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sábado, 15 de fevereiro de 2020

Crónicas de Maus Costumes 168


Às amizades delicadas, suaves e verdadeiras

            Deparei-me, há tempos, com uma crónica de Miguel Esteves Cardoso dedicada aos pouco confessionáveis “odiozinhos de estimação”. Odiozinhos secretos porque, na verdade, não temos nada contra a pessoa em questão, que nunca nos fez qualquer mal e que até pode ser bom ser humano e, portanto, a nossa falta de empatia é apenas irracional. Dizia ele que também não era grave, contando com o discernimento que cada um deve ter para saber ocupar o seu lugar. Saber que o facto de não simpatizar com A, B ou C, não confere o direito à maledicência ou outros comportamentos menos dignos, passíveis de prejudicar terceiros, só porque não se simpatiza com alguém.
            Parei a pensar nas minhas alergias epidérmicas. Não lhes chamo de ódio pelo simples facto de não odiar ninguém, verdadeiramente. Lembro-me de sentir sanha contra a Lurdes Rodrigues, relativamente à sua postura enquanto Ministra da Educação, na altura. Foi a grande responsável pela campanha maquiavélica e difamatória de uma classe que tem, naturalmente, erros que lhe podem ser apontados, mas muitas virtudes também. Um atentado contra aquela que deveria ser a classe profissional mais respeitada em qualquer parte e que ainda hoje é tantas vezes aviltada em praça pública. Não tenho ódios. Posso honestamente, com o que há de mais verdadeiro, afirmá-lo, mas tenho algumas alergias. Julgo que todos nós as temos, porque somos humanos e não gostamos de todas as pessoas da mesma forma. Uma questão de feitios e de personalidades. Tento sempre, de qualquer forma, ser correta. Não prejudicar nem me meter deliberadamente no que não me diz respeito. Há uma fronteira estabelecida pelo outro ser que faço questão de respeitar muito seriamente e evito, conscientemente, comentários intrusivos. A privacidade e a intimidade de cada um é, para mim, inviolável. Com ou sem alergia. Ainda que possam não o saber fazer comigo. A isto chama-se caráter. Tal como não entendo que as pessoas possam deixar interferir questões pessoais nas questões laborais. O bom profissionalismo e o seu reconhecimento devem estar sempre associados. Não pode haver de todo prejuízo ou dano apenas porque não se gosta de alguém, se a pessoa for competente, deverá, certamente, ser reconhecida pelo seu bom trabalho. Julgo haver alguma incapacidade, no mercado laboral, para saber lidar com algumas destas questões e lamento que assim seja…
 Estas reflexões surgiram no seguimento de uma conversa boa, suave, delicada e sempre respeitadora do espaço de cada um, como deve ser, com alguém de quem muito gosto, uma das minhas manas de coração, de quem gosto genuinamente de cuidar! Imediatamente me lembro mais das amizades delicadas e leves como as gotas de orvalho frescas e claras que nos limpam o rosto sem que nos apercebamos. São tão delicadas e preciosas que nos cuidam sem que o saibamos. Sem que o peçamos, apenas porque há a gentileza no coração que permitiu a ligação afetiva. O reconhecimento de que o outro merece a nossa estima por ser quem é. Não que seja alguém infalível. Não há ninguém que o seja, mas talvez a constatação de que se trata de um ser humano que se esforça por ser íntegro seja suficiente. Felizmente, também há amizades assim no seio do trabalho. Sinto-as e sei tê-las sem que seja preciso afirmá-lo. No entanto, hoje, senti vontade de expressar um agradecimento aos que sabem que eu sei quem são e que, certamente, em algum momento, já foram as minhas gotas de orvalho cristalinas, tão dignas, tão preciosas e tão generosas que, com os seus gestos discretos e até secretos me cuidam.
Saibam que em mim terão um coração aberto para vos acolher e mimar. Sempre que de mim precisarem.
Sentido obrigada.
Nina M.

 






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