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sábado, 1 de fevereiro de 2020

Crónica de Maus Costumes 166


À Sara…

                Hoje, não seria capaz de escrever sobre outro assunto e, no entanto, também não me apetece falar sobre o que falarei…
                Já publiquei alguns textos sobre a morte. É um tema tabu na sociedade ocidental, que valoriza cada vez mais a juventude e o bem-estar em detrimento da decrepitude que a velhice comporta. Todos gostam de parecer mais novos do que o que são, à exceção dos adolescentes que têm sempre pressa de chegar aos dezoito anos. Quanta ingenuidade! Não sabem ainda que num piscar de olhos se passam vinte anos e que quando derem por si são adultos cheios de responsabilidades… Assim, pintamos cabelos, temos cuidados estéticos e físicos na vã esperança de iludir a inexorável morte, sempre a sorrir ao virar da esquina.
 Porém, a verdade é que a morte é necessária para conferir sentido à vida. Se estivéssemos certos da juventude e da vida eterna, haveria sempre tempo e sempre desculpa para adiar o inadiável. Em vez de procurar o sentido da vida hoje, poder-se-ia fazê-lo amanhã ou depois. Afinal, haveria sempre tempo… A incapacidade de se prever a hora da despedida e a consciência de se ser finito faz com que apreciemos viver, com que atribuamos significados às vivências que nos são ofertadas.
A Sara, a jovem aluna de dezassete anos, não teve tempo para aprender isto, porque nessa idade, tal como deve ser, somos todos imortais. Só existe espaço para o projeto que queremos realizar. Ninguém pensa na sua interrupção precoce. E por mais voltas que dê não encontro qualquer sentido para uma ceifa tão prematura. Nem justiça. Como se roubou a possibilidade de a Sara descobrir o sentido da sua vida? Desconfio que ninguém o pode saber em tenra idade. Desconfio que muitos nem sequer pensam em tal tema! Quem está cheio de vida pensa pouco na morte. E Se a pensa, imagina-a ao longe, num tempo que nunca chegará. Pelo menos não antes das grandes realizações… Depois, tragédias destas abatem-se sobre a nossa humanidade e esbofeteiam-nos até nos acordar. Lembra-nos que o tempo, por vezes, é curto e torna-nos difícil encontrar um propósito, um sentido na missão de viver. Faz-nos levantar inúmeras questões e mesmo os mais crentes se interrogam sobre a necessidade de um Deus não interventivo. Se interviesse seria um justiceiro e não Deus, alegarão alguns. Outros julgarão que assim é um Deus indiferente, uma espécie de Deus menor, quase cínico, que se limita a observar a pequenez da condição humana. É difícil extrair qualquer sentido. É, todavia, possível aprender a lição de que o tempo para fazer o que se deseja é mesmo hoje e agora. Logicamente, sem entrar no relativismo ou na permissividade onde tudo é válido, mas é um convite sério ao “carpe diem” onde caibam todos os sonhos do mundo, porque sonhar é uma forma de viver. Gostaria que fosse possível aos familiares e amigos da Sara encontrarem um propósito na sua perda, mas não sei se é exequível fazê-lo sobre o terrível buraco que se abre no peito. Em muitos, o tempo cicatrizará a ferida. Apesar da marca, a reconstrução é viável e desejável. Em relação aos pais… Contrariando o meu otimismo habitual, adivinho-lhes a aprendizagem de ter de viver com a dor. Dia após dia. Não desaparecerá. Haverá dias em que será insuportável. Uma desumanidade ter que sobreviver à tragédia. Que possam encontrar o conforto possível em quem já passou e passa pelo mesmo. Que o foco seja os que restam e que não suprimem a ausência de quem partiu, mas que permitem continuar a construir sentidos… Que o silêncio precioso os cerque, porque quaisquer palavras serão vazias e inócuas. Que consigam superar a revolta e apaziguar a angústia que virá.
Chovia copiosamente, Sara. Eram lágrimas inconsoláveis caídas do céu. O pranto pela tua vida incompleta que se perdeu. Onde quer que estejas, sob a nova forma que terás adquirido (deixa-nos acreditar nisso) que estejas bem e que consigas apaziguar os corações que mais sofrem com a tua ausência.
Descansa em paz.

Nina M.


               



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