O direito à melancolia
Não
sei exatamente como a sociedade chegou aqui. Tudo é líquido, rápido, perfeito, leve
e alegre. Não há tempo nem paciência para a construção lenta e sólida, a
imperfeição e o peso da existência. Não há mais tempo para a palavra, cada vez
menos valorizada e até há quem julgue que uma imagem vale mais do que mil
palavras.
Quem
pensou assim criou o Instagram, onde se vê muito, mas onde normalmente se
verbaliza tão pouco. Não é pois de espantar que seja a rede social predileta da
gente nova, dos que já nasceram sem tempo a perder. Dos que não sabem o que
significa matar o tempo. É o tempo da imagem e do imediato, mas a imagem para
atrair deve ser bela e agradável, sugerindo a perfeição. Só isso é partilhável.
Consigo compreender se o objetivo for a preservação da intimidade do ser. No
entanto, parece-me haver a política do descartável. Tudo o que incomoda e não é
partilhável nas redes sociais deve ser banido, o que cria uma falsa ilusão de
vidas alheias perfeitas e alegres, conduzindo a comparações desnecessárias e
geradoras de pequenas invejas infelizes.
Invejamos
as viagens, as alegrias alheias e os amores perfeitos da Internet e ao fazê-lo,
impossibilitamos o direito ao fracasso, esquecendo que nenhum ser humano se
constrói apenas com sucessos. Talvez seja mais a soma dos seus malogros do que
outra coisa qualquer… De modo que chegamos a um estádio em que exigimos a
perfeição na nossa vida, não deixando margem para o erro, porque todos os que
nos rodeiam na feira das vaidades nos esfregam a sua magistralidade. Não
admira, portanto, que a melancolia não fique bem na fotografia e toda a gente possui
o receituário perfeito para os tristes: “não penses mais nisso, não te isoles,
devias sair mais, devia conhecer novas pessoas, faz uma viagem…”
Tudo
placebos que significam apenas a mesma coisa: alheia-te de ti. É verdade que
essa estratégia permite ganhar algum oxigénio, mas a alegria ou vem de dentro,
apesar da tristeza, ou de nada servirá, porque tarde ou cedo o ser se
encontrará consigo e não sobejará nada para além da dor. O ser humano tem
direito à tristeza e precisa tanto dela quanto da alegria. Não confundamos com
estados depressivos, o que configura um estado patológico. No entanto, há
situações da vida que nos deixam angustiados e é bom viver essas emoções,
identificá-las e saber a sua origem. Só assim nos conhecemos e as poderemos
mitigar. Todas as opções que nos roubem de nós apenas adiam o problema que terá
de ser olhado de frente.
A
alegria não implica ausência de melancolia, implica saber o que a motiva e como
com ela lidar. Não existem pessoas completamente alegres nem completamente
melancólicas, por isso, deixemos que a tristeza de fim de tarde que às vezes
possa surgir nos tome em seus braços e nos embale. Reclamemos o direito à
melancolia e rejeitemos a alegria oca e impura que nos faz sentir
descontextualizados. A alegria é boa quando vem de dentro e surge a momentos,
nem sempre nem nunca.
Aprendamos
a respeitar o nosso ritmo e vivamos melhor.
Nina
M.
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