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sábado, 10 de outubro de 2020

Crónica de Maus Costumes 201

 

Vaticínio

Vaticinaste, Lurdes Martins, e parece que hoje terás razão. “Não conseguirás deixar de escrever”. Efetivamente, deixar de escrever não está nos meus planos, mas vou escrevendo outras coisas para além da crónica. Umas conhecidas outras nem tanto… Porém, hoje, o apelo foi inevitável…

O país vive uma situação difícil. Estamos, hoje, pior do que em abril passado. É necessário o esforço de todos enquanto sociedade e o respeito cívico dos adultos saudáveis e dos jovens. É imperioso que assumam o compromisso individual de protegerem os mais idosos evitando comportamentos de risco. Uma situação que só poderá ser ultrapassada com a colaboração e a boa vontade de todos. Nesse sentido, aborrece-me ler determinados comentários nas páginas de alguns grupos de professores nas redes sociais.

Penso que em março passado, quando a pandemia chegou e ninguém sabia o que dela esperar nem como fazer, Portugal foi efetivamente um dos países mais prudentes ao fechar cedo vários setores de atividade. Os resultados foram positivos, no entanto, neste momento, já todos percebemos que o país nunca teve nem tem condições económicas para suportar um novo encerramento. Obrigar as pessoas a encerrar portas significa falência e miséria. Boa parte do emprego é gerada pelas pequenas ou médias empresas. Os seus donos não são grandes capitalistas milionários. Criaram os seus postos de emprego e ainda dão trabalho a mais alguns, o que significa que estes patrões ficam mensalmente, depois de pagarem todas as suas despesas a fornecedores, licenças, arrendamentos, segurança social dos funcionários e a sua própria e salários, com o seu próprio vencimento e, francamente, desejo que possa ser bastante digno. Estas pessoas constituem o tecido produtivo do país e durante os meses de encerramento, o apoio por parte do governo foi parco. Os funcionários tiveram direito a subsídios, mas os patrões, apesar de fechados, tiveram que continuar a pagar, por exemplo, a segurança social dos seus empregados e a sua própria segurança social, sem qualquer direito a subsídio de desemprego. Isto é de uma injustiça atroz, porque se tabela qualquer patrão pelo grupo SONAE ou Jerónimo Martins e estamos a falar de situações económicas muito diferenciadas. Estes empresários não aguentarão novo embate e o Estado não terá dinheiro suficiente para amparar todos. É bom que compreendamos que a fatura a pagar por novo encerramento será a ruína económica de muitos, incluindo a do próprio país. Se não se morre da doença, morre-se da cura. Sei que haverá gente, neste momento, a falar dos milhões desviados para os bancos e das negociatas ilícitas que desgraçam o país enquanto enchem a barriga de alguns, no entanto, a verdade é que num país que vive do turismo e de prestação de serviços, com um tecido empresarial débil e pouco proeminente, num mercado pequeno e extremamente dependente das exportações (em todas as épocas estudadas em História, o problema era o mesmo) a falência seria mais do que certa. Exportamos sapatos e roupas e importamos carros e maquinaria. Não temos indústria de ponta e, muitas vezes, a que existe agoniza também pela constante descapitalização levada a cabo pelos donos (acontece imenso) e pela carga fiscal tremenda, fazendo parecer que continuamos numa espécie de regime feudal em que o senhor, que é o Estado, esfola os seus súbditos, entenda-se, cidadãos. Perante este cenário, resta apenas arregaçarmos as mangas e cada um fazer o que lhe compete. Custa-me, portanto, ler e ouvir sucessivos lamentos de colegas pelas condições vividas nas escolas. Vamos lá ver… O desejável seria a redução de número de alunos por turmas, mas não haveria nem condições físicas nem dinheiro suficiente para pagar ao dobro dos professores, até porque tal situação não foi acautelada. Desta forma, faz-se o melhor que se pode. As escolas estão a fazer o seu melhor e, parece-me, genericamente, bem feito. Mais do que isto não é possível. Há que apelar ao bom senso de todos. Não adianta tanta desinfeção de mãos, tantas cautelas e obrigatoriedade com o uso das máscaras, se cada cidadão não for consciente no seu meio social e familiar. Desta forma, nós, professores, devemos ser um exemplo e estar à altura do desafio. Chega de lamentos relativamente ao facto de termos de ir para a escola e de sermos “carne para canhão”! Mais do que nós são os profissionais de saúde e, para quem se lamenta da falta de testes, aqueles também só são testados em caso de haver sintomatologia. É o desejável? Não. Porém, tanta lamúria começa a cheirar a pieguice e ridiculariza toda a classe. Médicos, enfermeiros, forças de segurança, camionistas, trabalhadores em geral continuam ao serviço, o mesmo se aplica aos professores, porque num regime democrático, não deve haver portugueses de primeira e de segunda. Parar a escola implica trabalhadores em casa por causa dos filhos. Nem as famílias nem o país suportariam tal. Os colegas e todos os trabalhadores que padecem de doenças de risco deveriam, efetivamente, poder ficar em casa sem perdas salariais, o que não acontece. Talvez um dia, se aprendermos a gerir o país de outra forma e se aprendermos que a mudança começa em cada um de nós, através de uma postura ética efetiva, sem tergiversar, possa acontecer. A responsabilidade não é apenas do político. Também é minha se não voto, se não manifesto o meu desagrado perante gestos de corrupção, se não exijo dos deputados democraticamente eleitos. Só alteraremos a crise económica endémica deste país quando percebermos que a transformação começa também por cada um de nós, desde logo, na penalização nos atos eleitorais das más gestões dos governos. Só assim romperemos com a cadeia da desigualdade que se tem vindo a acentuar. Devo ter consciência de que não posso exigir ao outro aquilo que não pratico, caso contrário incorro na hipocrisia, falha difícil de se ver ao espelho.

O país chama. Digo país e não classe política. Está na hora de dizer presente. Se fosse Pessoa, diria: É a hora! Valete fratres.

 

Nina M.

 

 

 

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