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sábado, 18 de setembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 246

 

Pedidos e pequenas vaidades

                Ora bem… Ireis perdoar o tema de hoje, que surgiu inusitadamente a pedido da filha. Seria para falar de campanhas, arruaças e eleições, mas não há como negar a solicitação ansiosa da pequena da casa.

Ao ver-me dirigir para o escritório quis saber se iria escrever a crónica e se seria ela o assunto. Disse-lhe que não e os grandes olhos castanhos arregalaram-se primeiro e entristeceram depois. Soltou o lamento: “mas amanhã é a minha festa! É a minha comunhão e tu não vais escrever sobre isso?” De maneira que cá estou a cumprir a petição que vai ser lida por quem de direito… Há rogos que não devem ser ignorados e sinto que este é um deles, porque tu, minha pequena, a par do teu irmão, sois pedaços da minha alma e pedaços da minha carne e do meu sangue, criados pelo milagre da vida. Pedido vosso com o intuito de vos sentirdes suficientemente importantes para a mãe, desde que feito dentro do que é razoável, só por motivo de força maior não será cumprido. Isto exclui certos bens materiais. Não são importantes e sabeis o que penso sobre isso, porque vos digo constantemente. Este miminho de te veres representada na escrita da mãe pode ser aplicado, desde que com conta peso e medida.

A Matilde vai ler perante uma plateia. Briosa como é, quis ter uma participação mais ativa na cerimónia e lê muito bem, mas anda preocupada. Será um aborrecimento se com o nervosismo a língua se enrolar e a palavra “eucarística” sair mal pronunciada. Quer muito superar o desafio com sucesso, mas há o receio de falhar e sei que quando chegar o momento, o seu coraçãozinho tenro baterá a mil.

Vai correr tudo muito bem, filha, mas se houver engano, também não faz mal, porque as nossas vidas estão cheias de fracassos e apenas alguns sucessos. Acredito mesmo que são necessários os tropeços para aprendermos com eles. Certamente, se tal acontecer, nunca mais esquecerás de que te enganaste a ler na tua primeira comunhão, mas também terás aprendido que errar faz parte da vida e que mesmo que nos esforcemos, nem sempre as coisas correm como queremos. Aprenderás a resistir, a minimizar o tombo e a prosseguir no caminho. Depois, apesar de tudo, estarás muito bonita no teu singelo vestido (que já experimentaste à exaustão) a celebrar com a tua família o momento que tanto anseias… A vaidade feminina que não dá tréguas desde cedo! O vestido que tem de condizer com a sandália, com o gancho de cabelo e o agasalho fino de malha. Tudo selecionado com afinco, pormenor, muito cuidado e esquisitice, porque nestas idades não se gosta de qualquer coisa. Não precisei de muita intromissão. Intuitivamente, a pequena descobre que o bom gosto exige simplicidade.

Espero que seja um dia feliz, daqueles que irás sempre recordar mais tarde. Eu fiz a minha primeira comunhão mais cedo. Tinha apenas seis anos e ainda hoje recordo a cerimónia, feita no Porto, com crianças que desconhecia, por motivos que não vou aqui relatar, mas sobretudo a prenda de que mais gostei: um boneco a imitar um bebé, mas tão grandinho, que punha a tua avó a comprar-lhe “baby-grows”. Quando saía com o “martelão” (como lhe chamava o teu avô, o que me enfurecia), as pessoas julgavam tratar-se mesmo de um recém-nascido. Recordo também o relógio da praxe oferecido pelo padrinho. Naquele tempo era assim… Depois, do almoço talvez se lembrem melhor os adultos, porque a tua mãe comia tão pouco e tão mal que o cardápio não tinha importância nenhuma.

Talvez, um dia, sejas tu a escrever as memórias da tua festa. O que a tua mãe quer é apenas que sejas feliz e que bênção divina possa sempre acompanhar-te.

 

Nina M.

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