Às amizades delicadas, suaves e verdadeiras
Deparei-me, há tempos, com uma
crónica de Miguel Esteves Cardoso dedicada aos pouco confessionáveis “odiozinhos
de estimação”. Odiozinhos secretos porque, na verdade, não temos nada contra a
pessoa em questão, que nunca nos fez qualquer mal e que até pode ser bom ser
humano e, portanto, a nossa falta de empatia é apenas irracional. Dizia ele que
também não era grave, contando com o discernimento que cada um deve ter para
saber ocupar o seu lugar. Saber que o facto de não simpatizar com A, B ou C,
não confere o direito à maledicência ou outros comportamentos menos dignos,
passíveis de prejudicar terceiros, só porque não se simpatiza com alguém.
Parei a pensar nas minhas alergias
epidérmicas. Não lhes chamo de ódio pelo simples facto de não odiar ninguém,
verdadeiramente. Lembro-me de sentir sanha contra a Lurdes Rodrigues,
relativamente à sua postura enquanto Ministra da Educação, na altura. Foi a
grande responsável pela campanha maquiavélica e difamatória de uma classe que
tem, naturalmente, erros que lhe podem ser apontados, mas muitas virtudes
também. Um atentado contra aquela que deveria ser a classe profissional mais
respeitada em qualquer parte e que ainda hoje é tantas vezes aviltada em praça
pública. Não tenho ódios. Posso honestamente, com o que há de mais verdadeiro,
afirmá-lo, mas tenho algumas alergias. Julgo que todos nós as temos, porque
somos humanos e não gostamos de todas as pessoas da mesma forma. Uma questão de
feitios e de personalidades. Tento sempre, de qualquer forma, ser correta. Não
prejudicar nem me meter deliberadamente no que não me diz respeito. Há uma
fronteira estabelecida pelo outro ser que faço questão de respeitar muito
seriamente e evito, conscientemente, comentários intrusivos. A privacidade e a
intimidade de cada um é, para mim, inviolável. Com ou sem alergia. Ainda que
possam não o saber fazer comigo. A isto chama-se caráter. Tal como não entendo
que as pessoas possam deixar interferir questões pessoais nas questões
laborais. O bom profissionalismo e o seu reconhecimento devem estar sempre
associados. Não pode haver de todo prejuízo ou dano apenas porque não se gosta
de alguém, se a pessoa for competente, deverá, certamente, ser reconhecida pelo
seu bom trabalho. Julgo haver alguma incapacidade, no mercado laboral, para
saber lidar com algumas destas questões e lamento que assim seja…
Estas reflexões surgiram no seguimento de uma
conversa boa, suave, delicada e sempre respeitadora do espaço de cada um, como
deve ser, com alguém de quem muito gosto, uma das minhas manas de coração, de
quem gosto genuinamente de cuidar! Imediatamente me lembro mais das amizades
delicadas e leves como as gotas de orvalho frescas e claras que nos limpam o
rosto sem que nos apercebamos. São tão delicadas e preciosas que nos cuidam sem
que o saibamos. Sem que o peçamos, apenas porque há a gentileza no coração que
permitiu a ligação afetiva. O reconhecimento de que o outro merece a nossa
estima por ser quem é. Não que seja alguém infalível. Não há ninguém que o
seja, mas talvez a constatação de que se trata de um ser humano que se esforça
por ser íntegro seja suficiente. Felizmente, também há amizades assim no seio
do trabalho. Sinto-as e sei tê-las sem que seja preciso afirmá-lo. No entanto,
hoje, senti vontade de expressar um agradecimento aos que sabem que eu sei quem
são e que, certamente, em algum momento, já foram as minhas gotas de orvalho cristalinas,
tão dignas, tão preciosas e tão generosas que, com os seus gestos discretos e até
secretos me cuidam.
Saibam que em mim terão
um coração aberto para vos acolher e mimar. Sempre que de mim precisarem.
Sentido obrigada.
Nina M.
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