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sábado, 11 de abril de 2020

Crónica de Maus Costumes 176


A Páscoa já chegou e não parece

Já é Páscoa e não parece! Não há festividades nem família reunida, apenas o agregado familiar restrito, ou não deverá haver, porque ao que vamos assistindo por aí, nada me espantaria!
Com o regresso da Páscoa, chegará o regresso às aulas, de forma diferente, mas não deixa de ser um regresso. Tempo muito difícil para as escolas, que foram obrigadas a uma readaptação rápida e eficaz para terminar o período e colocar em marcha nova estratégia de atuação, com todos os constrangimentos inerentes e sobejamente conhecidos. Impor às crianças pequenas uma dinâmica de ensino à distância, que continuará (e bem) a ser dirigido pelas escolas (a telescola é um mero complemento), é um desafio enorme para pais, alunos e também professores.
Deixar claro que nenhuma tecnologia substituirá o contacto direto, independentemente, do ano de ensino. Ver a expressão feliz do aluno que conseguiu superar as dificuldades e alcançar um bom resultado, enquanto o professor lhe entrega o teste e tenta camuflar o sorriso, sem que o discente saiba que o professor já vibrou sozinho quando lhe corrigiu a prova, é o nosso prémio. Colocar-lhe a mão no ombro se o resultado não é o melhor e dizer ao aluno que ainda não foi desta, mas está perto e se continuar a trabalhar o seu esforço será recompensado, é reforço positivo. O aluno precisa de saber que acreditamos nele e no seu potencial. O nosso sucesso é o sucesso do aluno. Todo o professor quer que o seu discente aprenda. É por isto que luta diariamente e como em tudo na vida, algumas lutas são irremediavelmente perdidas, mas outras também são ganhas. São estas pequenas vitórias que nos alimentam a alma e que nos fazem desejar, apesar de muitas contrariedades, as salas de aula! Já escrevi uma crónica em que dizia que os professores são uns loucos e reitero! Só um lunático pode continuar a insistir dia após dia com quem não quer de facto aprender. Atenção! Não subvertam a mensagem. Não digo com quem tem dificuldade nas nossas matérias, mas com aqueles que revelam potencial e não querem decididamente aprender! São muitos, infelizmente. Normalmente, quando se cruzam connosco, anos mais tarde, também reconhecem que não pensaram bem, que deveriam ter feito de forma diferente… Sempre a maldita imaturidade que tantas vezes hipoteca futuros brilhantes, o que não significa que possam ser menos felizes! Resiliência é a palavra que melhor conhecemos e alguma generosidade também, porque muitas vezes, em nome do futuro, faz-se como o professor universitário de Miguel Torga, ainda Adolfo Rocha, na altura, em Coimbra: “Olhe, passa no exame, não pelo que sabe, mas pelo que pode vir a saber!” Assim seja.
Espero que por esta altura os pais já possam ter experimentado do próprio veneno, tal como a minha filha me diz repetidas vezes e percebam que o que sofrem com dois ou três, às vezes, apenas com um, é a vida diária de um professor, multiplicada por trinta, ao longo do dia… Certamente, teremos a nossa paciência treinada ao limite, mas como talvez agora possam compreender, é perfeitamente natural que em determinados momentos ela possa escassear…
Cumpre-nos a tarefa de regressarmos e de instituirmos alguma normalidade na vida dos alunos. Se aos pais lhes causarem admiração as inúmeras tarefas que vão ser pedidas aos filhos, entre videoconferências (para os mais velhos) e trabalho autónomo, semanalmente, lembrem-se que nem os professores nem os alunos estão de férias, o que significa que aos docentes é exigida a preparação de atividades em conformidade com a carga letiva da disciplina, umas vezes em trabalho autónomo dos alunos e outras vezes em atividades síncronas com o professor, através dos variados canais de comunicação à nossa disposição. Assim sendo, para que serve a telescola? Na minha opinião, para pouco. Salvaguarda legalmente a posição do Governo, que não pode deixar qualquer aluno excluído. A educação é um direito de toda a criança. No entanto, se os restantes meses ficassem a cargo da pressuposta telescola estaria tudo muito mal! Exemplo prático: os alunos têm a carga letiva semanal de quatro ou cinco blocos de cinquenta minutos de Português ou de Matemática. Na telescola passarão a ter dois blocos de trinta minutos por semana. A partir disto retirem a vossas ilações. Nem poderia ser de outra forma! Somos nós que sabemos o que foi dado e o que falta dar, somos nós que conhecemos o rosto de cada aluno e também a suas manias, compete-nos, obviamente, dar continuidade ao nosso trabalho. É o nosso dever!
Esclarecida esta questão, cumpre-me dizer, porém, que apesar do estado de emergência não vale tudo e tanto condeno o colega que julga que pode não trabalhar tão ativamente quanto o que num excesso de voluntarismo e comiseração contrai empréstimos, se assim for necessário, para a compra de um PC topo de gama e mesa de digitalização e multiplica o seu horário laboral. Todos nós fazemos horas excedentárias. Quem é professor sabe disso, mas haja bom senso! Os professores usam os seus meios privados para trabalhar com os alunos. Nas empresas, esses meios são fornecidos aos seus funcionários. Não passa pela cabeça de nenhum de nós deixar de o fazer. Sempre o fizemos e continuaremos a fazer (ainda que às vezes apeteça, pela falta de respeito para com a classe), no entanto, não se ponham numa competição absurda por quem faz menos ou quem faz mais e, sobretudo, num comportamento feio de fiscalização de colegas. As administrações sabem e vão fazê-lo. Aliás, tal como foi pedido pelo Ministério que se fizesse a monitorização, porém, não confiar nos parceiros de trabalho não me parece muito louvável. A haver razões para isso, nada como uma conversa com quem não corresponde e as coisas resolvem-se, à boa maneira de gente adulta. Esta reflexão prende-se com o fel que se destila nas redes sociais, a propósito de certos desabafos, dividindo-se imediatamente o reino docente nos proscritos párias ou nos bons samaritanos, quase jesuítas imbuídos de espírito de missão.
Irra! No meio disto será difícil haver alguma ponderação e bom senso, ficando-nos pelo meio-termo?!
Haja serenidade, saúde e lembrem-se de que há mais vida para além da escola! Para miúdos e graúdos.
Nina M.




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