Ainda o Marega…
O
caso Marega fez a semana e a propósito do assunto li e ouvi muita parvoíce. Já
agora vale a pena ouvir a rubrica “Extremamente desagradável”, de Joana
Marques, na Renascença e rebolar a rir. O humor também serve para isto, para
colocar o dedo na ferida e, com graça, alertar para assuntos sérios.
O
tema Marega deveria suscitar uma reflexão bem mais profunda do que o saber se
foi racismo ou não. Vale a pena questionar sobre o caminho que se trilha no futebol
português. Em primeiro lugar, devo esclarecer que a produção de urros guturais,
na tentativa de imitar símios, talvez fazendo acompanhar os guinchos com murros
no peito e dirigidos a um atleta de cor negra, reveste-se de um insulto de
cariz racista. O propósito poderia ser ligeiramente diferente. Talvez a
pretensão dos adeptos vitorianos fosse a de perturbar, a de achincalhar o
jogador que já tinha passado por aquela casa. Facto que deveria ser ainda mais
estranho. À partida, se um ex-jogador volta à sua antiga casa, deveria ser
aplaudido. O certo é que o jogador foi insultado não pelas suas características
futebolistas (e ele até dá aso a que tal pudesse acontecer), mas foi insultado
pela sua cor e isto não tem outro nome a não ser racismo, sendo essa ou não a
intenção. Contra factos não há argumentos.
O
problema é que Marega tomou uma atitude inesperada: revoltou-se contra o que é
suposto ser aceitável no futebol e virou costas à partida, prejudicando
inclusivamente a sua própria equipa para defender a sua condição de ser humano.
Se houvesse mais Maregas no futebol, talvez houvesse mais respeito por parte
dos adeptos, dos dirigentes e da própria classe política. Há gente que vai ao
estádio para destilar veneno e todas as suas frustrações contra os jogadores da
equipa adversária e até da sua, contra os treinadores e árbitros! Ora, talvez
esteja na hora de lembrar que no futebol, tal como na vida em sociedade, nem
tudo é permitido, ainda que às vezes pareça que sim…
Nesse
sentido, o comportamento dos adeptos vitorianos foi repugnante. No entanto,
este não é só um problema dos adeptos deste clube. Acontece com frequência em
todos os estádios, porém, não houve até ao momento alguém com a coragem do
Marega e as gentes da bola foram compactuando com comportamentos inaceitáveis.
Deixem lembrar-lhes que a própria polícia recebe ordens para não atuar e
permanecerem serenos perante episódios destes. Conduzem os adeptos da equipa visitante
até ao estádio e sim, nesta cidade, é frequente receberem os adversários com calhoada
que chove sem se perceber bem como das janelas dos prédios. É o pior estádio da
zona Norte que a polícia tem de fazer. A localização do recinto de jogo na cidade
não ajuda, mas o comportamento dos vimaranenses é condenável. Desta forma,
durante os 90 minutos da partida, parece que qualquer cidadão deixa de estar
submetido à lei e pode fazer e dizer o que lhe apetecer, que nada de mal lhe
acontecerá, porque, afinal, é apenas futebol e desestabilização do adversário!
Aos
que defendem que o Marega deveria ter suportado todos os insultos estoicamente
porque é bem pago para isso, pergunto qual será o valor da dignidade humana?! Quem
aufere um salário acima da média é obrigado a aceitar ser enxovalhado em praça
pública? Quando é que as pessoas aprendem a respeitar a dignidade do outro?
Isso significa não usar de violência verbal nem física gratuitamente!
O
problema no futebol e na sociedade é mais fundo. Não é apenas a questão do
racismo, mas a incapacidade de respeitar e de não violar a dignidade alheia! Se
um adepto pode demonstrar desagrado? Com certeza. De forma polida e educada.
Não precisa de insultar a mãe do senhor árbitro para mostrar o seu desagrado.
Todos nós gostamos de ser tratados com respeito no nosso ambiente laboral, sem
ofensas nem insultos. Pois bem, basta tratarmos os outros da mesma forma e ter
a consciência de que o facto de não gostar de alguém não nos dá o direito de
insultar.
Este
tipo de comportamento tem que começar a ser severamente punido,
independentemente das cores das camisolas que os atletas envergam. Usar o
argumento de que Marega provocou ao festejar o golo virado para o adversário, é
tão estúpido quanto dizer que a mulher que enverga uma minissaia ou sai sozinha
pede para ser violada! Tenham juízo! Respondeu com um belo golo e essa foi a
melhor provocação que poderia ter feito, até porque é para isso que lhe pagam!
Para defender a camisola que de momento veste!
Aos
que comparam a situação de Marega a situações graves, mas diferentes e que nada
têm a ver com o caso, convém não misturar tudo… Se houve omissão anteriormente
é bom que se comece a atuar a partir de agora, com discernimento e
imparcialidade. Desta forma, aos que vieram a terreiro atacar Marega,
relativizando a situação, lembrando o cântico absolutamente infeliz de uma das
claques portistas, relativamente à queda do avião do chapecoense em que diziam
“que pena não ser do benfica”, lembro que o Futebol Clube do Porto demarcou-se
e condenou o cântico e a claque deixou de o entoar. Lembro a essa gente que não
tem qualquer superioridade moral, uma vez que o seu grupo de sócios organizados
entoaram alto e bom som, para quem quis ouvir o seguinte: “O Marco ficou e o
Marco ficou quase sem cabeça, quase sem cabeça”, durante o encontro entre um
Sporting – Benfica, numa clara alusão à morte do italiano Marco Ficini, junto
ao estádio da Luz. Numa final da taça de Portugal entre as duas equipas, o
cântico do very-light voltou a sair da boca dos adeptos benfiquistas, com a gravidade
de em nenhuma circunstância se ter ouvido qualquer palavra de condenação por parte
dos dirigentes benfiquistas. Quem tem telhados de vidro, vale mais estar caladinho,
sob pena de ser acusado de hipocrisia…
Esta
violência deve ser combatida e gente que não sabe estar deve ser proibida de assistir
a jogos de futebol. É o que acontece nos países civilizados há muito! As claques
organizadas e adeptos devem começar a ser obrigados a ter um comportamento exemplar,
independentemente da camisola que vistam. Faça-se cumprir a lei num país de brandos
costumes e de gente mansa que tudo aceita sem espernear!
Por
fim, dizer que há racistas em Portugal e no futebol também, mas acrescentar ainda
que não é esse o maior mal, mas antes a violência gratuita e o sentimento de impunidade
criado pela falta de uma atuação imediata e enérgica!
Já agora,
o caso Marega não é mais grave do que o dos professores, médicos e polícias agredidos
e ofendidos na sua dignidade. O que lhes falta é a espinha dorsal do jogador, pois
a cada falta de respeito imputada, deveriam despir a farda e virar a costas… O problema
é que o Marega obteve a solidariedade dos políticos. O aproveitamento político está
sempre à espreita! Os outros, quando muito, ser-lhes-ia movido um processo disciplinar…
Afinal, são pagos para aguentar tudo estoicamente!
Nina M.
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