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domingo, 16 de dezembro de 2018

Crónica de Maus Costumes 111


Histórias, Mitos e Humanidade

A História das civilizações é fascinante. Para compreendermos o Homem devemos recuar aos primórdios e tentar reconstruir a sua narrativa. Só assim poderemos entender a importância de alguns mitos na construção da humanidade.
É curioso como a mitologia greco-latina se cruza, por vezes, com mitos cristãos. Foi Prometeu quem criou o Homem com argila e água, depois de o seu irmão Epimeteu ter gasto todos os recursos na criação de todos os animais e não conseguir criar a raça humana. Prometeu dotou o Homem de raciocínio e pensamento e dotou-o das mais variadas aptidões. Zeus zangou-se com a fidelidade de Prometeu aos mortais que criara. Para o aplacar, Prometeu enganou-o. Colocou-lhe duas oferendas à escolha: uma carne de boi selecionada dentro de um estômago repulsivo e apenas os ossos, envoltos numa camada de gordura apelativa. Zeus terá sucumbido ao engodo e a partir desse momento, os humanos ficaram com a carne dos animais que sacrificavam e ofereciam só os ossos. Zeus vingou-se e retirou o fogo aos humanos, mas Prometeu roubou-o, dentro de um caule de funcho e devolveu-o aos homens. Como castigo, Zeus enviou Pandora, também forjada do barro por Hefesto. Ofereceu-a como parceira do Homem. Epimeteu aceitou a oferenda, apesar dos avisos de Prometeu. Pediu a Pandora que nunca abrisse o baú de onde tinha retirado todos os atributos com que tinha dotado os animais, pois não tinha restado nada de bom. Pandora, movida pela curiosidade, não resistiu e abriu o baú, de onde saíram todos os males: doenças, inveja, ganância, os males da humanidade. Fechou-o a tempo de evitar que saísse o mal que acaba com a esperança e, por isso, ainda hoje, o Homem a conserva.
Prometeu foi castigado. Acorrentado no Cáucaso, onde diariamente o seu fígado era devorado por uma águia, durante o dia e se regenerava durante a noite, dada a sua condição de imortal. Condenado a este horror durante trinta mil anos, foi libertado por Héracles, o grego, ou Hércules, o romano, após o cumprimento dos seus doze trabalhos. Substituiu Prometeu pelo Centauro Quíron, igualmente imortal. Zeus tinha determinado que só a troca de Prometeu por outro ser eterno poderia restituir-lhe a liberdade. Como Quíron tinha sido atingido por uma flecha e o seu ferimento não tinha cura, ele estava condenado a sofrer eternamente dores lancinantes. Assim, substituído Prometeu, Zeus permitiu que Quíron se tornasse mortal e perecesse serenamente.
A ideia da construção do Homem com barro do livro do Génesis, não é, portanto, original. Prometeu representa a rebeldia, dando o fogo, símbolo da ciência, do saber, da superioridade, e atribuindo alma aos humanos, tornando-os capazes de criar beleza e arte, o canto, a música e a poesia. Capazes de os dotar de um espírito transcendente, que se assemelha à imortalidade. Cria uma raça à imagem e semelhança dos deuses a quem não quer mais prestar vassalagem em troca de proteção. Não alcançou, porém, a imortalidade. Pandora, qual Eva, que se tenta a experimentar o fruto proibido e arrasta Adão consigo. Marca da desobediência e a quem é atribuída a nudez como castigo. Também o Deus dos Cristãos não deixa passar em branco a ousadia.
Curiosamente, há relatos bíblicos e hebraicos, com referência a uma mulher anterior a Eva. Lilith terá sido a primeira mulher de Adão. Feita de barro, tal como ele e sua semelhante. Porém, Lilith era demasiado independente e com vontade própria. Não se submetia às vontades de Adão e não satisfeita com a vida sexual, em que lhe cabia um papel passivo e tradicional, cabendo-lhe a resignação de se deitar, recusou-o e terá abandonado o paraíso. Juntou-se aos demónios com quem terá procriado com toda a sua liberdade. Não satisfeito, o céu castigou-a, matando diariamente os seus filhos. Desde então, a tradição judaica afirma que Lilith se tenta vingar, matando crianças com idade inferior a oito dias que não são circuncidadas.
Lilith é usada por movimentos feministas com símbolo de liberdade, de independência, do direito ao prazer sexual.
Adão foi contemplado, depois do abandono, com a sua Eva, mais suave e criada a partir da sua costela, depois insuflada com o sopro divino e que o leva a dizer: “Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne” ou noutras traduções “agora sim, esta...”. Também os humanos de Prometeu foram insuflados pelos ventos que lhes atribuíram os espíritos. Lilith encarna a mulher perigosa, demoníaca, que controla o homem e não obedece à sua vontade, portanto, geradora de caos e perturbadora da ordem.
Desconfio que muitos ansiarão pela sua Lilith, mas poucos teriam coragem de viver com uma.
Histórias, mitos e humanidade…
Nina M.

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