Cobaias e experimentalismos
Um
destes dias, no fórum que a TSF costuma promover a propósito de temas da
atualidade, onde os cidadãos portugueses têm a oportunidade de exprimirem as
suas ideias e opiniões (a democracia é um sistema político formidável), ouvi
alguém irritadíssimo com os professores, a propósito do regresso às escolas na
próxima segunda-feira.
A
sanha contra o professorado é antiga e ainda um destes dias alertei para o
facto de a bonomia em relação à classe ser sol
de pouca dura, como diz o aforismo. Pois bem, o ilustre cidadão clamava por
uma decisão assertiva por parte dos professores: “Decidam-se – dizia ele – se
de facto querem regressar à sala de aula ou se pretendem ficar já de férias.”
Acontece
que me deslocava de carro e tive de sair no momento e, ainda bem que assim foi,
pois evitei grande parte do agastamento. Ainda não consigo controlar
completamente a minha ira, como gostaria de fazer, contra este tipo de
maledicência ignorante e de enxovalho. Já deveria ter aprendido, pois os
dichotes só nos atingem se o permitirmos. O raciocínio é lógico. Difícil é fazer
o exercício da racionalização, trabalhar racionalmente as emoções que se
apoderam do nosso íntimo e domesticá-las. Nunca é fácil, mas é possível.
Vejamos: só teria motivos para me inquietar se lhe reconhecesse razão nas
palavras, mas não. Nenhuma, logo, deveria ser-me indiferente. Queres regressar
à sala de aula, Sónia Moreira? Sim, quero. Queres ficar já de férias? Não,
apenas quando a elas tiver direito como qualquer profissional. Se assim é, a palavras loucas ouvidos moucos. Então,
porque me irritam profundamente? Essencialmente, pela injustiça que não tolero.
Meu
caro senhor, mesmo que os professores não regressassem à escola, não estariam
de férias! Aliás, muitos de entre nós não regressarão, mas continuam a
trabalhar. E trabalham muito! Todo o país percebeu que os professores continuam
a lecionar a partir de casa. Porquê a pergunta insidiosa?! Porquê este
desrespeito contínuo para com uma classe que protege os seus alunos mais do que
algumas famílias? Os cidadãos não sabem ou sequer imaginam a frequência com
isso acontece. Somos nós, professores, a linha da frente para esses miúdos.
Somos nós que lhes lemos a preocupação, descobrimos problemas e tentamos
resolver, ajudar, com apoio de outras entidades ou dentro da própria escola.
Somos tantas vezes pais, mães, amigos, psicólogos e também professores desses
meninos. Não sabe quem não quer ver, mas deixe que lhe esclareça a dúvida tão
pertinente quanto maldosa que o preocupa. Os professores querem regressar, sim,
mas em segurança (parece que se esquecem, mas muitos de nós também são pais) e
mesmo que o regresso presencial não fosse uma realidade, as aulas continuariam
a ser lecionadas. Se há aulas à distância que funcionam bem é com estes alunos
desta faixa etária e que têm objetivos a curto prazo para cumprir: a entrada na
universidade. Já agora, o cidadão que é tão sensível ao problema dos estudantes
e que deseja, certamente, o bem deles, perguntar-lhe-ia, se pudesse, o
seguinte: já imaginou o que acontece se um aluno de uma turma se vê infetado
com o coronavírus? Já pensou que esse jovem corre o risco, juntamente com toda
a turma, de nem sequer poder realizar o exame? Já pensou no absurdo da
situação? Obrigar o aluno e professores a um regresso extemporâneo com vista à
realização de um exame e ser essa mesma obrigatoriedade o impedimento da sua
realização? Não lhe parece kafkiano? Ou vai dizer que não lhe tinha ocorrido
tal? Naturalmente, só equaciona os mais diversos cenários quem conhece por
dentro a realidade das coisas, portanto, nitidamente, não sabe do que fala.
Todos nós preferíamos que nada disto tivesse acontecido. As escolas e os seus
professores foram capazes de implementar o Ensino à Distância sem qualquer
diretriz do Ministério. Quando essas chegaram, já os planos estavam em marcha!
É com muito orgulho que os professores podem afirmar terem feito um enorme
esforço, que representou muitos dias de 10 a 12 horas de trabalho, entre
reuniões, preparação de atividades, preparação dos equipamentos (bens pessoais
que os professores põem ao serviço dos seus alunos e da escola, como computadores,
telemóvel e Internet, mas que nenhum outro funcionário põe ao serviço da sua
empresa) com as aplicações necessárias, numa aprendizagem autodidata rápida,
para responder com celeridade e qualidade ao novo desafio que se impunha. Não é
o desejável, porque nada pode substituir a interação do professor com os seus
alunos e a empatia criada, nada substitui o contacto direto. Nenhuma máquina
pode substituir a pessoa, mas dadas as circunstâncias e apesar das dificuldades
que as escolas tiveram que superar, encontrou-se a solução. Agora, que o mais
complexo está conseguido e que a estrutura logística está funcional, o
(des)governo insiste em aulas presenciais, apenas para conseguir uma amostra de
um possível cenário epidemiológico em meio escolar! Para conseguir os seus
intentos, apercebendo-se de que os pais ficam obviamente preocupados com os
filhos, possibilitam a justificação de faltas, para se algo correr mal, poderem
lavar as mãos. Apesar de faltar a liturgia de Domingo de Ramos, a lição está
bem estudada! No entanto, alertam para o facto de as faltas poderem prejudicar
os alunos! Haja paciência! Nenhum professor digno desse nome penalizaria um
aluno por isso, porque sempre nos ensinaram que quando as causas são imputáveis
ao aluno ou em caso de dúvida, seja ele sempre beneficiado! Como mãe, nestas
circunstâncias não mandaria um filho para a escola, havendo a possibilidade de
continuar a aprender a partir de casa, sem necessidade de correr riscos, e,
principalmente, a um mês das aulas terminarem!
Quanto
a mim, regressarei ao exercício das minhas funções, apreensiva com a situação,
mas feliz, apesar de tudo. Regressarei com o profundo desejo de que nada aconteça aos meus finalistas de 12º ano para
conseguirem efetivamente realizar os exames de que necessitam e dar início a
uma nova etapa, que será tão importante para as suas vidas.
Porém,
lamento, porque realmente, como diria a famosa personagem do Herman José, o
Diácono Remédios, não havia necessidade…
Nina
M.
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