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sábado, 5 de outubro de 2019

Crónica de Maus Costumes 150


Ainda assim, viva a República!

            Há coincidências felizes! Reparo no número redondo e gordo desta rubrica: cento e cinquenta! É um bom número! Representativo das crónicas semanais quase sem interrupções, que têm vindo a ser urdidas há cento e cinquenta semanas. Que melhor dia haveria para o celebrar que este 5 de outubro em que se comemora a implantação da República e em simultâneo o dia professor?!
Festejo duplamente: sou republicana por convicção e também sou professora. Convém, porém, referir que os motivos para a celebração se prendem apenas com o ideal que a República e o professorado representam e não pelo facto de possuir grandes motivos para festividades.
O meu republicanismo prende-se com o facto de acreditar e defender que todos os cidadãos nascem livres e iguais em direitos e deveres e que, apesar das dificuldades e até das oportunidades diferentes, todos, sem exceção, podem aspirar a contribuir para os desígnios da nação, caso se considerem capacitados para tal. Os monárquicos poderão alegar que a casa real seria mais adequada, pois a educação dos príncipes, futuros representantes da nação, é feita com zelo, para que estejam à altura do desafio. Não contesto, mas peca por falha grave: a de se basear o acesso aos mais altos desígnios do país no fator hereditariedade, sem que os cidadãos possam escolher livremente o seu representante. A esse sistema falta a democracia plena exercida através do direito ao voto. Tudo o que implique dano na liberdade de cada um não terá o meu acolhimento.
No entanto, sou obrigada a reconhecer que a República tem falhado imenso com os cidadãos. Não deixo de pensar que vivemos num regime quase feudal sob a capa de pretensa democracia republicana! Os impostos pagos aos senhores, na Idade Média, são agora pagos ao Estado. Lá como agora: as regalias obtidas pelo pagamento das taxas continuam aquém do desejável! O problema é antigo: investimentos errados e desvios indevidos. Desta forma, o povo, para não dizer a arraia-miúda, continua a ver uma boa parte do seu rendimento esmifrado para senhores, mas atualmente, camuflado sob a capa da boa intenção do bem comum! Acresce o seguinte: apesar de teoricamente todos os cidadãos poderem chegar ao Governo da nação, o que a História nos põe em evidência é o facto de se perpetuar uma espécie de hereditariedade na ocupação dos cargos governativos! É caso para dizer: “filho de peixe sabe nadar!” Durante anos, entre a tarefa de governar e a de fazer oposição, os rostos vão sendo os mesmos e com tradição familiar. A diferença reside no facto de terem sido eleitos. Ora bem, não é totalmente verdadeiro, uma vez que elegemos apenas o representante de um partido e não todos os elementos de um governo. A democracia não é pura na escolha de um governo, pelo que se pensarmos bem, ainda encontramos laivos de uma Monarquia embutida. Já agora, o nosso Portugal tão peculiar não implementou a República em todo o território em 1910! Os flavienses apenas hastearam bandeira dois anos mais tarde (1912) e andaram às turras com o Paiva Couceiro e as Invasões Monárquicas. Quem conhece um pouco da História local, fica a saber que os rostos que circulavam nos Paços do Concelho na Monarquia eram os mesmos no tempo da República! Seriam convicções bastante flexíveis! De modo que de lá para cá pouco ou nada mudou! Esvai-se assim o meu ideal de República, aquele em que acredito verdadeiramente e desejo para o meu país…
Estabelecendo a ponte com a flexibilidade que querem na Educação, parece-me que poderia ser uma estratégia proveitosa, mas acredito que se trata mais de um meio para atingir determinado fim! Não vislumbro um verdadeiro interesse em fazer com que os alunos aprendam mais e melhor e sejam justamente avaliados em função da evolução e das aprendizagens reveladas. Fico com a impressão de que se trata de uma forma de se atingir mais rápida e eficazmente uns almejados números na literacia para fazer boa figura nos estudos da OCDE. Não obstante, a quem interessa ter cidadãos livres pensadores e questionadores de uma ordem instituída? Por certo, não às elites que nos têm governado. Quem leu Aldous Huxley e George Orwell saberá que nada melhor do que o pensamento instigado e controlado em massa para evitar a rebelião e eliminar o pensamento crítico. Quanto mais ignaro o povo, melhor para o governante. Em Orwell até o extermínio da palavra acontece. A inexistência do lexema liberdade gera a impossibilidade de nela pensar, já que o pensamento é formulado com o verbo! De modo que também na sociedade orwelliana e também de Huxley havia uma espécie de Índex e as narrativas históricas eram constantemente reformuladas, repetidas à exaustão até se inculcarem na memória coletiva. Uma mentira repassada infinitamente torna-se verdade! Isto há coisas! O que a literatura vai buscar! Como se tal fosse possível! O problema é que enquanto se fornece o circo ao cidadão, (televisão, internet, jogos…) o político aprende realmente com os livros! Há que causar dependência do que não se precisa e ir retirando e fornecendo o brinquedo consoante a necessidade. Mantém-se o povo entretido e esbaforido, com o objetivo de ter acesso a uma falsa necessidade criada pelo mercado e quando se quer ser bonzinho, permite-se que lá chegue um pouco mais rápido. Assim, com papas e bolos se enganam os tolos.
Os professores, esses seres que por aí vão pululando e que têm a obrigação de serem analíticos e desejarem formar cidadãos críticos, têm de ser afrouxados, manietados e contaminados pelo desânimo. Pode ser que assim a angústia seja tão forte que se deixem seduzir pelo pensamento comum e em vez de serem ovelhas tresmalhadas passem a conduzir o rebanho pelo trilho de todos!
Faço honra a José Régio e ao seu “Cântico Negro”: “Não sei por onde vou/ Não sei para onde vou/ - Sei que não vou por aí!”

Nina M.



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