Fernando Gomes e os meus amigos
Quero começar
esta crónica semanal manifestando o meu desejo de sinceras melhoras ao
ex-jogador do meu FCP, Fernando Gomes, o nosso “bi-bota”, como é conhecido.
Para os mais distraídos, Fernando Gomes ganhou, por duas vezes (em 83 e em 85) a
“Bota de Ouro”, troféu atribuído ao
melhor marcador da Europa, pela UEFA. Considero que este país nunca lhe reconheceu
o devido valor. Talvez acontecesse se a camisola fosse de outra cor…
Felizmente, ele vestiu de azul e branco a maior parte da sua carreira
desportiva!
O Gomes está doente. Foi-lhe diagnosticado um tumor
no pâncreas. Desejo vivamente que consiga debelar a maldita enfermidade. Quero
agradecer-lhe por tudo quanto deu ao meu FCP e confidenciar-lhe o seguinte:
nunca fui de ídolos. Não tive paixonetas de adolescência por atores, cantores,
jogadores, o que quer que fosse… Ainda hoje sou assim. Gosto muito de um poeta
em especial e de algumas personalidades das mais diversas áreas, isto é, gosto
muito do trabalho deles e não deles concretamente, porque na verdade não os
conheço. Assim, admiro-os pelo que fizeram ou conseguem fazer, mas não sei se
os estimo, porque teria que os conhecer pessoalmente para o saber. O Gomes foge
à regra.
Sou a irmã do meio entre rapazes e, como eles não
gostavam de bonecas, de vez em quando, gostava eu da bola e sempre que
jogávamos aos penaltis lá em casa, invariavelmente, eu encarnava o Gomes e não
se falava mais do assunto. Eu era o Gomes e os meus irmãos que escolhessem
entre os outros do plantel azul e branco. Eles recorriam a alguns estrangeiros,
o mais velho, por exemplo, era o Zico, apelido pelo qual ainda hoje é conhecido
entre os colegas da escola… Eu era invariavelmente o Gomes. Gostava tanto dele,
que fiquei absolutamente desgostosa com a sua transferência para o Sporting,
onde viria a terminar a sua carreira. Sei que a responsabilidade da
transferência foi mais da estrutura do que da sua vontade. Assim, anos mais
tarde, voltaria àquela que sempre foi a sua casa para trabalhar na direção do
seu clube. O Gomes foi, portanto, quem mais se aproximou de um ídolo para mim,
na tenra idade dos nove ou dez anos. Ai de quem se atrevesse a dizer algo de
menos positivo em relação à sua pessoa! Nem o Paulo Futre ou o Rabah Madjer
conseguiram ofuscar o seu valor aos meus olhos!
Pelo sonho, pela ilusão, pela alegria e vitórias
proporcionadas, o meu gigantesco obrigada!
Ao refletir sobre este assunto, constato que cresci
num ambiente masculino: dois irmãos e os meus primos com quem mais convivi pela
proximidade etária, todos rapazes! Foi sendo assim pela vida fora! Na
faculdade, o meu grupo de amigos era constituído maioritariamente por rapazes e
tenho amigos homens que foram ou são fundamentais na minha história de vida.
Sinto-me em dívida contigo, Zé Silva. Serás o único
que vou particularizar, por querer há muito tecer-te um agradecimento público.
Já o fiz, mas não estavas presente e ainda não nos tínhamos reencontrado no
facebook!
O Zé é responsável pelas minhas publicações. Antes
dele, tudo ficava na gaveta. Certo dia, convidou-me para colaborar com uma
rubrica no jornal “Viver Valpaços”, o
que fiz durante três anos (o prazo da sua existência). O Zé nem sabia que eu
escrevia ou como escrevia. Fizemos um acordo, disse-lhe: eu escrevo-te um
texto, dou-to a ler e tu prometes-me que só publicas se considerares ter
qualidade suficiente. Era uma gaiata de 25 anos, desconfiada do que conseguiria
fazer, tal como hoje ainda. A ideia de mediocridade sempre me afligiu! Não
melhorei nada, nesse aspeto! Sugeri que pedisse colaboração a outra pessoa.
Resposta
pronta: “Sónia, se quisesse um artigo sobre moda até poderia ser. Não é essa
linha que pretendo.”
Surgiu, dessa forma, o meu primeiro texto público: “O reino do faz de conta”. Poderia ser perfeitamente uma crónica destas. Consistia numa crítica a um estado de coisas neste país!
Surgiu, dessa forma, o meu primeiro texto público: “O reino do faz de conta”. Poderia ser perfeitamente uma crónica destas. Consistia numa crítica a um estado de coisas neste país!
Julgo que o Zé nunca compreendeu o significado
dessas palavras. Reconhecia-me, ele, alguém que admiro e estimo pelo ser humano
que é e pela sua vasta cultura, capacidade para poder com ele colaborar, sem
nunca ter lido nada meu! Deduzo que terá chegado a essa conclusão através das
nossas conversas, da nossa convivência. Na altura, Zé, estarias próximo dos 40
anos, mais velho, mais experiente, bem mais culto do que eu e, no entanto,
vislumbraste, vá-se lá saber como, algum potencial. Se o gosto pela escrita
existia, depois disso, entranhou-se definitivamente. Obrigada. Julgo que não
serei caso único, mas quem assim entender que se manifeste.
Sou uma felizarda, porque as circunstâncias da vida
têm-me trazido os amigos de que preciso para crescer, para evoluir, para não me
deixar sossegar e exigir-me cada vez mais. A verdade é que o fazem mais os
amigos homens do que as amigas mulheres (perdoem-me a franca honestidade).
Identifico-me mais com os interesses masculinos do que com os femininos, salvo
raras exceções (pronto, Lurdes Martins, já te identifiquei, podes sossegar…).
Pode parecer estranho a olhos alheios, mas não
quero saber, porque tenho o pleno direito às minhas idiossincrasias e estou-me
literalmente nas tintas para o que possam pensar! Não me interessam malas nem
sapatos ou a cor da berra do verniz e tampouco a conversa constante sobre a escola
ou os filhos! Também os tenho e também os amo, mas sou muito mais além de mãe. Recuso
depositar-lhes a minha vida nas mãos e esperar a síndrome do ninho vazio! Hão
de voar que é para isso que os crio e, quando tal acontecer, alegrar-me-ei por
ter cumprido o meu papel. A minha vida será
preenchida com o meu ser.
Se é para ter uma conversa, deem-me a Literatura, a
Poesia, a Arte, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e todos os
domínios que pensem o Homem, a sociedade e a vida. Independentemente do género,
venha até mim essa gente! Lamento, as ciências exatas são importantíssimas, mas
não exercem qualquer fascínio em mim. Defeito meu, eu sei, mas tenho direito a
ele!
Há em mim uma necessidade orgânica de me ligar a quem
tem muito para me oferecer. Sou muito exigente, dizem-me constantemente em casa.
Será a imperfeição que não consigo corrigir. Leio o que posso para aprender e evoluir,
mas sempre se manifesta insuficiente, porque nunca terei tempo para ler o que preciso.
Como ouvinte atenta que sou, aprendo também muito com os outros, assim eles possam
partilhar o seu saber e bebo tudo sofregamente com ânsia de me cultivar. Ainda assim,
sinto sempre ficar aquém. Nada nunca é suficiente e a ignorância que não quero mantém-se
ao virar da esquina.
Aos meus amigos, na maioria homens que contribuem para
afastar de mim tal cálice e manifestam interesses comuns, obrigada. Vou-me tornando
uma versão melhor com a vossa indispensável ajuda. Sou um sorvedouro oportunista,
reconheço-o, mas retribuo com o que me é possível… Perdoai se o saber não é tanto!
Nina M.
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