Vaticínio
Vaticinaste,
Lurdes Martins, e parece que hoje terás razão. “Não conseguirás deixar de
escrever”. Efetivamente, deixar de escrever não está nos meus planos, mas vou
escrevendo outras coisas para além da crónica. Umas conhecidas outras nem
tanto… Porém, hoje, o apelo foi inevitável…
O
país vive uma situação difícil. Estamos, hoje, pior do que em abril passado. É
necessário o esforço de todos enquanto sociedade e o respeito cívico dos
adultos saudáveis e dos jovens. É imperioso que assumam o compromisso
individual de protegerem os mais idosos evitando comportamentos de risco. Uma
situação que só poderá ser ultrapassada com a colaboração e a boa vontade de
todos. Nesse sentido, aborrece-me ler determinados comentários nas páginas de
alguns grupos de professores nas redes sociais.
Penso
que em março passado, quando a pandemia chegou e ninguém sabia o que dela
esperar nem como fazer, Portugal foi efetivamente um dos países mais prudentes
ao fechar cedo vários setores de atividade. Os resultados foram positivos, no
entanto, neste momento, já todos percebemos que o país nunca teve nem tem
condições económicas para suportar um novo encerramento. Obrigar as pessoas a
encerrar portas significa falência e miséria. Boa parte do emprego é gerada
pelas pequenas ou médias empresas. Os seus donos não são grandes capitalistas
milionários. Criaram os seus postos de emprego e ainda dão trabalho a mais alguns,
o que significa que estes patrões ficam mensalmente, depois de pagarem todas as
suas despesas a fornecedores, licenças, arrendamentos, segurança social dos
funcionários e a sua própria e salários, com o seu próprio vencimento e,
francamente, desejo que possa ser bastante digno. Estas pessoas constituem o
tecido produtivo do país e durante os meses de encerramento, o apoio por parte
do governo foi parco. Os funcionários tiveram direito a subsídios, mas os
patrões, apesar de fechados, tiveram que continuar a pagar, por exemplo, a
segurança social dos seus empregados e a sua própria segurança social, sem
qualquer direito a subsídio de desemprego. Isto é de uma injustiça atroz,
porque se tabela qualquer patrão pelo grupo SONAE ou Jerónimo Martins e estamos
a falar de situações económicas muito diferenciadas. Estes empresários não
aguentarão novo embate e o Estado não terá dinheiro suficiente para amparar
todos. É bom que compreendamos que a fatura a pagar por novo encerramento será
a ruína económica de muitos, incluindo a do próprio país. Se não se morre da
doença, morre-se da cura. Sei que haverá gente, neste momento, a falar dos
milhões desviados para os bancos e das negociatas ilícitas que desgraçam o país
enquanto enchem a barriga de alguns, no entanto, a verdade é que num país que
vive do turismo e de prestação de serviços, com um tecido empresarial débil e
pouco proeminente, num mercado pequeno e extremamente dependente das
exportações (em todas as épocas estudadas em História, o problema era o mesmo) a
falência seria mais do que certa. Exportamos sapatos e roupas e importamos
carros e maquinaria. Não temos indústria de ponta e, muitas vezes, a que existe
agoniza também pela constante descapitalização levada a cabo pelos donos (acontece
imenso) e pela carga fiscal tremenda, fazendo parecer que continuamos numa
espécie de regime feudal em que o senhor, que é o Estado, esfola os seus
súbditos, entenda-se, cidadãos. Perante este cenário, resta apenas arregaçarmos
as mangas e cada um fazer o que lhe compete. Custa-me, portanto, ler e ouvir
sucessivos lamentos de colegas pelas condições vividas nas escolas. Vamos lá
ver… O desejável seria a redução de número de alunos por turmas, mas não
haveria nem condições físicas nem dinheiro suficiente para pagar ao dobro dos
professores, até porque tal situação não foi acautelada. Desta forma, faz-se o
melhor que se pode. As escolas estão a fazer o seu melhor e, parece-me,
genericamente, bem feito. Mais do que isto não é possível. Há que apelar ao bom
senso de todos. Não adianta tanta desinfeção de mãos, tantas cautelas e
obrigatoriedade com o uso das máscaras, se cada cidadão não for consciente no
seu meio social e familiar. Desta forma, nós, professores, devemos ser um
exemplo e estar à altura do desafio. Chega de lamentos relativamente ao facto
de termos de ir para a escola e de sermos “carne para canhão”! Mais do que nós
são os profissionais de saúde e, para quem se lamenta da falta de testes,
aqueles também só são testados em caso de haver sintomatologia. É o desejável?
Não. Porém, tanta lamúria começa a cheirar a pieguice e ridiculariza toda a
classe. Médicos, enfermeiros, forças de segurança, camionistas, trabalhadores
em geral continuam ao serviço, o mesmo se aplica aos professores, porque num
regime democrático, não deve haver portugueses de primeira e de segunda. Parar
a escola implica trabalhadores em casa por causa dos filhos. Nem as famílias
nem o país suportariam tal. Os colegas e todos os trabalhadores que padecem de
doenças de risco deveriam, efetivamente, poder ficar em casa sem perdas
salariais, o que não acontece. Talvez um dia, se aprendermos a gerir o país de
outra forma e se aprendermos que a mudança começa em cada um de nós, através de
uma postura ética efetiva, sem tergiversar, possa acontecer. A responsabilidade
não é apenas do político. Também é minha se não voto, se não manifesto o meu
desagrado perante gestos de corrupção, se não exijo dos deputados
democraticamente eleitos. Só alteraremos a crise económica endémica deste país
quando percebermos que a transformação começa também por cada um de nós, desde logo,
na penalização nos atos eleitorais das más gestões dos governos. Só assim romperemos
com a cadeia da desigualdade que se tem vindo a acentuar. Devo ter consciência de
que não posso exigir ao outro aquilo que não pratico, caso contrário incorro na
hipocrisia, falha difícil de se ver ao espelho.
O
país chama. Digo país e não classe política. Está na hora de dizer presente. Se
fosse Pessoa, diria: É a hora! Valete
fratres.
Nina
M.
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