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sábado, 14 de dezembro de 2019

Crónica de Maus Costumes 159


Inveja e felicidade

                Não tenho paciência nenhuma para tutoriais de youtube, por isso, espanto-me com o gosto da juventude pelos youtubers (filhos incluídos para mal dos meus pecados!) supostos “influencers” da parvalheira e da ignorância. A lei da proporcionalidade funciona bem para eles, porque quanto mais parvos mais seguidores! Há, no entanto, uma exceção: sou capaz de ouvir indefinidamente um pensador brasileiro, historiador de formação, mas um grande intelectual que já devorou muitos, todos os bons livros que cada ser humano deveria consumir e que eu não sei se terei tempo para o fazer. Invejo-o e admiro-o por isso. Sim. A inveja é uma coisa feia, o “pecado envergonhado”, como Karnal lhe chamou no seu programa “Café Filosófico”.
                Dizia, então, Leandro Karnal que poucos são os seres que reconhecem que são invejosos, mas que, na verdade, quase todos nós somos permeáveis a essa emoção. Devemos é estar disso cientes para que a emoção não se torne desregulada e perigosa. Explicava a diferença entre a cobiça e a inveja, na sua perspetiva. A primeira pode ser positiva. Pode significar desejo por alcançar o mesmo que o vizinho e trabalhar para o realizar. No entanto, a inveja é mais perniciosa. Por detrás da inveja estará a incapacidade de o ser humano se regozijar com a felicidade alheia, sobretudo se lhe forem próximos. A inveja é assim o reconhecimento do fracasso próprio por comparação com alguém. O olhar foca-se no outro e não em si mesmo. O outro é sempre o mais inteligente, o mais afortunado, o que possui o que não se tem e tanto se deseja, gerando ressentimento. Desta forma, muita gente se acha muito invejada, mas não se reconhece invejosa. Inveja vem do étimo latino “invidere”, que significa não ver. Ora o invejoso não se vê a si, permanece numa cegueira tola pelo foco que coloca no outro e que, geralmente, considera ser bafejado pela sorte e não um trabalhador esforçado.
“Sabe, Leandro, você hoje está bem. Tem muito sucesso, mas isso passa, viu?!” Ter-lhe-á dito uma amizade, certa vez. Claro azedume pela conquista do amigo! Ao que parece, segundo um estudo americano, a generalidade das pessoas prefere continuar a ganhar menos, desde que os outros ganhem menos do que elas a ver o seu salário aumentado, mas os outros a ganharem salário igual! Parvoíce humana!
 Pensando sobre as reflexões do Karnal, tendo a concordar com ele, embora prefira ser menos cínica. Ele quase não acredita que haja seres límpidos o suficiente para não se deixarem arrastar pela lama dessa emoção. Já eu acredito que ainda há seres suficientemente inteligentes para compreenderem o perigo e a torpeza da inveja e tentarem contrariá-la. Por isso, Leandro, há em mim um misto de pequena inveja e de admiração pelo teu saber, pela tua brilhante capacidade de comunicação, mas não há qualquer desejo para que fracasses, bem pelo contrário! Sei bem que há o atlântico de permeio, logo a condição proximidade para que a inveja floresça não existe, mas ainda assim, gosto de sentir a inteligência vibrante neste planeta! Não será inveja, antes cobiça, talvez dissesses. Talvez seja, porque fico feliz por haver gente que me deixe feliz quando os ouço. Se o Homem se deixa encarniçar por estes sentimentos como poderá ser feliz? Centremo-nos no que verdadeiramente importa. Combatamos todos os cinismos, cobiças e invejas. Não sejamos cegos e tenhamos a capacidade de nos olharmos e procurarmos fazer o melhor de nós, sem comparações.
Talvez possa deixar como solução a fórmula de Edgar Morin: “Para mim o problema da felicidade é subordinado àquilo que chamo de  ‘o problema da poesia da vida’. Ou seja, a vida, a meu ver, é polarizada entre a prosa – as coisas que fazermos por obrigação e não nos interessam para sobreviver - E  a poesia – o que nos faz florescer, o que nos faz amar, comunicar. E é isso que é importante.  Então, eu digo que o verdadeiro problema  não é a felicidade. Porque a felicidade é algo que depende de uma multiplicidade de condições e eu diria mesmo o que causa a felicidade é frágil, porque, por exemplo, no amor de uma pessoa, se essa pessoa morre ou vai embora, cai-se da felicidade à infelicidade.
[…] Em outras palavras, não se pode sonhar com uma felicidade contínua para a humanidade. É impossível porque a felicidade, repito, depende de uma soma de condições. Então, pelo outro lado, o que se pode dizer, pode-se tentar favorecer tudo o que permita a cada um viver poeticamente sua vida e, se você vive poeticamente você encontra momentos de felicidade, momentos de êxtase, momentos de alegria e, na minha opinião, é isso”.
É isso sim, porque tudo o que vale a pena é poesia e do que ela se faz. O sabor dos dias que não se perdem no vazio e na ausência de sentido, nem que seja por um breve momento.

Nina M.

               





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