À Sara…
Hoje, não seria capaz de escrever sobre outro
assunto e, no entanto, também não me apetece falar sobre o que falarei…
Já publiquei
alguns textos sobre a morte. É um tema tabu na sociedade ocidental, que
valoriza cada vez mais a juventude e o bem-estar em detrimento da decrepitude
que a velhice comporta. Todos gostam de parecer mais novos do que o que são, à
exceção dos adolescentes que têm sempre pressa de chegar aos dezoito anos.
Quanta ingenuidade! Não sabem ainda que num piscar de olhos se passam vinte
anos e que quando derem por si são adultos cheios de responsabilidades… Assim,
pintamos cabelos, temos cuidados estéticos e físicos na vã esperança de iludir
a inexorável morte, sempre a sorrir ao virar da esquina.
Porém, a
verdade é que a morte é necessária para conferir sentido à vida. Se
estivéssemos certos da juventude e da vida eterna, haveria sempre tempo e
sempre desculpa para adiar o inadiável. Em vez de procurar o sentido da vida
hoje, poder-se-ia fazê-lo amanhã ou depois. Afinal, haveria sempre tempo… A
incapacidade de se prever a hora da despedida e a consciência de se ser finito
faz com que apreciemos viver, com que atribuamos significados às vivências que
nos são ofertadas.
A Sara, a jovem aluna de dezassete anos, não teve
tempo para aprender isto, porque nessa idade, tal como deve ser, somos todos
imortais. Só existe espaço para o projeto que queremos realizar. Ninguém pensa
na sua interrupção precoce. E por mais voltas que dê não encontro qualquer
sentido para uma ceifa tão prematura. Nem justiça. Como se roubou a
possibilidade de a Sara descobrir o sentido da sua vida? Desconfio que ninguém
o pode saber em tenra idade. Desconfio que muitos nem sequer pensam em tal
tema! Quem está cheio de vida pensa pouco na morte. E Se a pensa, imagina-a ao
longe, num tempo que nunca chegará. Pelo menos não antes das grandes
realizações… Depois, tragédias destas abatem-se sobre a nossa humanidade e
esbofeteiam-nos até nos acordar. Lembra-nos que o tempo, por vezes, é curto e
torna-nos difícil encontrar um propósito, um sentido na missão de viver.
Faz-nos levantar inúmeras questões e mesmo os mais crentes se interrogam sobre
a necessidade de um Deus não interventivo. Se interviesse seria um justiceiro e
não Deus, alegarão alguns. Outros julgarão que assim é um Deus indiferente, uma
espécie de Deus menor, quase cínico, que se limita a observar a pequenez da
condição humana. É difícil extrair qualquer sentido. É, todavia, possível
aprender a lição de que o tempo para fazer o que se deseja é mesmo hoje e
agora. Logicamente, sem entrar no relativismo ou na permissividade onde tudo é
válido, mas é um convite sério ao “carpe diem” onde caibam todos os sonhos do
mundo, porque sonhar é uma forma de viver. Gostaria que fosse possível aos
familiares e amigos da Sara encontrarem um propósito na sua perda, mas não sei
se é exequível fazê-lo sobre o terrível buraco que se abre no peito. Em muitos,
o tempo cicatrizará a ferida. Apesar da marca, a reconstrução é viável e
desejável. Em relação aos pais… Contrariando o meu otimismo habitual,
adivinho-lhes a aprendizagem de ter de viver com a dor. Dia após dia. Não
desaparecerá. Haverá dias em que será insuportável. Uma desumanidade ter que
sobreviver à tragédia. Que possam encontrar o conforto possível em quem já
passou e passa pelo mesmo. Que o foco seja os que restam e que não suprimem a
ausência de quem partiu, mas que permitem continuar a construir sentidos… Que o
silêncio precioso os cerque, porque quaisquer palavras serão vazias e inócuas.
Que consigam superar a revolta e apaziguar a angústia que virá.
Chovia copiosamente, Sara. Eram lágrimas
inconsoláveis caídas do céu. O pranto pela tua vida incompleta que se perdeu.
Onde quer que estejas, sob a nova forma que terás adquirido (deixa-nos
acreditar nisso) que estejas bem e que consigas apaziguar os corações que mais sofrem
com a tua ausência.
Descansa em paz.
Nina M.
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