Lúcida loucura
Julgam-me doida
ou pelo menos que padeço de uma qualquer doença que me impele para a escrita. “Não
sei como tem paciência para todas as semanas apresentar a crónica sem ter nada
a ganhar!”
Deve ser a mesma maluquice que me leva a correr dez
quilómetros ou a ler os livros que posso e até gostaria que pudesse ser um
vício mais compulsivo.
Os meus filhos já não estranham e até fazem questão
de avisar a mãe, todos os sábados à noite, que ainda tem de escrever a crónica.
Obviamente, não a leem. O interesse é outro: como é fim de semana e a mãe ainda
trabalha, assim o entendem, podem esticar a corda um bocadinho e ficar em
companhia das novas tecnologias, por mais que me esforce por convencê-los de
que a companhia dos livros é superlativa… Mesmo o Rodrigo avisa assertivamente
a irmã, como se percebesse muito da vida, do alto dos seus doze anos (quase
treze): Se vais ser poetisa, ficas a saber que não ganhas dinheiro com isso,
como quem lhe diz para se deixar de disparates e arranjar uma ocupação a sério.
Nesse momento, entro na conversa e explico que as pessoas podem e, na minha
opinião, devem ter diferentes ocupações, para além das suas profissões. É com o
trabalho da mãe e do pai que se põe a comida na mesa, que se pagam as contas e
que se garante a boa vida burguesa que têm. O estilo de vida que se tem e que
se lhes proporciona é agradável, mas é necessário sustentá-lo, porém, o
verdadeiro prazer, o peso e a leveza que se lhe adiciona, o sal e o açúcar da
vida são, muitas vezes, talvez até maioritariamente, encontrados fora da
profissão. Evidentemente, depois, questionam se a mãe não gosta do que faz. E
respondo que sim. Gosto, mas não me é suficiente. Então, arregalam os olhos e
lá dizem que já trabalho tanto, por que razão arranjo outras coisas que também
me dão trabalho. Julgo que compreendem melhor a corrida e a leitura, apesar de
tudo… Quando escreve, a mãe continua em frente ao ecrã. De seguida, surgem as
perguntas difíceis:
-para que serve a poesia?
- Em última instância, para nada. Em primeira
instância, para tudo… A poesia e a literatura em geral: curar almas, trazer
beleza, descobrir sentidos, explicar o ser humano… Aquela que a mãe faz serve
apenas para ela ser um bocadinho mais feliz. É uma urgência que se precisa de
cumprir e um resguardo num mundo que é só da mãe e onde ela gosta de estar. Um
mundo inteiro à sua disposição e de completa liberdade. Talvez a magia das
palavras seja a liberdade que nos permite. Em nenhuma outra casa seremos tão livres
ou teremos a oportunidade de construir mundos e realidades paralelas, de
podermos ser outros, se o quisermos. Gosto desse sabor! Essa é a recompensa.
Uma recompensa trabalhosa e que, por vezes, nos deixa exauridos e vazios,
despojados de nós, mas sempre renovados.
“Nem só de pão vive o Homem” diz o evangelho, a
lembrar a importância do imaterial. Obviamente, num contexto diferente, mas
essa transcendência e espiritualidade advém da palavra, que seria posta num dos
textos fundadores da humanidade e quando o Homem pisou pela primeira vez a lua,
para além das famosas palavras de Neil Armstrong “um pequeno passo para o
homem, um salto gigante para a humanidade”, também foi lida uma passagem do
Evangelho de S. João, por Aldrin, um dos astronautas.
O facto é que a humanidade e a sua história são
registadas e veiculadas pela palavra. A linguagem oral não foi suficiente e
assim surgiu a escrita, uma das invenções mais importantes do ser humano, que
haveria de perpetuar o seu percurso e a sua evolução pelos séculos vindouros. É
pela palavra que se constrói o ser e o dinheiro não tem lugar nisso.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário