Alteridade
A alteridade é um lugar difícil. Calçar
os sapatos do outro não é fácil e, muitas vezes, é uma impossibilidade.
Por muita empatia
que uma pessoa possa revelar, a verdade é que conseguir colocar-se exatamente
no lugar que não é o seu para sentir o mesmo que o outro, não é possível.
Ficamos apenas pela imaginação do que poderá ser e como se sentirá, mas nunca
na exata medida das coisas.
Talvez seja esta a razão para os
atritos e as dificuldades que encontramos nas relações interpessoais. Tendemos
a olhar para as situações e para a alteridade à luz do que somos e do que sentimos,
o que faz com que sejamos lestos no julgamento. O juízo de valor é impulsivo, é
baseado no que somos e não deixa espaço para a aceitação da diferença. É o
contrário do pensamento e da reflexão, a manifesta incapacidade de olhar o
objeto a partir de diferentes ângulos. Neste sentido, o julgamento não incorre
apenas na injustiça como resvala também para a sobranceria e a soberba e estas são
inexpugnáveis. Para além de conterem a arrogância atrevida da presunção da
verdade, ou seja, todo aquele que julga considera-se melhor do que o outro,
porque quem aponta o dedo está a expor a suposta falha do outro sem olhar para
si mesmo, também não permitem que o sujeito permaneça de peito aberto para,
verdadeiramente, tentar entender as razões e as motivações alheias. Sem esta
capacidade de escuta, não haverá diálogo feito no pressuposto da boa-fé e do
entendimento genuíno.
Quando as pessoas se desentendem e os
conflitos surgem, só o diálogo permitirá a normalização das relações, mas para
isso é necessário que ambas as partes estejam predispostas à escuta ativa, mais
preocupadas em compreender as motivações do outro e a olhar para os factos a
partir do seu prisma do que em tecer acusações e tentar vencer a disputa. Para
isso, é preciso saber ouvir de coração limpo. Raramente acontece de uma parte
ter a razão toda. Cada lado tem as suas razões e as suas dores e ambos estão
certos, até porque uma ação desencadeia uma reação e assim sucessivamente. Então,
em vez de as pessoas se centrarem na ação ou reação do outro, talvez, fosse
importante centrar-se no seu próprio comportamento. Questionar o outro sobre o
comportamento que tanto o terá ferido, com calma e com verdadeira
disponibilidade para ouvir, mesmo que possa entender que a razão está do seu
lado. É importante ter consciência das palavras e do tom usado, porque a
agressividade gera agressividade e uma palavra que é dita, mesmo sem querer,
jamais poderá ser retirada. Poderemos pedir mil vezes desculpa, o que minimiza,
mas o dano já está causado. Se ambas as partes da contenda tiverem esta
postura, um compromisso com a escuta ativa, mesmo que cheguem à conclusão de que
a convivência ficou comprometida ou a amizade manchada, pelo menos fica a compreensão
das partes. Não significa que se possa perdoar ou esquecer, mas que houve uma
tentativa de se colocar no lugar do outro. E até se pode terminar a dizer que
as motivações foram percebidas, mas que não são toleráveis, porque os limites
de cada um compete a cada um estabelecê-los. Só não vale o fechamento
ressabiado e mesquinho de quem usa de sobranceria moral para com o próximo.
Admito que me possam apontar erros.
Todos erramos. Algumas falhas são detetadas, imediatamente, pelo bom senso,
outras, posso nem me aperceber delas e se ferirem alguém, esse terá toda a
legitimidade para me fazer ver a sua razão. Aceito com total consciência de que
posso ter falhado, mas que o façam sem pingo de sobranceria e de soberba, que
rejeito liminarmente, porque a minha falha não faz o outro melhor do que eu (a
menos que estejamos a falar de comportamentos passíveis de serem crimes), sem
insultos e sem me levantar a voz ou ficará a falar sozinho, porque a boa
educação também cabe nas reprimendas. Aja em conformidade e garanto escuta
ativa, peito aberto, consciência recetiva e autorreflexão.
Tenhamos a capacidade de compreender
que não devemos julgar. É preferível tentar compreender e, se não for possível
consegui-lo, ter a humildade de saber que ninguém é melhor do que o outro.
Somos todos iguais e todos diferentes, porque experimentamos os mesmos
sentimentos de forma díspar. Somos todos humanos e todos falhos.
Nina M.
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