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sábado, 22 de fevereiro de 2020

Crónica de Maus Costumes 169


Ainda o Marega…

O caso Marega fez a semana e a propósito do assunto li e ouvi muita parvoíce. Já agora vale a pena ouvir a rubrica “Extremamente desagradável”, de Joana Marques, na Renascença e rebolar a rir. O humor também serve para isto, para colocar o dedo na ferida e, com graça, alertar para assuntos sérios.
O tema Marega deveria suscitar uma reflexão bem mais profunda do que o saber se foi racismo ou não. Vale a pena questionar sobre o caminho que se trilha no futebol português. Em primeiro lugar, devo esclarecer que a produção de urros guturais, na tentativa de imitar símios, talvez fazendo acompanhar os guinchos com murros no peito e dirigidos a um atleta de cor negra, reveste-se de um insulto de cariz racista. O propósito poderia ser ligeiramente diferente. Talvez a pretensão dos adeptos vitorianos fosse a de perturbar, a de achincalhar o jogador que já tinha passado por aquela casa. Facto que deveria ser ainda mais estranho. À partida, se um ex-jogador volta à sua antiga casa, deveria ser aplaudido. O certo é que o jogador foi insultado não pelas suas características futebolistas (e ele até dá aso a que tal pudesse acontecer), mas foi insultado pela sua cor e isto não tem outro nome a não ser racismo, sendo essa ou não a intenção. Contra factos não há argumentos. 
O problema é que Marega tomou uma atitude inesperada: revoltou-se contra o que é suposto ser aceitável no futebol e virou costas à partida, prejudicando inclusivamente a sua própria equipa para defender a sua condição de ser humano. Se houvesse mais Maregas no futebol, talvez houvesse mais respeito por parte dos adeptos, dos dirigentes e da própria classe política. Há gente que vai ao estádio para destilar veneno e todas as suas frustrações contra os jogadores da equipa adversária e até da sua, contra os treinadores e árbitros! Ora, talvez esteja na hora de lembrar que no futebol, tal como na vida em sociedade, nem tudo é permitido, ainda que às vezes pareça que sim…
Nesse sentido, o comportamento dos adeptos vitorianos foi repugnante. No entanto, este não é só um problema dos adeptos deste clube. Acontece com frequência em todos os estádios, porém, não houve até ao momento alguém com a coragem do Marega e as gentes da bola foram compactuando com comportamentos inaceitáveis. Deixem lembrar-lhes que a própria polícia recebe ordens para não atuar e permanecerem serenos perante episódios destes. Conduzem os adeptos da equipa visitante até ao estádio e sim, nesta cidade, é frequente receberem os adversários com calhoada que chove sem se perceber bem como das janelas dos prédios. É o pior estádio da zona Norte que a polícia tem de fazer. A localização do recinto de jogo na cidade não ajuda, mas o comportamento dos vimaranenses é condenável. Desta forma, durante os 90 minutos da partida, parece que qualquer cidadão deixa de estar submetido à lei e pode fazer e dizer o que lhe apetecer, que nada de mal lhe acontecerá, porque, afinal, é apenas futebol e desestabilização do adversário!
Aos que defendem que o Marega deveria ter suportado todos os insultos estoicamente porque é bem pago para isso, pergunto qual será o valor da dignidade humana?! Quem aufere um salário acima da média é obrigado a aceitar ser enxovalhado em praça pública? Quando é que as pessoas aprendem a respeitar a dignidade do outro? Isso significa não usar de violência verbal nem física gratuitamente!
O problema no futebol e na sociedade é mais fundo. Não é apenas a questão do racismo, mas a incapacidade de respeitar e de não violar a dignidade alheia! Se um adepto pode demonstrar desagrado? Com certeza. De forma polida e educada. Não precisa de insultar a mãe do senhor árbitro para mostrar o seu desagrado. Todos nós gostamos de ser tratados com respeito no nosso ambiente laboral, sem ofensas nem insultos. Pois bem, basta tratarmos os outros da mesma forma e ter a consciência de que o facto de não gostar de alguém não nos dá o direito de insultar.
Este tipo de comportamento tem que começar a ser severamente punido, independentemente das cores das camisolas que os atletas envergam. Usar o argumento de que Marega provocou ao festejar o golo virado para o adversário, é tão estúpido quanto dizer que a mulher que enverga uma minissaia ou sai sozinha pede para ser violada! Tenham juízo! Respondeu com um belo golo e essa foi a melhor provocação que poderia ter feito, até porque é para isso que lhe pagam! Para defender a camisola que de momento veste!
Aos que comparam a situação de Marega a situações graves, mas diferentes e que nada têm a ver com o caso, convém não misturar tudo… Se houve omissão anteriormente é bom que se comece a atuar a partir de agora, com discernimento e imparcialidade. Desta forma, aos que vieram a terreiro atacar Marega, relativizando a situação, lembrando o cântico absolutamente infeliz de uma das claques portistas, relativamente à queda do avião do chapecoense em que diziam “que pena não ser do benfica”, lembro que o Futebol Clube do Porto demarcou-se e condenou o cântico e a claque deixou de o entoar. Lembro a essa gente que não tem qualquer superioridade moral, uma vez que o seu grupo de sócios organizados entoaram alto e bom som, para quem quis ouvir o seguinte: “O Marco ficou e o Marco ficou quase sem cabeça, quase sem cabeça”, durante o encontro entre um Sporting – Benfica, numa clara alusão à morte do italiano Marco Ficini, junto ao estádio da Luz. Numa final da taça de Portugal entre as duas equipas, o cântico do very-light voltou a sair da boca dos adeptos benfiquistas, com a gravidade de em nenhuma circunstância se ter ouvido qualquer palavra de condenação por parte dos dirigentes benfiquistas. Quem tem telhados de vidro, vale mais estar caladinho, sob pena de ser acusado de hipocrisia…
Esta violência deve ser combatida e gente que não sabe estar deve ser proibida de assistir a jogos de futebol. É o que acontece nos países civilizados há muito! As claques organizadas e adeptos devem começar a ser obrigados a ter um comportamento exemplar, independentemente da camisola que vistam. Faça-se cumprir a lei num país de brandos costumes e de gente mansa que tudo aceita sem espernear!
Por fim, dizer que há racistas em Portugal e no futebol também, mas acrescentar ainda que não é esse o maior mal, mas antes a violência gratuita e o sentimento de impunidade criado pela falta de uma atuação imediata e enérgica!
Já agora, o caso Marega não é mais grave do que o dos professores, médicos e polícias agredidos e ofendidos na sua dignidade. O que lhes falta é a espinha dorsal do jogador, pois a cada falta de respeito imputada, deveriam despir a farda e virar a costas… O problema é que o Marega obteve a solidariedade dos políticos. O aproveitamento político está sempre à espreita! Os outros, quando muito, ser-lhes-ia movido um processo disciplinar… Afinal, são pagos para aguentar tudo estoicamente!

Nina M.








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