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sábado, 31 de maio de 2025

Crónica de Maus Costumes 423

 

Cinquenta anos         

 

A escola que frequentei como aluna e na qual, atualmente, sou professora, celebrou cinquenta anos de existência, há uns dias. Nasceu no mesmo ano que eu e é dezoito dias mais velha…

            Quando a conheci, éramos ambas adolescentes, mas ela mais acabada do que eu, porque deixava entrar água nalguns espaços, havia uma sala onde nasciam pequenos cogumelos e era gélida e inóspita. Ainda assim, a escola era bem melhor do que a preparatória, que era mais velha, ainda, e onde havia aulas ao sábado de manhã, o que me deixava profundamente irritada.

Gostava mais do liceu (como chamávamos à secundária) do que tinha gostado da preparatória. Era maior e os miúdos não eram tão grunhos. Não havia um senhor Ferreira com um molho gigantesco de chaves na mão a distribuir mosquetes a torto e a direito sobre as cabeças dos petizes encurralados num pátio, enquanto aguardavam pelos autocarros. « Eiriz, Sanfins da pacense ! » - gritava o senhor Ferreira a plenos pulmões. A catraiada desse autocarro furava e corria desabrida no corredor estreito de acesso à rua, guardado pelo funcionário. De cada vez que vinha ao portão espreitar os autocarros que já tinham chegado, havia sempre meia-dúzia de atrevidos que avançavam as correntes a servir de gradeamento e se infiltravam no corredor, atrás do funcionário, que nos queria a todos do outro lado do perímetro. Era nessa altura que ele se virava, irritadíssimo, com a sua mão defeituosa, e distribuía cacetadas com o molho de chaves. Ocorre-me, agora, que ele deveria ser o guardião de todas as chaves da escola ! Eu… Sempre atenta e com receio de que alguma vergastada me pudesse acertar inadvertida e injustamente. Lá aguardava, pacientemente, a suportar  os encontrões até ouvir : Ferreira e Vilela, Albano Esteves !… Tudo aquilo me lembrava dos touros prestes a entrar na arena e eu nunca fui fã de touradas…

A chegada à secundária, libertou-me da bruteza e até já era crescida o suficiente para poder vir para o pátio do Star, o café, aguardar a chegada do autocarro, na paz do Senhor. Não guardo recordações extraordinárias desse tempo.  Na verdade, a adolescência é uma fase difícil e sei que era bem mais feliz a correr os montes, até Ferreiró Fundo, junto ao rio Ferreira, próximo do atual bosque das Quintãs que, na época, era ladeado por lameiros cultivados ou a explorar os castelos de madeira encastrada ou a jogar ao trinta um com a ganapada da aldeia. Uma infância feliz, num meio mais rural, ainda, do que era a pequena cidade de Paços.

Naquela época, a escolaridade obrigatória era apenas o sexto ano, o que implicava a seleção de miúdos mais cedo, um ambiente mais ordeiro, cívico e respirável. Havia a D. Carminda, o senhor Abel, a D. Conceição e o senhor Nuno, um funcionário mais novo, que gostava de meter conversa com a ganapada e que brincava connosco. Havia ralhetes, mas não havia mosquetada e era muito mais tranquilo. Também não havia aulas ao sábado, o que era um prazer !

Na segunda metade do século XX , a escolaridade obrigatória era apenas o sexto ano. Comecei a trabalhar e esta regra ainda se mantinha. Depois, passou a ser o nono até chegar ao atual décimo segundo ano. Em 1991, apenas 30% da população terminava o secundário, na região do Tâmega e Sousa. Em 2023, 98,3% terminou a escolaridade obrigatória. O abandono escolar foi drasticamente reduzido, através de políticas de inclusão social e de apoios para famílias mais carenciadas. Foi feito um esforço tremendo pelo país, pela escola e também pelas autarquias para chegarmos até aqui. O ensino profissional permitiu reduzir o abandono escolar e é imperioso que nele se continue a apostar, melhorando-o, até porque os estudos comprovam que os países europeus mais desenvolvidos economicamente, apresentam um ensino profissional forte. A Criação dos CTESP segue esta política de investimento na educação. Portanto, não são legítimos os discursos apocalíticos sobre a educação. Muito tem sido feito e muito continua por fazer. Nem tudo está péssimo e nem tudo está ótimo. É preciso continuar a caminhada. Neste percurso, gostaria que os jovens compreendessem a importância da escola, mesmo que esses tempos possam não ser os mais felizes. Na escola, crescemos ; na escola, nos educamos ; na escola, adquirimos competências para a vida ; na escola, criamos laços e afetos. A minha vida foi e continua a ser feita na escola, que me tem trazido tanto : alegrias e dores, prazeres e cansaços, afetos e indiferenças, enfim… Tudo aquilo de que uma vida se compõe !

Agradeço à ESPF a minha formação de base, à UTAD, a minha formação e os anos de alegria, vividos junto dos melhores amigos que se poderia desejar e onde fui, ingenuamente, feliz. Agradeço a todas as escolas por onde passei (são muitas, cerca de dezasseis), porque em todas elas aprendi.

Parabéns, ESPF ! Venham lá outros cinquenta, mas que, entretanto, algures pelo caminho, eu me possa reformar !

 

Nina M.

 

           

 

 

 

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