Deambulações
Hoje, ao pôr o
filho mais velho a estudar (o eterno castigo!), vejo-o empolgado com assuntos
que se relacionem com o Universo e os seus planetas. Interrogada sobre a
constituição da atmosfera de Vénus, lá respondi que não fazia a mínima ideia,
porque era um assunto que não me interessava muito.
- O quê? Não
gostas desta matéria? Perguntou sinceramente espantado. Tive vontade de lhe
responder que essa matéria desperta tanto a minha curiosidade quanto as rochas
que ele tem de estudar em Ciências, mas não julguei aconselhável, apesar de verdadeiro,
por dever do exemplo.
- De que gostas, então? Quis saber.
- Literatura, poesia, Filosofia, História,
Psicologia, Mitologia… Tudo o que está relacionado com o Homem. Respondi.
- E não queres saber do Universo?
- Se eu fosse capaz de saber o Homem, já seria
muito feliz. Sentenciei.
Não percebeu exatamente o que quis dizer e também não lho expliquei.
Seja como for, hoje teve a perceção de que afinal a mãe também é ignorante e
não se incomoda com as distâncias e períodos de órbitas dos planetas. Os adultos,
afinal, também não se interessam por tudo e desconhecem factos que eles são
obrigados a estudar. Que injustiça! Bem, fiquei a saber que Vénus tem movimento
inverso ao dos ponteiros do relógio, o que não acontece com os outros planetas,
muito provavelmente devido a uma colisão.
- Então, não sabias?
- Não. Isso, não, mas sou bem capaz de te explicar
quem era Vénus (para os romanos) Afrodite (para os gregos) e a paixão que
revelava pelo nosso povo luso devido à coragem, ousadia e também pela língua
que “com pouca corrupção/julga que é latina”.
- Ó mãe, e por que motivo gostas tanto de
histórias?
- Boa pergunta.
Talvez cada narrativa contenha uma busca de sentido, das mais diversas
formas. Vê-lo nas personagens que me parecem de carne e osso cria-me a ilusão
de aprender alguma coisa sobre o Homem. Talvez porque goste de viver em
dimensões paralelas onde ficciono e dialogo com esses amigos que vou fazendo e
me alargam horizontes. Talvez porque a nossa própria vida seja uma narrativa
que nos vamos contando e também aos outros. Uma narrativa que se constrói ao
longo dos tempos, cheia de oscilações já conhecidas dos nossos avoengos. Talvez
porque a humanidade se alicerce nos mitos antigos que são explicação para
algumas das nossas questões. Património fundador da humanidade que o preserva
ao longo dos tempos e o perpassa pela arte. Talvez para compreender que, em
última análise, são os deuses os responsáveis pela forma como a mulher ainda
hoje é entendida: a sedutora perigosa, responsável pelos males do mundo. Ah!
Triste e vilã Pandora que seduziste Epimeteu e que com a tua curiosidade condenaste
a humanidade a padecer de todos os males! Sobejou a esperança. Depois, veio Eva,
a mãe, cuja curiosidade contamina Adão e desafiam as leis divinas. Trouxe o pecado
(símbolo dos males) à humanidade. No entanto, é no ventre terreno da mulher onde
o Verbo se faz Homem, com uma diferença, porém. A eleita é mulher sem mácula! Maria
devolve a dignidade e a candura à mulher, no entanto, torna-a assexuada. A mulher
vê-se mutilada na sua liberdade e a sua concetualização varia entre dois polos:
a sua divinização e a sua diabolização.
- Sabes, filho, não é o Universo nem as suas rotações
que me permitem pensar nestes assuntos.
- E para que serve pensar nessas coisas?
- Na verdade, talvez para nada, mas elas surgem-me sem
que as chame e aninham-se em mim. Obrigam-me a tratá-las com carinho e eu gosto.
- És um bocadinho estranha.
- Eu sei. Já me afeiçoei à peculiaridade.
Nina M.
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