Beleza e arte
Hoje, subitamente e sem fio de
raciocínio que consiga explicar, porque o meu cérebro é senhor soberano de si e
de mim e deambula ora por vielas estreitas e insalubres ora por largas avenidas
parisienses, fui sobressaltada por duas imagens belíssimas, que tive o
privilégio de poder contemplar: a mais bela imagem de Nossa Senhora, que alguma
vez vi, à frente de um altar ornamentado com um fresco a representar a Ascensão
de Maria, na igreja de Santa Croce, em Florença e uma Madalena Penitente, de
Ticiano, com que por feliz acaso tropecei no Museu Nacional de Arte Antiga.
Em ambos os casos estive rodeada de
arte. Em Florença, estive perante os maiores pintores do Renascimento e dos
pais de todos os pintores: Cimabué e Giotto. Estar perante o Nascimento de Vénus ou Primavera do Boticelli é arrebatador, no
entanto, foi esta Madonna que me
roubou a alma. A emoção sentida perante esta imagem ou perante o Ticiano que veio visitar os portugueses,
por uns tempos, a Lisboa, foi semelhante. A primeira apresenta uma beleza
comedida, serena, tranquila, que emociona; A Madalena, situa-se no jogo
ambivalente de sensualidade e espírito, pecado e redenção, corpo e alma, num
olhar lacrimal que se ergue ao céu, como quem pede favor divino.
É
um deslumbramento que se apodera da alma, um arrepio que percorre o corpo e uma
comoção que em mim se dá a conhecer através de um olhar marejado. A certeza
precisa da pequenez do ser humano perante tanta beleza! Maior o espanto pelo
facto de ter sido um ser humano a produzir tamanha perfeição. Se a arte existe
é para isto, para nos arrebatar e nos fazer observar algumas coisas com um olhar
poético. Se alguém desconhecer ou nunca tiver sentido a transcendência e apenas
souber o significado deste conceito, quando se sentir uma ínfima partícula do
Universo, um ser diminuto e sem importância face a tanta beleza, saberá que se
encontra em ascese. É esse o papel da arte e da beleza. Por isso a humanidade
tem necessidade de a criar. É por ela que escapamos aos horrores do mundo e
sentimos que ainda vale a pena por cá andar. Afinal, este mundo podre ainda nos
oferece pedaços de paraísos perdidos.
Platão tinha razão. A beleza é
sinónimo de adoração e de transcendência. Algo que aproxima o Homem do divino e
do sagrado. Acredito que tem o poder de despertar e de libertar o espírito
humano e só poderemos viver equilibradamente através dela. Tal como o amor (que
é entidade bela) pode ajudar no combate ao absurdo e ao cinismo da vida. Ao
contrário destes, a beleza e o amor conferem sentidos, não os destroem. Talvez
seja por isso que o ser humano procura tão veementemente ambos.
Seria impossível ao Homem viver sem
arte. Imagine-se um mundo sem música, sem literatura e sem poesia, sem
arquitetura, sem pintura, sem escultura, sem cinema, sem nenhuma expressão ou
realização de que o ser é capaz. Não consigo imaginar pior cenário e a existir
inferno, será assim. Um lugar inóspito e frio sem expressão humana. A arte poderá
ser, portanto, a melhor versão do Homem, no caso de potenciar a beleza. Tem até
a capacidade de ilustrar belamente o grotesco e o horror.
Na verdade,
arte é amor, porque é dádiva de quem a criou. Ali, depositou o ser com a vontade
da alma e quem o faz, ainda que inconscientemente, fá-lo por amor à condição humana.
Nina M.
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