páscoa. Haverá melhor dia para se morrer?! Ainda hoje poderá estar no reino dos céus, o meu tio! Porém, só me cheira a morte e nesta fé débil, só espero que quando chegar a minha vez que haja mesmo alguma coisa no além, caso contrário, vou zangar-me tanto, mas tanto… Ou nem por isso, porque o cérebro já não trabalhará e já não haverá essa capacidade. Mas irei, não sei como, mas irei zangar-me à brava!...
Chamei crónica a este pedaço e perdoai o amontoado de palavras, talvez sem grande nexo, mas a necessidade imperiosa de o fazer é inexplicável! Talvez não seja assim… Afinal, poderá haver uma explicação…
O meu tio passava a vida a perguntar-me quando escrevia outro livro de crónicas. Ele não tinha facebook. Não sabia que há crónicas de sobra para outro e lá lhe respondia: “Não sei tio, um dia destes quem sabe!”. Tens de escrever. Dizia-me ele. Sabes muito. Gosto de te ler…
Ó meu Deus… Sabes muito!… Não sei nada, tio! Nada. Ou tão pouco…
Sabe o que sei e quero guardar? O campeonato do minuto 92, que o vimos juntos, em casa do meu pai. O tio e o meu pai já se davam por vencidos. Já achavam que o Porto iria empatar em casa e entregar o campeonato aos vermelhos. Eu era a única crédula… Até ao fim… Enquanto não estivéssemos a perder ainda era possível o golo surgir! O Kelvin fez magia e milagre e até Jesus ajoelhou. Saltamos efusivamente. Estava ganho, contra todas as expetativas. É esta a imagem que quero guardar de si comigo. A imagem da felicidade pueril e leve. Houve outros momentos depois desse, mas esse será o eleito. Espero que lhe pareça bem e apesar de não poder assistir às exéquias, como pretenderia, estaremos na despedida.
Descanse em Paz.
Nina M.







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