Ainda assim, viva a República!
Há coincidências felizes! Reparo no
número redondo e gordo desta rubrica: cento e cinquenta! É um bom número!
Representativo das crónicas semanais quase sem interrupções, que têm vindo a
ser urdidas há cento e cinquenta semanas. Que melhor dia haveria para o
celebrar que este 5 de outubro em que se comemora a implantação da República e
em simultâneo o dia professor?!
Festejo
duplamente: sou republicana por convicção e também sou professora. Convém,
porém, referir que os motivos para a celebração se prendem apenas com o ideal
que a República e o professorado representam e não pelo facto de possuir
grandes motivos para festividades.
O
meu republicanismo prende-se com o facto de acreditar e defender que todos os
cidadãos nascem livres e iguais em direitos e deveres e que, apesar das
dificuldades e até das oportunidades diferentes, todos, sem exceção, podem
aspirar a contribuir para os desígnios da nação, caso se considerem capacitados
para tal. Os monárquicos poderão alegar que a casa real seria mais adequada,
pois a educação dos príncipes, futuros representantes da nação, é feita com
zelo, para que estejam à altura do desafio. Não contesto, mas peca por falha
grave: a de se basear o acesso aos mais altos desígnios do país no fator
hereditariedade, sem que os cidadãos possam escolher livremente o seu
representante. A esse sistema falta a democracia plena exercida através do
direito ao voto. Tudo o que implique dano na liberdade de cada um não terá o meu
acolhimento.
No
entanto, sou obrigada a reconhecer que a República tem falhado imenso com os
cidadãos. Não deixo de pensar que vivemos num regime quase feudal sob a capa de
pretensa democracia republicana! Os impostos pagos aos senhores, na Idade
Média, são agora pagos ao Estado. Lá como agora: as regalias obtidas pelo
pagamento das taxas continuam aquém do desejável! O problema é antigo:
investimentos errados e desvios indevidos. Desta forma, o povo, para não dizer
a arraia-miúda, continua a ver uma boa parte do seu rendimento esmifrado para
senhores, mas atualmente, camuflado sob a capa da boa intenção do bem comum!
Acresce o seguinte: apesar de teoricamente todos os cidadãos poderem chegar ao
Governo da nação, o que a História nos põe em evidência é o facto de se
perpetuar uma espécie de hereditariedade na ocupação dos cargos governativos! É
caso para dizer: “filho de peixe sabe nadar!” Durante anos, entre a tarefa de
governar e a de fazer oposição, os rostos vão sendo os mesmos e com tradição
familiar. A diferença reside no facto de terem sido eleitos. Ora bem, não é
totalmente verdadeiro, uma vez que elegemos apenas o representante de um
partido e não todos os elementos de um governo. A democracia não é pura na
escolha de um governo, pelo que se pensarmos bem, ainda encontramos laivos de
uma Monarquia embutida. Já agora, o nosso Portugal tão peculiar não implementou
a República em todo o território em 1910! Os flavienses apenas hastearam
bandeira dois anos mais tarde (1912) e andaram às turras com o Paiva Couceiro e
as Invasões Monárquicas. Quem conhece um pouco da História local, fica a saber
que os rostos que circulavam nos Paços do Concelho na Monarquia eram os mesmos
no tempo da República! Seriam convicções bastante flexíveis! De modo que de lá
para cá pouco ou nada mudou! Esvai-se assim o meu ideal de República, aquele em
que acredito verdadeiramente e desejo para o meu país…
Estabelecendo
a ponte com a flexibilidade que querem na Educação, parece-me que poderia ser
uma estratégia proveitosa, mas acredito que se trata mais de um meio para
atingir determinado fim! Não vislumbro um verdadeiro interesse em fazer com que
os alunos aprendam mais e melhor e sejam justamente avaliados em função da
evolução e das aprendizagens reveladas. Fico com a impressão de que se trata de
uma forma de se atingir mais rápida e eficazmente uns almejados números na
literacia para fazer boa figura nos estudos da OCDE. Não obstante, a quem
interessa ter cidadãos livres pensadores e questionadores de uma ordem
instituída? Por certo, não às elites que nos têm governado. Quem leu Aldous
Huxley e George Orwell saberá que nada melhor do que o pensamento instigado e
controlado em massa para evitar a rebelião e eliminar o pensamento crítico.
Quanto mais ignaro o povo, melhor para o governante. Em Orwell até o extermínio
da palavra acontece. A inexistência do lexema liberdade gera a impossibilidade
de nela pensar, já que o pensamento é formulado com o verbo! De modo que também
na sociedade orwelliana e também de Huxley havia uma espécie de Índex e as
narrativas históricas eram constantemente reformuladas, repetidas à exaustão
até se inculcarem na memória coletiva. Uma mentira repassada infinitamente
torna-se verdade! Isto há coisas! O que a literatura vai buscar! Como se tal
fosse possível! O problema é que enquanto se fornece o circo ao cidadão,
(televisão, internet, jogos…) o político aprende realmente com os livros! Há
que causar dependência do que não se precisa e ir retirando e fornecendo o
brinquedo consoante a necessidade. Mantém-se o povo entretido e esbaforido, com
o objetivo de ter acesso a uma falsa necessidade criada pelo mercado e quando
se quer ser bonzinho, permite-se que lá chegue um pouco mais rápido. Assim, com
papas e bolos se enganam os tolos.
Os
professores, esses seres que por aí vão pululando e que têm a obrigação de
serem analíticos e desejarem formar cidadãos críticos, têm de ser afrouxados,
manietados e contaminados pelo desânimo. Pode ser que assim a angústia seja tão
forte que se deixem seduzir pelo pensamento comum e em vez de serem ovelhas
tresmalhadas passem a conduzir o rebanho pelo trilho de todos!
Faço
honra a José Régio e ao seu “Cântico Negro”: “Não sei por onde vou/ Não sei
para onde vou/ - Sei que não vou por aí!”
Nina
M.
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