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sábado, 19 de outubro de 2019

Crónica de Maus Costumes 152


Fernando Gomes e os meus amigos

                Quero começar esta crónica semanal manifestando o meu desejo de sinceras melhoras ao ex-jogador do meu FCP, Fernando Gomes, o nosso “bi-bota”, como é conhecido. Para os mais distraídos, Fernando Gomes ganhou, por duas vezes (em 83 e em 85) a “Bota de Ouro”, troféu atribuído ao melhor marcador da Europa, pela UEFA. Considero que este país nunca lhe reconheceu o devido valor. Talvez acontecesse se a camisola fosse de outra cor… Felizmente, ele vestiu de azul e branco a maior parte da sua carreira desportiva!
O Gomes está doente. Foi-lhe diagnosticado um tumor no pâncreas. Desejo vivamente que consiga debelar a maldita enfermidade. Quero agradecer-lhe por tudo quanto deu ao meu FCP e confidenciar-lhe o seguinte: nunca fui de ídolos. Não tive paixonetas de adolescência por atores, cantores, jogadores, o que quer que fosse… Ainda hoje sou assim. Gosto muito de um poeta em especial e de algumas personalidades das mais diversas áreas, isto é, gosto muito do trabalho deles e não deles concretamente, porque na verdade não os conheço. Assim, admiro-os pelo que fizeram ou conseguem fazer, mas não sei se os estimo, porque teria que os conhecer pessoalmente para o saber. O Gomes foge à regra.
Sou a irmã do meio entre rapazes e, como eles não gostavam de bonecas, de vez em quando, gostava eu da bola e sempre que jogávamos aos penaltis lá em casa, invariavelmente, eu encarnava o Gomes e não se falava mais do assunto. Eu era o Gomes e os meus irmãos que escolhessem entre os outros do plantel azul e branco. Eles recorriam a alguns estrangeiros, o mais velho, por exemplo, era o Zico, apelido pelo qual ainda hoje é conhecido entre os colegas da escola… Eu era invariavelmente o Gomes. Gostava tanto dele, que fiquei absolutamente desgostosa com a sua transferência para o Sporting, onde viria a terminar a sua carreira. Sei que a responsabilidade da transferência foi mais da estrutura do que da sua vontade. Assim, anos mais tarde, voltaria àquela que sempre foi a sua casa para trabalhar na direção do seu clube. O Gomes foi, portanto, quem mais se aproximou de um ídolo para mim, na tenra idade dos nove ou dez anos. Ai de quem se atrevesse a dizer algo de menos positivo em relação à sua pessoa! Nem o Paulo Futre ou o Rabah Madjer conseguiram ofuscar o seu valor aos meus olhos!
Pelo sonho, pela ilusão, pela alegria e vitórias proporcionadas, o meu gigantesco obrigada!
Ao refletir sobre este assunto, constato que cresci num ambiente masculino: dois irmãos e os meus primos com quem mais convivi pela proximidade etária, todos rapazes! Foi sendo assim pela vida fora! Na faculdade, o meu grupo de amigos era constituído maioritariamente por rapazes e tenho amigos homens que foram ou são fundamentais na minha história de vida.
Sinto-me em dívida contigo, Zé Silva. Serás o único que vou particularizar, por querer há muito tecer-te um agradecimento público. Já o fiz, mas não estavas presente e ainda não nos tínhamos reencontrado no facebook!
O Zé é responsável pelas minhas publicações. Antes dele, tudo ficava na gaveta. Certo dia, convidou-me para colaborar com uma rubrica no jornal “Viver Valpaços”, o que fiz durante três anos (o prazo da sua existência). O Zé nem sabia que eu escrevia ou como escrevia. Fizemos um acordo, disse-lhe: eu escrevo-te um texto, dou-to a ler e tu prometes-me que só publicas se considerares ter qualidade suficiente. Era uma gaiata de 25 anos, desconfiada do que conseguiria fazer, tal como hoje ainda. A ideia de mediocridade sempre me afligiu! Não melhorei nada, nesse aspeto! Sugeri que pedisse colaboração a outra pessoa.
 Resposta pronta: “Sónia, se quisesse um artigo sobre moda até poderia ser. Não é essa linha que pretendo.”
Surgiu, dessa forma, o meu primeiro texto público: “O reino do faz de conta”. Poderia ser perfeitamente uma crónica destas. Consistia numa crítica a um estado de coisas neste país!
Julgo que o Zé nunca compreendeu o significado dessas palavras. Reconhecia-me, ele, alguém que admiro e estimo pelo ser humano que é e pela sua vasta cultura, capacidade para poder com ele colaborar, sem nunca ter lido nada meu! Deduzo que terá chegado a essa conclusão através das nossas conversas, da nossa convivência. Na altura, Zé, estarias próximo dos 40 anos, mais velho, mais experiente, bem mais culto do que eu e, no entanto, vislumbraste, vá-se lá saber como, algum potencial. Se o gosto pela escrita existia, depois disso, entranhou-se definitivamente. Obrigada. Julgo que não serei caso único, mas quem assim entender que se manifeste.
Sou uma felizarda, porque as circunstâncias da vida têm-me trazido os amigos de que preciso para crescer, para evoluir, para não me deixar sossegar e exigir-me cada vez mais. A verdade é que o fazem mais os amigos homens do que as amigas mulheres (perdoem-me a franca honestidade). Identifico-me mais com os interesses masculinos do que com os femininos, salvo raras exceções (pronto, Lurdes Martins, já te identifiquei, podes sossegar…).
Pode parecer estranho a olhos alheios, mas não quero saber, porque tenho o pleno direito às minhas idiossincrasias e estou-me literalmente nas tintas para o que possam pensar! Não me interessam malas nem sapatos ou a cor da berra do verniz e tampouco a conversa constante sobre a escola ou os filhos! Também os tenho e também os amo, mas sou muito mais além de mãe. Recuso depositar-lhes a minha vida nas mãos e esperar a síndrome do ninho vazio! Hão de voar que é para isso que os crio e, quando tal acontecer, alegrar-me-ei por ter cumprido o meu papel.  A minha vida será preenchida com o meu ser.
Se é para ter uma conversa, deem-me a Literatura, a Poesia, a Arte, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia e todos os domínios que pensem o Homem, a sociedade e a vida. Independentemente do género, venha até mim essa gente! Lamento, as ciências exatas são importantíssimas, mas não exercem qualquer fascínio em mim. Defeito meu, eu sei, mas tenho direito a ele!
Há em mim uma necessidade orgânica de me ligar a quem tem muito para me oferecer. Sou muito exigente, dizem-me constantemente em casa. Será a imperfeição que não consigo corrigir. Leio o que posso para aprender e evoluir, mas sempre se manifesta insuficiente, porque nunca terei tempo para ler o que preciso. Como ouvinte atenta que sou, aprendo também muito com os outros, assim eles possam partilhar o seu saber e bebo tudo sofregamente com ânsia de me cultivar. Ainda assim, sinto sempre ficar aquém. Nada nunca é suficiente e a ignorância que não quero mantém-se ao virar da esquina.
Aos meus amigos, na maioria homens que contribuem para afastar de mim tal cálice e manifestam interesses comuns, obrigada. Vou-me tornando uma versão melhor com a vossa indispensável ajuda. Sou um sorvedouro oportunista, reconheço-o, mas retribuo com o que me é possível… Perdoai se o saber não é tanto!
Nina M.  






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