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sábado, 24 de maio de 2025

Crónica de Maus Costumes 422

 Rescaldos

               Os resultados eleitorais do passado fim de semana têm feito correr rios de tinta… A AD subiu, mas não o suficiente para governar sozinha, de modo que o Governo terá de conseguir dialogar com os diversos partidos e arranjar acordos para conseguir implementar o que preconiza.

               A surpresa foi a queda substancial do principal partido da oposição e constatar que esses votos migraram para um outro que muitos não desejariam ver crescer. A maioria do eleitorado continua a preferir uma orientação política ao centro. Se somarmos o resultado da AD e o do PS, constata-se que continuam a ter mais votos do que todos os outros juntos. Para mim, bom sinal. Os portugueses continuam, na generalidade, a preferir gente moderada à frente dos desígnios do país.

               No entanto, será necessária uma séria reflexão sobre o sucedido, desde logo pelo partido socialista. Para além de sofrer o desgaste de muitos anos de Governo, a aposta em Pedro Nuno Santos revelou-se ineficaz. Nesta altura, é fácil percebê-lo, à época não foi tão evidente.

O partido terá de encontrar, agora, o seu caminho novamente, sob uma nova liderança.

               Espero que o Governo recém-eleito seja capaz de governar e de fazer um bom trabalho, em primeiro lugar, pelas pessoas, pelo país; depois, porque as eleições mostram que não há margem para erros. Se a AD falhar na tarefa, temo bem que os indesejáveis continuem a subir. Alimentam-se do ressentimento de muitos e da ignorância dos mais incautos. O argumento de que no pós-abril têm sido sempre os mesmos a governar e que pouco fizeram tem tido acolhimento e, por isso, entendem que a mudança deve pender para o lado dos que berram mais alto as falácias que apresentam, dos que se mostram mais radicais e mais duros, dos que espicaçam a implementação de uma justiça popular, dos que preferem os ataques pessoais à troca séria de ideias.

O problema é que o populismo parece ter-se entranhado e tomado conta de muitos. Tomou conta de muitos jovens que formam a sua consciência política com pouco conhecimento histórico, baseando-se nos vídeos que veem no Tikok e no Instagram. Todos os candidatos as usaram, mas o que mais cativa os jovens é o Ventura e os seus soundbytes, repetidos ad nauseam. Estamos a falar de jovens escolarizados, que ouviram falar das ditaduras fascistas, do Holocausto e da política perniciosa de Hitler, na escola, mas não conseguem interpretar os sinais… É preocupante. No entanto, talvez não devesse espantar se pensarmos que os alemães, povo dotado de uma cultura extraordinária, com filósofos, escritores, músicos de excelência, gente instruída e experiente caiu no engodo, não só não viu a verdade como apoiou o regime totalitário.

Hannah Arendt explica-o bem, citando como exemplo Hitler e Stalin, que usaram a propaganda como meio de disseminar o mal, de forma atrativa. Hitler escolheu o povo judeu como vítima do terror, responsabilizando-o por todo o mal e dificuldades que a Alemanha atravessava, colhendo o apoio do povo, para perpetuar o poder e o controlo das massas. O totalitarismo tem, como tríade orientadora, a polícia, a propaganda e o terror. À primeira, concedia-se o poder do exército, a segunda disseminava o ódio e o terror gerava perseguições e torturas, instigava o medo que, por sua vez, neutralizava as ações políticas dos homens.  Todos totalitarismos funcionam de forma semelhante. Nunca anunciam claramente ao que vêm, mas os sinais estão lá. Todos os ditadores seguem os mesmos princípios. Fê-lo também Stalin, Mussolini, Franco e Salazar, que escolheram os seus opositores como alvos a abater.

Não é preciso ser-se muito inteligente para perceber quem o líder do partido em ascensão responsabiliza por todos os males do país, numa propaganda perniciosa e mentirosa, com dados adulterados, promovendo o ódio e o medo, ganhando o apoio das massas. O medo da invasão cultural e da substituição demográfica, o medo do agravamento da crise da habitação, o medo da perda de trabalho (trabalhos que o português já nem quer fazer), o medo de que o dinheiro dos contribuintes seja gasto no apoio a gente que não contribui… O medo, o medo, o medo… O egoísmo e a burrice. Tudo junto.  O líder em questão atua desta forma descarada e sem pudor.

Uma coisa é dizer-se que as entradas no país devem ser mais controladas e a imigração mais regulada, até para salvaguarda dos próprios imigrantes. Há que evitar circuitos de miséria e de pobreza e também combater as máfias em torno da escravização de pessoas. Não é admissível que um país de emigrantes permita o alastramento desses grupos criminosos. Não é admissível que um país de emigrantes considere que os emigrantes portugueses são todos muito bons e os imigrantes sejam todos muito maus, que é o que se quer fazer sentir. Outra, bem diferente, é usar o soundbite como arma de arremesso contra quem se escolheu como alvo, incentivando o racismo e a xenofobia para fazer crer na necessidade de um líder forte e duro o suficiente para “limpar Portugal”. Só a expressão me causa calafrios.

O modus operandi está identificado. Reflita quem quiser, ainda que eu saiba que a base da argumentação factual não convença quem já se convenceu. Segundo especialistas da comunicação, apenas as contranarrativas serão eficazes contra o discurso do ódio. A comunicação social tem um papel importante a fazer, no sentido de dar voz a quem não a tem para desconstruir preconceitos. Seria bom que os órgãos de comunicação local se interessassem pelas histórias das pessoas e as contassem, numa ação de proximidade. Talvez, assim, se percebesse que gente é gente, em qualquer lugar do mundo, sujeita aos mesmos deveres e aos mesmos direitos. É também o dever de cada cidadão saber ouvir e predispor-se a conhecer o outro, com humanidade, habituar-se a ver pessoas e não números.

Esta é a forma que encontrei de exercer cidadania…

 

Nina M.

 

 

 

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