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sábado, 1 de junho de 2019

Crónica de Maus Costumes 134


 Beleza e arte

                Hoje, subitamente e sem fio de raciocínio que consiga explicar, porque o meu cérebro é senhor soberano de si e de mim e deambula ora por vielas estreitas e insalubres ora por largas avenidas parisienses, fui sobressaltada por duas imagens belíssimas, que tive o privilégio de poder contemplar: a mais bela imagem de Nossa Senhora, que alguma vez vi, à frente de um altar ornamentado com um fresco a representar a Ascensão de Maria, na igreja de Santa Croce, em Florença e uma Madalena Penitente, de Ticiano, com que por feliz acaso tropecei no Museu Nacional de Arte Antiga.
            Em ambos os casos estive rodeada de arte. Em Florença, estive perante os maiores pintores do Renascimento e dos pais de todos os pintores: Cimabué e Giotto. Estar perante o Nascimento de Vénus ou Primavera do Boticelli é arrebatador, no entanto, foi esta Madonna que me roubou a alma. A emoção sentida perante esta imagem ou perante o Ticiano que veio visitar os portugueses, por uns tempos, a Lisboa, foi semelhante. A primeira apresenta uma beleza comedida, serena, tranquila, que emociona; A Madalena, situa-se no jogo ambivalente de sensualidade e espírito, pecado e redenção, corpo e alma, num olhar lacrimal que se ergue ao céu, como quem pede favor divino.
É um deslumbramento que se apodera da alma, um arrepio que percorre o corpo e uma comoção que em mim se dá a conhecer através de um olhar marejado. A certeza precisa da pequenez do ser humano perante tanta beleza! Maior o espanto pelo facto de ter sido um ser humano a produzir tamanha perfeição. Se a arte existe é para isto, para nos arrebatar e nos fazer observar algumas coisas com um olhar poético. Se alguém desconhecer ou nunca tiver sentido a transcendência e apenas souber o significado deste conceito, quando se sentir uma ínfima partícula do Universo, um ser diminuto e sem importância face a tanta beleza, saberá que se encontra em ascese. É esse o papel da arte e da beleza. Por isso a humanidade tem necessidade de a criar. É por ela que escapamos aos horrores do mundo e sentimos que ainda vale a pena por cá andar. Afinal, este mundo podre ainda nos oferece pedaços de paraísos perdidos.
            Platão tinha razão. A beleza é sinónimo de adoração e de transcendência. Algo que aproxima o Homem do divino e do sagrado. Acredito que tem o poder de despertar e de libertar o espírito humano e só poderemos viver equilibradamente através dela. Tal como o amor (que é entidade bela) pode ajudar no combate ao absurdo e ao cinismo da vida. Ao contrário destes, a beleza e o amor conferem sentidos, não os destroem. Talvez seja por isso que o ser humano procura tão veementemente ambos.
            Seria impossível ao Homem viver sem arte. Imagine-se um mundo sem música, sem literatura e sem poesia, sem arquitetura, sem pintura, sem escultura, sem cinema, sem nenhuma expressão ou realização de que o ser é capaz. Não consigo imaginar pior cenário e a existir inferno, será assim. Um lugar inóspito e frio sem expressão humana. A arte poderá ser, portanto, a melhor versão do Homem, no caso de potenciar a beleza. Tem até a capacidade de ilustrar belamente o grotesco e o horror.
Na verdade, arte é amor, porque é dádiva de quem a criou. Ali, depositou o ser com a vontade da alma e quem o faz, ainda que inconscientemente, fá-lo por amor à condição humana.
Nina M.


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