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sábado, 26 de junho de 2021

Crónica de Maus Costumes 238

 

Os animais e as (des)venturas de Eros

Na minha infância, não tive propriamente animais de estimação em casa, mas eu e os meus irmãos arranjávamos uns por empréstimo.

Na verdade, o meu irmão mais velho ainda conheceu dois gatos: o Topi e o Batatinha, mas morreram ambos atropelados, cada um na sua vez. Será escusado falar da choradeira do meu irmão, que na altura tinha teria três anitos. Eu ainda não era nascida. Certo é que o desgosto foi tal, que a minha mãe decidiu que não entrariam mais gatos nem cães em casa.

Como todos os miúdos, gostávamos de animais, pelo que aproveitávamos os dos outros. Assim, na aldeia, havia o Tirone, o cão que era do senhor Tónio Russo, mas que comia em casa do meu tio Zé e andava sempre com o meu primo Benjamim, acompanhando-o à escola e aguardava, à porta, pelo seu regresso. O Tirone era um bom cão, que protegia as crianças. Certa altura, o verdadeiro dono, o senhor Tónio, zangado com o filho, quis dar-lhe umas palmadas, mas esqueceu-se que o cão estava por perto. A mulher ainda o avisou: “Ó Tónio, olha o Tirone!” Porém, já não foi a tempo. Foi mordido, claro está. No entanto, o Tirone já não foi propriamente do meu tempo…

Tínhamos um cão rafeiro branco com umas malhas amarelas, que pertencia à minha tia (aquela matriarca que nunca precisou de nome para sabermos quem era e que tomou o lugar da minha avó Matilde) e que tinha um nome pouco digno. Nunca soube quem o batizou, mas estou certa que a minha tia desconhecia o significado de tal nome estrangeiro. Nós, os catraios mais pequenos, também não e quando viemos a saber o que Dick significava, o cão já não existia. Naquele tempo, não havia inglês no terceiro ano e os filmes legendados eram raros. Bem, não há outra forma de o tratar… Sempre que íamos a casa da minha tia (distava dez minutos a pé da minha), o que acontecia todos os dias, era certo que na viagem de regresso éramos acompanhados pelo Dick, o que me satisfazia, porque ao passar a casa da Lisete, o cão minorca dela, um bege, de pelo rapado, estupidamente chamado de black, porque de preto, nem as unhas tinha, dava-lhe para nos ladrar e perseguir. Logicamente, quando escoltados pelo Dick, que era maior e protegia os seus, o malfadado rafeiro, metia o rabo entre as pernas e dava meia-volta ao sentir o rosnar do nosso, enquanto lhe mostrava a dentuça afiada. Sistematicamente, o Dick deixava-nos em casa e, depois, regressava à sua. Só não lhe podíamos mexer no prato enquanto comia, porque rosnava-nos, arreganhava-nos os dentes e poderia custar-nos uma mordidela. Excetuando essas ocasiões, o Dick era um perfeito cavalheiro e amigo.

O mais próximo que estivemos de ter um cão mesmo nosso foi ter uma cabrita, que alguém deixou lá em casa, num domingo, em que tínhamos saído. Quando entrámos, ao final do dia, ouvíamos o balir que vinha do galinheiro e lá estava a cabrinha, pequenina, cor de mel. Que alegria! A cabrita, a Bonita, era uma espécie de cão. Levávamo-la a pastar e brincávamos com ela. Gostava de nos dar marradinhas e balia, a pedir festas. Não era preciso corda. Bastava que o meu irmão mais velho lhe assobiasse, quando ela se afastava mais no monte e a perdíamos de vista, para surgir numa correria estonteante, a galope. Certa altura, o meu irmão mais novo partiu a perna e estava imobilizado, sem poder andar. Como não o visse durante uns tempos, a cabrita galgou as escadas exteriores e baliu, a exigir que lhe mostrassem o catraio. Abriu-se a porta, entrou. Depois de três marradas, saiu porta fora, feliz da vida, por se certificar que um dos seus parceiros de brincadeira estava de saúde. Também me chegou a visitar na escola. Entrou e veio deitar-se ao meu lado, pelo tempo que lhe apeteceu. De modo que, apesar de gostarmos de cabrito assado em forno de lenha, ninguém podia ouvir falar em matar a Bonita para comer. A solução encontrada pelo meu pai, por não querer, ao contrário de nós, criar a cabra até que ela morresse de velhice, foi vendê-la.

Anos mais tarde, já sem Dick, que morreu de velho e um pouco lazarento, apareceu uma gata parda vadia em casa, que começamos a amansar à revelia dos pais. Dávamos-lhe comida e ela ganhou afeto pelo espaço e por nós também. Gostava de se roçar nas nossas pernas, enquanto miava. Os meus pais achavam pouca piada, pois temiam as ninhadas que pudessem surgir. Certo é que a gata, que nunca chegou a ter nome além de gata, nunca pariu por lá. A certa altura, deixámos de a ver e nunca soubemos o que lhe aconteceu.

Ora… Eis que depois de adulta, nunca me apeteceu muito ter um animal doméstico para não me condicionar a vidinha nem ter trabalho além do que já me chega, mas os filhos… Enfim, após tanta ladainha e insistência de dois, lembrando-me da Bonita e da gata, lá houve permissão para a vinda do Eros, o gato que me enfeitiça com os seus olhos azuis. Este boneco de pelúcia, hoje, já se enfiou por três vezes no motor do carro e é o cabo dos trabalhos para o fazer sair. Parece uma bola de pelo que se enfia nos lugares mais impróprios e inusitados e que está terminantemente proibido de saltar para os sofás. Já começa a perceber o que pode e não pode fazer, corre como um doido e apesar da tenra idade, mostra um atrevimento sacana. É capaz de brincar até à exaustão e depois recolhe-se, enfia-se na sua cama e dorme umas horas seguidas… Se lhe fecho a porta e ele quer entrar, com quatro dias de casa, já sabe miar para que lha abra.

Alguém me explica a preferência pelos sofás quando tem um arranhador? Mas se ouve um não contundente, foge. Olarila! Mas afinal quem manda?! Tens uns olhos enfeitiçadores, tens, meu menino, mas precisas bem mais do que um par de olhos bonitos para me levares na cantiga… Safado!

Nina M.

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