Insanidade
Já
não me deveria espantar com a loucura que a humanidade revela. Por princípio, o
conceito define um estado mental em desequilíbrio, um transtorno mental caracterizado
por uma perda de contacto com a realidade, que pode ser acompanhado de
delírios, alucinações, agitações ou apatia.
Seja
o que for, a loucura ou a insanidade é uma fuga a uma realidade que possivelmente
causa dor. Pensando no que vou vendo, uma boa parte da humanidade está
emocionalmente doente. Não encontro outra explicação.
Deparei-me,
ao longo da semana, com notícias sobre os bebés « reborn »… Para quem
desconhece, tratam-se de bonecos hiper-realistas, feitos de silicone e que
parecem bebés verdadeiros, com cheiro, cabelo, pele, em tudo muito semelhantes.
São lindos, efetivamente…
Quando era criança,
gostava imenso de bonecas. Tinha cerca de quarenta bonecas, todas batizadas com
o seu nome. Umas reproduziam pequenas palavras, outras gatinhavam, outras
andavam… Tinha uma oferecida pela minha tia que estava em França que cantava « sur
le pont d’Avignon, on y danse on y danse/ Sur le pont d’Avignon, on y danse
tous en rond… » Ainda as guardei para a minha pequena, que já não apreciou
tanto estes brinquedos… Tive um chorão, como lhe chamavam, com cerca de 50
centímetros, que ao longe passava mesmo por um bebé. Prenda da minha madrinha,
na minha primeira comunhão, aos seis anos. Escusado será dizer que foi a minha
melhor prenda. Adorava bonecas! E consumia a Lila (a minha tia a quem não
chamamos tia), que tem mãos de fada para a costura. O chorão (martelão para o
meu pai, mas epíteto que me deixava furiosa, porque o nome dele era Nuno, se a
memória não me engana) tinha direito a alcofa de palhinha, lençóis, colcha e
roupa feita à medida pela Lila, pois claro, que me aparava o pião! Se naquela
época existisse o reborn eu quereria muito um! Na verdade, olho para esses
bonecos e acho-os lindos! Parece que estamos na presença de recém-nascido de
carne e osso. Até aqui tudo certo, a perfeição do boneco espanta-nos, mas
pensamos na sorte das crianças que podem ter bonecos tão bonitos e realistas…
O problema surge
quando percebemos que os bonecos pertencem, na maioria, a mulheres adultas que
os tratam como bebés verdadeiros! O boneco tem certidão de nascimento, dão-lhe
biberão, têm berço, dão-lhe banho e a pior das loucuras : levam-nos ao
hospital porque o boneco está com febre ou para fazer a consulta de rotina e
pesar, inclusivamente, organizam festas de aniversário e convidam outras « mães »
de « reborn’s »! Ao ver que isso já é um comportamento disseminado e
mais ou menos normalizado nas redes sociais, siderei ! De repente, pareceu-me
que a louca seria eu, tal a normalidade com que estas mulheres agiam ! Bem
sei que há homens adultos que também brincam com as « playstation's »,
mas isto pareceu-me um absurdo!
Sabemos que os
algoritmos fazem das suas… Depois de ver isto, logo de seguida, surge-me a
notícia de um homem, um fisioculturista, que tem uma boneca adulta, também
hiper-realista e, tal como as « mães
reborn », também ele levava a namorada (seria uma « reborn » já
crescida) para lanchar, jantar, passear, viajar… Dizia, satisfeito, que as
pessoas se acercavam, curiosas, que queriam tirar fotografias com ambos e que
ficavam agradavelmente surpreendidas…
Eu… Nem sei que
diga… Parece-me, obviamente, um comportamento desviante a necessitar de psicoterapia…
Que fragilidades emocionais, que vínculos fragilizam as pessoas para que estas
tenham a necessidade de recorrer a estas ilusões ? Quão difícil será
suportar a realidade para necessitarem de um escape desta amplitude ?
Apesar de se mostrarem felizes nos seus papéis de mães e de namorados, estes
seres não podem estar bem ! Ou isso ou, então, quem já estará insana para
este mundo sou eu… O que leva as pessoas a preferirem laços fictícios e imaginários
à realidade ?! Por mais hiper-realista que seja, um « reborn »
não é uma criança nem a boneca hiper-realista, namorada… Que vazios poderão
preencher num relacionamento unilateral ?! O casal de namorados
dificilmente discutirá e as mães imaginárias não terão grandes problemas para
educar as suas crianças!
Vivemos num
mundo estranho, onde o homem humaniza os animais ao ponto de os despir da sua
natureza, tratando-os como filhos, preferindo cuidar de um animal de estimação
a uma criança e em que se substitui os afetos verdadeiros por afetos fictícios,
como se estes só pudessem existir quando o outro não nos contesta e não nos
desagrada. Talvez o Homem seja tão incompetente e tão intolerante que não é
capaz de aceitar que o outro possa divergir de Si, de aceitar a diferença e,
sobretudo, de respeitar a vontade alheia… O homem não está para o diálogo, para
a cedência nem para o encontro, que implica trabalho e determinação, mas não
pode, por outro lado, dispensar os afetos, uma vez que somos seres gregários e
gostamos da validação alheia. De modo que, eventualmente, alguns se fechem numa
bolha própria em que a realidade e a ficção se misturam a tal ponto que já não
conseguem distinguir qual deles é o mundo mais verdadeiro : o do sonho e
da imaginação ou o da realidade dolorosa.
Fiquei
apreensiva e a pensar como iria gostar de um boneco desses, se ainda fosse
criança…
Os meus filhos
já estão crescidos, já não usam biberão nem fralda e já não precisam que lhes
dê banho e, por mais saudades que sinta dessa fase em que após a amamentação os
deitava sobre o meu peito, onde eles dormiam consolados e eu lhes sentia o
cheiro a bebé e os sentia tão unicamente meus, não me passa pela cabeça fazer
isso com um boneco! A fase do faz de conta já passou há muito e por mais
hiper-realistas que sejam, não são seres de verdade! Só alguém profundamente
desiludido poderá apreciar tanto uma ilusão!
Nina M.
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