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sábado, 7 de junho de 2025

Crónica de Maus Costumes 424

 

Alteridade

            A alteridade é um lugar difícil. Calçar os sapatos do outro não é fácil e, muitas vezes, é uma impossibilidade.

            Por muita empatia que uma pessoa possa revelar, a verdade é que conseguir colocar-se exatamente no lugar que não é o seu para sentir o mesmo que o outro, não é possível. Ficamos apenas pela imaginação do que poderá ser e como se sentirá, mas nunca na exata medida das coisas.

Talvez seja esta a razão para os atritos e as dificuldades que encontramos nas relações interpessoais. Tendemos a olhar para as situações e para a alteridade à luz do que somos e do que sentimos, o que faz com que sejamos lestos no julgamento. O juízo de valor é impulsivo, é baseado no que somos e não deixa espaço para a aceitação da diferença. É o contrário do pensamento e da reflexão, a manifesta incapacidade de olhar o objeto a partir de diferentes ângulos. Neste sentido, o julgamento não incorre apenas na injustiça como resvala também para a sobranceria e a soberba e estas são inexpugnáveis. Para além de conterem a arrogância atrevida da presunção da verdade, ou seja, todo aquele que julga considera-se melhor do que o outro, porque quem aponta o dedo está a expor a suposta falha do outro sem olhar para si mesmo, também não permitem que o sujeito permaneça de peito aberto para, verdadeiramente, tentar entender as razões e as motivações alheias. Sem esta capacidade de escuta, não haverá diálogo feito no pressuposto da boa-fé e do entendimento genuíno.

Quando as pessoas se desentendem e os conflitos surgem, só o diálogo permitirá a normalização das relações, mas para isso é necessário que ambas as partes estejam predispostas à escuta ativa, mais preocupadas em compreender as motivações do outro e a olhar para os factos a partir do seu prisma do que em tecer acusações e tentar vencer a disputa. Para isso, é preciso saber ouvir de coração limpo. Raramente acontece de uma parte ter a razão toda. Cada lado tem as suas razões e as suas dores e ambos estão certos, até porque uma ação desencadeia uma reação e assim sucessivamente. Então, em vez de as pessoas se centrarem na ação ou reação do outro, talvez, fosse importante centrar-se no seu próprio comportamento. Questionar o outro sobre o comportamento que tanto o terá ferido, com calma e com verdadeira disponibilidade para ouvir, mesmo que possa entender que a razão está do seu lado. É importante ter consciência das palavras e do tom usado, porque a agressividade gera agressividade e uma palavra que é dita, mesmo sem querer, jamais poderá ser retirada. Poderemos pedir mil vezes desculpa, o que minimiza, mas o dano já está causado. Se ambas as partes da contenda tiverem esta postura, um compromisso com a escuta ativa, mesmo que cheguem à conclusão de que a convivência ficou comprometida ou a amizade manchada, pelo menos fica a compreensão das partes. Não significa que se possa perdoar ou esquecer, mas que houve uma tentativa de se colocar no lugar do outro. E até se pode terminar a dizer que as motivações foram percebidas, mas que não são toleráveis, porque os limites de cada um compete a cada um estabelecê-los. Só não vale o fechamento ressabiado e mesquinho de quem usa de sobranceria moral para com o próximo.

Admito que me possam apontar erros. Todos erramos. Algumas falhas são detetadas, imediatamente, pelo bom senso, outras, posso nem me aperceber delas e se ferirem alguém, esse terá toda a legitimidade para me fazer ver a sua razão. Aceito com total consciência de que posso ter falhado, mas que o façam sem pingo de sobranceria e de soberba, que rejeito liminarmente, porque a minha falha não faz o outro melhor do que eu (a menos que estejamos a falar de comportamentos passíveis de serem crimes), sem insultos e sem me levantar a voz ou ficará a falar sozinho, porque a boa educação também cabe nas reprimendas. Aja em conformidade e garanto escuta ativa, peito aberto, consciência recetiva e autorreflexão.

Tenhamos a capacidade de compreender que não devemos julgar. É preferível tentar compreender e, se não for possível consegui-lo, ter a humildade de saber que ninguém é melhor do que o outro. Somos todos iguais e todos diferentes, porque experimentamos os mesmos sentimentos de forma díspar. Somos todos humanos e todos falhos.

 

Nina M.

 

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