Amor, filhos e o trabalho
-
Mamã, mãe ! (Os meus filhos já
misturam as duas versões…)
-
Diz! (Sai-me com algum enfado, depois de já ter
respondido a alguns trezentos chamamentos, enquanto trabalho…)
Continuo a trabalhar sem erguer os olhos do
computador e ouço o Rodrigo, que de natureza mais reservada, é menos dado a
manifestações de afeto. Aceita as minhas e às vezes encosta a sua cabeça ao meu
braço, como o gato que se esfrega no dono, à espera do carinho.
- Sabes? Eu
amo-te muito e olha, quando fizeres anos, vou oferecer-te um livro, mas vou ser
mesmo eu, com o meu dinheiro.
Normalmente, não permito que gastem o dinheiro todo
que lhes oferecem pelas datas especiais. Às vezes, lá permito que comprem algo
que lhes possa ser útil. Quero que percebam que se comprarem tudo quanto veem,
não sobrará dinheiro para o que é verdadeiramente necessário. Não se deve
gastar só porque se tem em inutilidades, mas em coisas das quais se precise
verdadeiramente ou que contribuam para o nosso desenvolvimento.
- Obrigada,
filho. Também te amo muito. Mais do que possas sequer imaginar e acabaste de me
dar um presente. Não precisas de me comprar um livro.
- Pois… Às vezes
não vale a pena… Tu lês depressa e passado pouco tempo já acabaste e depois…
Olha, fica lido…
- Sim… Porém,
quando se gosta muito de um livro, ele fica sempre connosco, na nossa memória e
pode ser relido as vezes que quisermos e sempre que olhar para ele
lembrar-me-ei de ti…
Deixei-me ficar a
olhar para ele, embevecida e espantada do amor súbito tão espontaneamente
manifestado e sem pruridos.
Os portugueses têm algumas comichões para dizerem o
que sentem aos filhos. À medida que eles crescem, o amor não deixa de ser
sentido, mas deixa de ser divulgado, como que envolvido por uma capa de pudor. Há
um amor envergonhado que se sente e que se expressa nos comportamentos, mas que
não é dito com a palavra. Tornamo-nos adultos de amor envergonhado. Se não formos
nós, os progenitores, a afirmarmos sem hesitações o amor que lhes sentimos,
quando crescerem, sentirão esse entrave. Procuro combater esse amor calado.
Normalmente, o beijinho de boa-noite, é acompanhado da palavra amorosa. E sabe
tão bem ouvir! E dizê-la também! O dia foi salvo naquele instante. Um dia de
nervoso miudinho, fruto da chuva e do confinamento sem sol, que me enlouquece,
fez sentido naqueles segundos. O meu filho mais difícil, menos expansivo, mas
que me deixa orgulhosa também, salvou o dia. Deitei-me sorridente, a pensar que
mal ele sabe que o amor da mãe não tem medida ou se tem será a sua existência,
porque abdicaria dela todos os dias só para garantir que cresce bem e em
equilíbrio.
Naturalmente, a irmã, mais pequenita, mais
espevitada e mais desbragada, tratou de me fazer também a suas declarações
amorosas, normalmente, mais abundantes e constantes.
Os meus pequenos heróis que se mantêm em casa sem
reclamações. Têm a sorte de haver uma rua quase só para eles, onde podem
brincar ao sol e continuar a dar uso às bicicletas e trotinetas, no final das
suas atividades escolares. O Eduardo Sá escreveu um artigo, lembrando as
crianças que seguem as rotinas, dentro do possível, sem grandes reclamações e
acatando o que lhes é dito, tendo também que se adaptarem a uma nova realidade.
Sem qualquer sombra de dúvida e, mesmo tendo a mãe em teletrabalho, incapaz de
lhes dar todo o apoio de que necessitam, porque à mesma hora se encontra a
apoiar outros meninos, lá se vão fazendo gente, a ganharem cada vez mais a sua
autonomia e a promoverem o seu crescimento. Nem tudo é perfeito e, às vezes, já
aconteceu de ficarem umas tarefas por cumprir ora por esquecimento e falta de
organização ora por falta de destreza com as tecnologias. Nessas alturas, surge
sempre a professora zangada com a displicência. Depois de respirar fundo, lá
vou acalmando, mais furiosa comigo do que com os filhos, porque têm de se
orientar sozinhos e apoiarem um ao outro, nestes tempos estranhos, em que
chegamos a estar três, em simultâneo, em aulas síncronas. Obrigada a reconhecer
que se têm portado bem perante as exigências, lá vou alertando para o dever da
responsabilidade. A mãe não consegue gerir sozinha as tarefas escolares deles, as
suas e ainda a casa. Todos têm de ajudar. A eles compete-lhes saber o que devem
fazer em cada dia, sem que seja necessária a minha vigilância, apesar de estar atenta.
Ser filho de professor é algo triste. Há uma
exigência para com eles que os deve massacrar: o culto do brio, da
responsabilidade e do saber estar, onde não queremos que falhem… Porém… São
apenas crianças, com tanto direito a sê-lo como todos os outros.
Assim sendo, já tive que ouvir: “Ah! O teu aluno
não fez o trabalho, porque não te zangas tanto com ele como comigo? Porque não
o pões de castigo?”
Porque não é meu filho e não mora em minha casa e
esse pormenor faz toda a diferença. Para além de que mães exigentes preparam os
filhos para a vida. A mãe até pode ser rabugenta. São-no todas as boas mães.
Desde que vá ouvindo esses “sabes, mãe, amo-te
muito!”, a consciência sossega e penso que alguma coisa devo estar a fazer bem.
Nina M.
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