Bom senso e bom gosto
O grande revolucionário, hoje, é aquele
que mostra equilíbrio e bom senso. Entre o tudo e o nada deve haver alguma
coisa e entre o céu e a terra, mais do que se possa suspeitar. Hoje, numa
sociedade tão polarizada, o se não és por mim és contra mim vigora, num cerrar
de fileiras surdo e absurdo.
O jovem da
casa, que alcançou há poucos meses o direito de votar, é adepto do ideal
liberal. Confere. Nunca gostou e muito se contorce quando lhe ditam regras que,
de alguma forma, sente como coercivas ao ser. Tenho sempre de lhe recordar que
a Liberdade vem a par da responsabilidade, porque implica escolha e estas,
consequências. Assim, o que nos acontece, de bom e de mau, é fruto das nossas
escolhas, pelo que não adianta tergiversar.
Depois da escolha, exige-se o arcabouço para aguentar as consequências.
Algumas trazem ranger de dentes. Como todo o jovem, é cheio de muitas certezas
e apresenta algumas dúvidas. Tenho de o fazer pensar, constantemente, que no
mundo não existe só o preto e o branco. Como me sabe adepta de políticas
sociais, na área da saúde e estou sempre a lembrá-lo da enorme conquista que
foi e é o nosso SNS, mesmo que esteja em agonia, por isso, temos o dever de o
proteger, assim como defendo uma excelente educação pública, porque não deve
haver nenhum jovem que tenha muita vontade de estudar, mas não o consiga fazer
por falta de recursos ( e ambos podem coexistir com o privado, mas não deve
haver desinvestimento público nestes dois setores), diz-me constantemente que
sou de esquerda. Escusado será dizer que, para ele, o atual Governo é de
esquerda, ao que lhe respondo que para um comunista, o mesmo é de direita. Não
sei dizer exatamente o momento em que os partidos de centro se transformaram,
para uns, em partidos de direita e, para outros, em partidos de esquerda. Eu
sou uma social-democrata de génese europeia. Neste país, temos dois partidos
que representam a social-democracia e que, se fosse noutro país, provavelmente,
já se teriam fundido e as franjas de um e de outro teriam de procurar outros
lugares. Na política, o vazio não existe. Significa que pretendo para o país a
implementação de uma política social responsável, mas que coexista com uma
economia que possa ser fulgurante. Quem não produz pouco tem para dar. A
política social é implementada através dos impostos e todos devemos ser
chamados à nossa responsabilidade, já que os Estados não fabricam dinheiro
quando lhes apetece. São as pessoas que geram riqueza através dos seus
trabalhos. Por isso, é importante haver uma economia de mercado e uma forte
iniciativa privada. Quanto mais produtivo for um país, melhor política social
poderá implementar, mas tem de a implementar ou reforçar de modo significativo,
porque todos somos responsáveis por todos. Assim se vive nos países mais a
Norte da Europa e vive-se muito bem: boa política social aliada a uma economia
forte. Falta cumprir Portugal, neste sentido.
De modo que tenho
de lembrar o meu jovem que a esquerda e a direita não são apenas virtudes ou
defeitos e, precisamente, por isso, há um centro democrático que deve procurar
conjugar o melhor dos dois mundos. E tenho de lhe fazer entender que os
direitos laborais como as oito horas de trabalho, ao invés do laborar até que o
sol se deite, o direito às férias e feriados pagos, entre muitos outros, foram
conquistas da esquerda e que ninguém está disposto a perder. Deve haver, sim,
uma economia produtiva e funcional, mas que não singre por conta de uma
escravização moderna e, por isso, o estado deve ter um papel regulador sem, no
entanto, se imiscuir em demasia ou se tornar demasiado paternalista em relação
aos seus cidadãos. É um equilíbrio difícil e que nem sempre é óbvio e muito
menos fácil de conseguir. No entanto, é preciso haver discernimento para não
sermos arrastados para um lodaçal sem exercício de uma reflexão crítica séria.
Hoje, se
alguém se atreve a dizer que deve haver um maior controlo sobre as pessoas que
entram e de quem o país precisa para trabalhar, para proteção dos próprios
trabalhadores, evitando que caiam em mãos mafiosas e para se saber quem entra,
zelando pela segurança de todos, sujeita-se a ser apelidado de fascista. Os que
defendem a abertura de portas, com regras menos exigentes são apelidados de
esquerda radical, que procura o caos e a anarquia. É fascista quem se mostra
preocupado com questões de segurança e defende as forças de segurança e de
extrema-esquerda os que as criticam; É facho e burguês aquele que aspira a
possuir alguma coisa de seu, que reconhece o valor do empresário, que cria
postos de trabalho e gera riqueza, na sua maioria, o pequeno empresário que faz
pela vida (com o suor dos outros todos podemos bem); comunista ou de extrema-esquerda,
o que se insurge contra o patrão, ainda que possa ter razão.
Entre estes
dois polos andará a virtude e neste mundo, é um verdadeiro ato revolucionário
encontrar-se o equilíbrio. É possível defender-se o imigrante e reconhecer o
seu valor, respeitando-o, mas defendendo uma entrada de acordo com as
necessidades do país e com as condições que o país lhes possa proporcionar; é
possível defender as forças de segurança para que o país continue seguro e
estas sejam reconhecidas, mas exigindo-lhes o compromisso com uma atuação
respeitosa, recorrendo apenas ao uso proporcional da força, sabendo o cidadão
que deve manifestar um comportamento colaborativo. É possível reconhecer o
valor do patronato, mas exigir condições laborais e o patrão valorizar o
trabalhador sem o qual nada seria possível.
O radicalismo na política e na vida
nunca me convenceu. O seis também pode ser um nove, dependendo da perspetiva.
Sempre serei de consensos. Sempre serei um ideal que reconhece a necessidade do
pragmatismo. Na política, tal como na vida, a pitada dos diversos condimentos
será o que lhe dá sabor. Nem só doce nem só amargo. O agridoce é-me agradável. Por
mais equilíbrios e menos polarizações, com rejeição total de quem se manifesta
intolerante, insultuoso e cultivador de ódios.
Resta acrescentar que o centro
democrático tem a sua responsabilidade na insanidade destes tempos, porque não
foi capaz de responder aos desafios, aos ressentimentos e frustrações de
muitos, perdendo-se em joguinhos, malabarismos e aproveitamentos políticos. Depois,
há a franja dos invejosos, imbecis e ignorantes contra os quais a razão nada
pode. Contra esses, apenas o desprezo.
Como escreveu Antero, em resposta a Feliciano
Castilho, na sua carta “Bom senso e bom gosto”: “pela limpeza interior duma
alma que só vê e busca o bem, o belo, o verdadeiro.”
Nina M.
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