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sábado, 24 de outubro de 2020

Crónica de Maus Costumes 203

 

O imperativo da liberdade

            A França está de luto. Mais uma vez, o país europeu promotor dos valores democráticos por excelência foi ferido de morte. A Europa foi ferida de morte. Portugal foi ferido de morte. Eu fui ferida de morte! Liberdade, sempre!

            É com consternação que olho para esta Europa que, subitamente, se vê atacada no seu princípio irrevogável da liberdade. Não faço a apologia do ódio nem concedo interpretações demasiado fáceis e simplistas da situação. A França sangra. Neste caso, o ataque foi perpetrado por um imigrante checheno, mas há outros casos em que os ataques terroristas são preparados e executados por filhos desse país, que se afastam da pátria. Muita coisa deve estar a falhar: a família, em primeira instância, seguidamente, falha o Estado e falha toda a sociedade. A família porque não soube ou não quis incutir os valores e os princípios democráticos do país; a escola, representante do Estado e todas as instituições públicas que não conseguiram persuadir para o valor da liberdade, do respeito e da tolerância e a sociedade que não soube acolher. A França, que alberga uma nova geração de franceses, filhos de imigrantes das suas ex-colónias, não foi capaz de os tornar verdadeiramente franceses. A real integração e pacificação não existem e parece-me que o antigo colonialismo é ainda uma chaga aberta que é forçoso estancar. Os países colonizadores (Portugal inclusive) foram absolutamente cruéis com os povos que exploraram. Há que assumi-lo frontalmente e sem pruridos. O império português, como todos os impérios, foi assente na escravização, na exploração, na tortura e na barbárie. O mesmo se passou com os espanhóis, os franceses, os ingleses, os holandeses… A História não pode nem deve ser apagada ou reescrita. Se existe é para que a olhemos e não cometamos os mesmos enganos. No entanto, diz o aforismo que a “História se repete” e lastimo, porque só prova a infinita estupidez humana! No entanto, nem os ex-colonizadores podem viver eternamente subjugados pelo peso da culpa e da História, o que não significa não reconhecer ou apagar os seus erros, nem os colonizados se podem alimentar do ódio contra o colonizador. Para o bem ou para o mal, a França proporciona-lhes, ainda assim, uma qualidade de vida superior à que teriam em muitos dos seus países de que originam e as oportunidades, apesar da xenofobia e do racismo existente, surgem e vão sorrindo à gente de bem, mesmo com todos os condicionalismos e da desvantagem com que partem. Por outro lado, quem escolheu ficar deve ser capaz de se adaptar e de respeitar os valores da República. A maioria muçulmana não pode ser julgada por um gesto hediondo, mas também não o deve aceitar nem defender nem calar-se perante o crime. Não é todo um povo que está em causa, mas umas quantas células terroristas que pretendem disseminar o medo e condicionar os valores da República.

            A liberdade de expressão ensinada pelo professor é um dos direitos fundamentais consagrados na constituição dos países democráticos. Muita gente se bateu e morreu para a conseguir instituir não pode, de todo, ser posta em causa. Há palavras que ferem e são armas de arremesso, dirão uns. Concordo. Há palavras duras e provocatórias, mas na Europa, não são admissíveis as reações cruéis e de violência inominável! Também não deveria sê-lo em nenhuma parte do mundo! E o que dizer do professor, que apenas cumpria com a sua missão? Não foi ele o autor das imagens. Apenas exemplificava o direito à liberdade de expressão e foi barbaramente assassinado. Foi vilipendiado nas redes sociais e vendido por uns meros euros por um ou dois dos seus alunos! Lamentável! Seres humanos deploráveis! Poderiam não imaginar o que sucederia, mas só o facto de alguém pagar pela identidade de outrem já indicia algo de errado. Contudo, o profeta Maomé (sanguinário, por sinal) estava a ser ofendido e a blasfémia lava-se com sangue! Cristo pode ser ridicularizado. Buda pode ser ridicularizado. Eloim também. Maomé não pode. Porquê? Uma das imagens em questão mostrava os três livros sagrados (Bíblia, Corão e Torá) em rolos de papel higiénico, como quem fala de literatura de sanita. Ao ver a imagem, como cristã católica, atravessou-me um estremecimento. Compreendi a mensagem e estes comportamentos inaceitáveis, o assassinato planeado e executado de forma horripilante só dá razão aos autores dos desenhos! A verdade é que a religião, enquanto instituição organizada e vivida de forma fanática só gera ódio e violência, exatamente o oposto do que deveria ser. Os judeus fizeram-no com Jesus e fazem-no com os palestinianos; os católicos com as outras religiões e com a ciência. Como esquecer o Tribunal do Santo Ofício? Como esconder os desmandos do Vaticano? Os muçulmanos radicais fazem-no contra quem for, basta ofender Maomé! Será assim tão difícil separar a religiosidade ou a espiritualidade de cada um dos desmandos de cada religião? Será impossível haver sentido crítico? Será impossível compreender que a lei pela qual nos regemos deverá ser o código civil e a constituição de cada país, onde está consignada a liberdade religiosa e que, por esse motivo, o Estado é de todos e para todos, logo é laico?

            Parece que a França não está disposta a abdicar destes valores. Ainda bem. Toulouse e Montpellier, num sinal de força, projetaram as imagens tão ofensivas para os muçulmanos nas paredes da Câmara. Esperemos que não haja retaliações. Os que aí pretenderem residir têm, com toda a certeza, todo o direito a praticar a sua fé, mas não têm o direito de matar um semelhante, porque se entende que ofendeu o profeta! As palavras sarcásticas não dão o direito de retirar a vida a ninguém nem de os maltratar e quem vive na Europa ou aceita os seus valores ou então, por mim, poderá retirar-se que não fará falta.

            A França tem um dossiê muito sensível para manejar e se tem o dever de acolher bem, também não pode permitir que estes desmandos que causam terror ameacem a liberdade dos franceses. A Europa poderá aceitar quem vem por bem, mas não os que lhe querem mal! Esses têm de ser identificados e, por mim, delicadamente convidados a sair, como disse um presidente de câmara canadiano, a propósito da exigência de serem retirados pratos de carne de porco da ementa da cantina das escolas: “Se vieram por bem e aceitam e respeitam os nossos valores, a nossa cultura e as nossas tradições, o Canadá ficará feliz por receber-vos. Se não for esse caso, lembrem-se de que têm outros belos 57 países muçulmanos onde poderão viver.

Concordo plenamente.

 

Nina M.

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