Exílio e nostalgia
Dei-me conta de
que a vida de qualquer ser humano é feita de pequenos exílios. Uns são voluntários,
outros, forçados e fruto das circunstâncias.
Se
procurarmos no dicionário pela palavra exílio, no sentido literal, significa expulsão
da pátria, deportação, degredo. Não é a esse sentido literal a que me refiro.
Vivemos pequenos ou grandes exílios, mesmo sem sair do território onde
nascemos.
O
tipo de exílio a que me refiro está associado ao termo nostalgia. Qualquer português
diria saudade, mas entre um e outro termo há nuances que os distinguem e
particularizam. Nostalgia vem do grego “nostos”, que significa retorno ao lar,
associado a “algia”, de “algos”, que significa dor, tristeza, angústia.
Nostalgia é, portanto, à letra, a dor do regresso a casa. O termo foi fixado,
inicialmente, pelos suíços para se referirem à tristeza motivada pela saudade
de casa e que lhes seria fatal. A saudade de casa afetava-os de forma peculiar.
Mais tarde, passou a referir-se a qualquer saudade intensa de casa: a de
marinheiros, condenados, escravos africanos… Foi também considerada uma doença
grave durante a Guerra Civil Americana, causando mesmo a morte aos soldados. A
partir da segunda década do século XX, o termo passa a ser usado no sentido de
saudade do passado, talvez por influência da literatura francesa, que recorre à
palavra “nostalgie”.
Gostei,
particularmente, do tratamento que Kundera fez da palavra no seu livro “Ignorância”,
associando a palavra aos emigrantes ou exilados, como ele mesmo, no sentido em
que havia essa saudade, esse profundo desejo do regresso a casa, mas a
constatação de que quando o regresso acontecia, não vinha sem dor e o
significado literal de nostalgia (a dor do regresso) ganha um profundo sentido.
A casa já não é a que ficou guardada na memória e o sujeito também já não é o mesmo
que se exilou. Entre um e o outro há uma estranheza com a qual não se contava.
Eis que o sujeito deixa de se sentir em casa por não mais a reconhecer, por não
lhe servir. De modo que o exilado, seja voluntário seja forçado, sem se
aperceber bem de como terá acontecido, transforma-se num apátrida, que já não
pertence verdadeiramente a um lugar.
Eu
gosto de expandir a palavra. O exilado não é apenas o que perdeu a terra natal,
mas também aquele que perdeu pessoas que faziam a sua casa. Nenhum ser humano é
poupado a esta experiência, pelo que, ao longo da vida, andaremos várias vezes
exilados de pessoas que, por razões várias, partiram. De alguns exílios, jamais
recuperaremos. Sobra um vazio, uma orfandade impossível de colmatar. Nestes
casos, talvez o único placebo seja a memória, a recuperação mental de um
passado que não volta, logo sem futuro. No entanto, poderemos colocar a mesma
questão de Camus em “A Peste”: Que fazer com uma memória que não serve para
nada?
A memória pode ser uma evocação
que não cria nem projeta, apenas remete à clarividência do irrecuperavelmente
perdido, a uma consciência mais profunda do exílio em que se vive.
Paradoxalmente, ainda assim, são essas memórias que permitem transformar as
desgraças ou esse exílio de alma num lugar mais habitável.
Toda
a perda é um exílio que exige um luto e o ser humano anda, assim, uma vida de
luto em luto até ao seu exílio final, fora deste tempo, deste espaço e desta
dimensão. Em última instância, o homem pode inclusivamente viver exilado de si
mesmo, quando se vê em exílio do outro. Este será, talvez, o pior dos lutos, a
pior das perdas e a maior ineficácia da memória.
Nina M.
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