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sábado, 25 de outubro de 2025

Crónica de Maus Costumes 439

 

A hora do diabo

               Estes tempos não têm corrido de feição. Esta semana o coração dos portugueses congelou com a notícia do assassinato da mãe de Vagos pelo próprio filho menor.

               Impossível ficar indiferente. Impossível não nos lembrarmos de uma série que passou em certo canal e deixou os pais em estado de alerta. Impossível não nos interrogarmos sobre o que se passa com os nossos filhos.

               Este caso tem contornos distintos… O miúdo não reagiu motivado por uma alteração emocional oriunda de uma situação causadora de conflito, por exemplo, não é produto de uma família desestruturada como tantas que sabemos existir, pelos vistos, era afável com os colegas e bom aluno, mas, aparentemente, tudo foi planeado. O último dado que li sobre o caso apontava para o facto de o menino poder sofrer de um transtorno compulsivo-obsessivo e terá chegado muito ansioso e arrependido ao centro educacional onde vai ficar. Espero que sim, que se verifique essa angústia genuína da criança, porque pode significar que ela, ainda, terá salvação. A mãe, que já partiu, quereria, certamente, que o seu menino tivesse salvação e não fosse um monstro. Se isto não se verificar, a pior das hipóteses, é tratar-se de um caso de psicopatia. Os psicopatas não sentem empatia, por deficiência biológica, e não se arrependem. Não são, contudo, inimputáveis, normalmente, pois têm a consciência do bem e do mal, apenas não estremecem perante este último. O arrependimento poderá ser um sinal positivo para este jovem que, apesar do mal, não pode ser abandonado.

               Não imagino o sofrimento do pai e do irmão que, neste momento, por um lado, têm um filho e irmão causador da tragédia familiar e de toda a dor, mas que em simultâneo, continua a ser o bebé que viram nascer e que terá sido criado com amor. Será uma ambivalência de sentimentos e uma fratura de alma que dilacera e destrói, onde o amor se mistura de modo intrincado com dor. Talvez a certeza de que não se poderá votar ao abandono, mas o terrível sofrimento de saber que aquele menino, ainda imberbe, empunhou friamente a arma e disparou pelas costas. Nada nos prepara para isto. Bastou um momento de trevas num coração e tudo ruiu.

               A mãe, a que partiu, no meio da tragédia, talvez seja a menos infeliz. Não viu quem desferiu o golpe nem o olhar glacial de quem carregou no ventre. Não viu o seu menino contra si, a quem já terá tudo perdoado.

               Resta o vazio e a incompreensão, o pesar, o desejo de que todos, sem exceção, se salvem e consigam sobreviver nos meio dos escombros. Será difícil e muito doloroso. Todos eles precisarão de um apoio silencioso e de muito respeito. Não precisam de condenações nem de julgamentos fáceis. Não precisam de comentários recriminatórios que pululam nas redes sociais. Precisam do nosso pesar e do nosso silêncio, da certeza de que o país chora juntamente com eles as dores de cada um.

               A sociedade precisa de começar a olhar mais atentamente para as suas crianças e os pais, particularmente, de tempo de qualidade com elas, com brincadeiras e conversas, mas também com a imposição de limites. Mais lentidão e menos ecrãs vorazes, mais amor. A sociedade precisa, urgentemente, de amor!

               O meu coração enlutou e o miúdo de catorze anos não me sai do pensamento como se fora meu… Há horas do diabo e a tua, pequeno jovem, foi uma delas. E eu quero tanto que te consigas salvar!

 

Nina M.

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Carta

A ti, meu filho, que desferiste 
O golpe fatal
Não te desculpo, mas perdoo
Uma mãe perdoa sempre tudo
Mesmo morta
Por viver com o coração
Do lado de fora
Que raiva tão fúria se te instalou
Sem que tivesse visto os teus olhos
Flamejantes como setas vorazes
Mas eu perdoo, filho,
A partida sem despedida
Queria saber o momento
Em que não soube ver
A tua ira a tua natureza feroz
Quando se deu tal que não pude perceber?
Responsabilizo-me pela tua escolha
Perdoo-te, filho, mas não me perdoo
Por não ver
Deve ter havido sinais
Um aperto de lábio crispado
Um cenho franzido
Uns punhos cerrados
Uma porta que escapou das mãos violenta
Não vi. Não soube ver.
Perdoo-te, filho,
E prefiro a minha morte
A ter de sobreviver ao desgosto
À dor emaranhada do novelo
À ruína das paredes do meu ser
À falha imperdoável de não ter visto
A sobrevivência é tua
Passares para lá do sangue
Do tiro certeiro à queima-roupa
Da frieza de quem orquestrou um plano
A morte é minha e a sobrevida é tua
Morri no instante em que me quiseste matar
Ainda antes do tiro fatal e depois do amor
Morri-te como quiseste. Sobreviveste-me
E eu perdoo-te, filho, mas não desculpo.

sábado, 18 de outubro de 2025

Crónica de Maus Costumes 438

 

Burcas e opressão

            O país incendiou com a proibição das burcas e os discursos polarizam-se e sobem de tom, num ruído ensurdecedor, perdendo-se a capacidade de ouvir e de refletir sobre o assunto. Eu não discordo da medida, apesar de saber que há constrangimentos.

Entendo haver questões mais urgentes e que exigem debate na Assembleia. Eu gostaria, sobretudo, que os deputados refletissem sobre os motivos que fazem com que o país não consiga incrementar a produção de itens de valor acrescentado, de modo a melhorar o nosso PIB para, de seguida, poder distribuir o dinheiro e aplicá-lo no Estado social. Sem dinheiro não há Estado Social de qualidade e, por isso, os serviços públicos como o SNS e a Escola pública agonizam. Há entendidos que dizem que Portugal tem capacidade para o poder fazer, que basta gizar uma estratégia bem conseguida, direcionada a três ou quatro produtos, por exemplo, no âmbito da Inteligência Artificial e das energias renováveis, para pôr a economia a mexer positivamente ao invés de se apostar apenas na prestação de serviços e turismo. Urge melhorar a capacidade produtiva do país e, por isso mesmo, é preocupante que o número de estudantes universitários tenha baixado. É fundamental investir no conhecimento e na educação para que as ideias surjam, garantindo as condições necessárias aos empreendedores para que o país se torne mais rico e, assim, consiga combater mais eficazmente as assimetrias sociais. Estas são as grandes questões que ao longo de séculos Portugal não soube resolver e me entristecem, mas não me perguntem por soluções… Não estudei economia.

O parlamento ocupou-se, porém, das burcas e o caldo entornou. Quase toda a esquerda votou contra e toda a direita votou a favor da lei da proibição. Não obstante, a esquerda fez questão de deixar claro que considera o uso obrigatório da burca inadmissível, por se tratar de um atentado à liberdade da mulher, mas votou contra uma proibição que não foi suficientemente refletida. Poderá ser, mas parece-me que o voto contra não é tanto pelo desacordo em relação ao assunto em si, mas pelo facto de a proposta ter saído de um grupo pouco escorreito e que não é propriamente amigo da mulher. Muitos deles ainda guardam saudosamente o ideal de mulher prendada, dedicada às delícias da cozinha e aos filhos e, naturalmente, absolutamente devota do marido, sem grandes ambições profissionais e pessoais e, se possível, que a sua maior qualidade seja entender que o marido tem sempre razão e a esposa existe para o servir. Eu sei disto e acredito que a maioria dos portugueses o saiba. Reina, portanto, o populismo, a propaganda e a hipocrisia. No entanto, a intenção com que se propõe não torna, necessariamente, a medida descabida. Compreendo o argumento que alerta para uma possível maior submissão da mulher, que passará a ser impedida de sair de casa por estas comunidades. Esse comportamento abusivo é crime e enquadrará, talvez, a moldura penal de violência doméstica, no entanto, as mulheres dessas comunidades nunca irão denunciar os seus maridos, quer por receio das retaliações quer por uma submissão cultural que acatam, já resignadas, fruto da opressão que sempre lhes foi imputada. Se, no mundo ocidental, o patriarcado ainda se faz sentir, principalmente, nas gerações mais velhas, o que dizer destas culturas absolutamente fechadas e castradoras da vontade das mulheres. Basta olhar para as punições violentas e inaceitáveis perpetradas contra as mulheres que saem à rua sem o tradicional lenço a cobrir o cabelo, em determinados países de religião muçulmana. Para mim, é óbvio: a aceitação advém de uma imposição opressiva e violenta feita ao longo dos tempos com manipulação religiosa à mistura. Por isso mesmo, é inadmissível que o admitamos num Estado democrático e de direito.

As razões de segurança são válidas, ainda que, neste momento, o problema não se faça sentir no país, no entanto, tem de haver coerência no que se legisla. Se os vidros dianteiros de um veículo não podem ser fumados (é expressamente proibido fazê-lo), precisamente, para se poder ver o rosto dos seus ocupantes, não me parece legítimo permitir que se ande de rosto tapado, seja quem for. Aliás, numa situação que exija a confirmação de identidade, ninguém o consegue fazer com alguém que tapa completamente o rosto. A aplicação de uma discriminação positiva não me parece de bom senso, neste caso.

Fundamentalmente, entendo (esta é a principal razão para estar de acordo com a proibição) que uma sociedade laica, livre e democrática não deve permitir comportamentos opressivos e violadores da liberdade da mulher e que comprometem a sua autodeterminação e o seu reconhecimento enquanto ser igual ao homem, nos seus direitos e deveres. A proibição é dirigida a uma peça de vestuário que apenas é a evidência da opressão, humilhação, coação e controlo que o homem exerce sobre a mulher. A burca não é um símbolo religioso e não é imposto pela religião, mas antes pelo homem tão inseguro e tão covarde que precisa de subjugar para se sentir superior. O culto religioso não lhes é proibido (o Estado é laico), o uso do lenço e de roupas largas, discretas e compridas também não lhes é vedado. Estão no seu pleno direito. De modo que não vejo em que a lei possa ser atentatória contra a liberdade individual, muito pelo contrário, estimula o sentido crítico e desperta consciências para o pleno direito de ser. Assim, a discordância que assenta no princípio de que não se está a respeitar a cultura de uma determinada comunidade pode ser falacioso. Lembro que a prática de excisão de clítoris, para muitas comunidades africanas, é entendida como normal e advém de uma cultura, mas é uma prática que não podemos nem devemos aceitar, porque se trata de uma mutilação feminina que pode provocar a morte e que impugna, desde logo, uma vivência saudável e plena da sexualidade a que a mulher tem direito. Significa que as opressões ao abrigo de uma cultura não devem ser toleradas. Tolerá-las significa perpetuar práticas, significa cair num relativismo cultural exagerado, que protege comportamentos atentatórios contra os Direitos Humanos. Anular a mulher perante a sociedade, obrigando-a a esconder-se totalmente por debaixo de um pano, atenta contra o seu direito de ser livre.

Tolerar a opressão é tornar-se opressor. Tal como afirmou Edmund Burke, há sempre um limite além do qual a tolerância deixa de ser uma virtude”.

 

Nina M.

 

 

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Leve como a brisa a queimar como sol de verão

Ainda que as ruínas do mundo
Os seus projéteis e ferozes ataques
Queiram a destruição
De quem passa como quem paira
Como quem sabe que o seu mundo é outro

Passa leve como a brisa
E queima como o sol de verão
Sabe ser chuva de outono na melancolia
E o poema em folha branca

O poema que não serve para nada
Mas transtorna a alma
Estranho às hipocrisias alheias
Às coisas pequenas e mesquinhas

Assim passa o poema e o dono
De alma altiva
Leve como a brisa e a queimar
Como sol de verão
A molhar como a chuva de outono
A despir as árvores
A pintar as suas folhas

Assim passa quem se sabe
Alheio ao que renuncia
E se por um segundo, um só segundo,
Todas as dúvidas assaltarem o coração
Vê-se por outros olhos
A sua poesia
E deixa que o mundo passe sem abalo 
Sem estugar o passo
Leve como a brisa e a queimar
Como o sol de verão



sábado, 11 de outubro de 2025

Crónica de Maus Costumes 437

 

Flotilha e Nobel

A atualidade tem sido dominada por dois temas que deixam as redes sociais em polvorosa pela polarização de opiniões que desencadeiam e por dois comportamentos de ideais opostos que, afinal, se tocam. O mais incrível é nenhuma das fações perceber que se iguala ao outro.

Começarei pela flotilha de Mariana Mortágua, também de Sofia Aparício e de Miguel Duarte. Relativamente aos dois últimos, ambos são ativistas habituais, com visibilidade maior para o Miguel Duarte, conhecido pelo seu trabalho ligado a missões civis de resgate de migrantes, no Mediterrâneo. Sei que já escrevi uma crónica a propósito, a louvar-lhe o bom coração e a generosidade. A Sofia Aparício, pelo que se sabe, também costuma marcar presença em certas manifestações em defesa de causas que considerará pertinentes. A polémica gerou-se com a participação de Mariana Mortágua. Uns consideram que procedeu mal, porque ao participar na missão, deixou de cumprir com as suas responsabilidades no Parlamento e para isso foi eleita deputada, pelo que só se quis fazer notar. Para outros, Mariana terá agido em conformidade com a sua consciência e o seu coração. A partir destas duas visões antagónicas, o caldo entornou e, obviamente, passou-se ao exagero. No meio de tudo isto, andará a virtude. Acredito que Mariana terá agido em conformidade com a sua consciência e com a minha também. Netanyahu já tinha ultrapassado os limites há muito e ninguém mais aguentava ver o extremo sofrimento do povo palestino, em especial, o horror passado pelas crianças. É importante, porém, salientar que o povo palestino estava refém de dois demónios: um exterior, o presidente de Israel e o pernicioso inimigo vindo de dentro, o Hamas. Este grupo terrorista que os usa como escudos, que os executa à luz do dia se alguém se atreve à mínima oposição e lhes confisca os bens, fruto da ajuda humanitária que lhes ia chegando, sempre mal e insuficiente. É bom não nos esquecermos de que se o Hamas tivesse um pingo de decência e de preocupação para com o seu próprio povo, talvez, as coisas não se tivessem extremado tanto. Afirmar isto, não iliba Netanyahu da matança cometida e, se houver alguma decência neste mundo, ele e Putin, um dia, responderão no Tribunal Penal Internacional (TPI) pelas suas ações.

De modo que a Mariana Mortágua não pensa diferentemente da maioria ao falar do genocídio em Gaza e está a ser injustiçada quando alegam que ela não condena o Hamas. É falso. Uma pesquisa rápida pela Internet comprova isso mesmo. Em 18 de outubro de 2023, há uma notícia em que Mortágua condena ambos os países, defendendo a autodeterminação do povo palestino, que tem o mesmo direito que os ucranianos. Eu não sou fã da Mariana, nunca votei e não votarei Bloco de Esquerda, mas nesta matéria concordo inteiramente com ela. No conflito israelo-palestiniano, a responsabilidade é dividida por ambos os povos: a existência dos colonatos, por um lado e da Fatah e, recentemente, do Hamas pelo outro. Um imbróglio de difícil resolução. O atual cessar-fogo não me convenceu totalmente, mas vamos ver o que se seguirá. Por isso, não entendo toda a celeuma em torno da Mariana, que fez o que lhe pediu o coração. Se entendo que a flotilha teve alguma importância no desenrolar dos acontecimentos? Nem por sombras. Todos os que lá iam e nós, que ficamos, sabíamos que Israel não ia autorizar a passagem da flotilha. Já Greta Thunberg tinha sido barrada. Se a ação foi importante para alertar para o que se estava a passar? Não… A menos que as pessoas sejam cegas, surdas e mudas, as televisões mostravam em horário nobre os acontecimentos. Portanto, na minha opinião, foi uma operação inócua e que não contribuiu para nada, mas o facto de ser assim não me concede o direito de maltratar a Mariana, de brincar com petições a pedir que Israel não a devolva à procedência. Estes documentos públicos são um exercício sério de democracia e de liberdade e não devem ser usados de forma leviana e jocosa. Também acredito que os ativistas sabiam, minimamente, com o que contavam. Foram detidos, é certo, mas a comunidade internacional assistia e Israel não iria querer prejudicar, ainda mais, a sua imagem no mundo. Para além de tudo, Israel é um Estado democrático e de direito, ainda, e espero que não se deteriore com a presença dos extremistas israelitas, de quem Netanyahu está refém e que são tão maus quanto o Hamas (também é preciso dizê-lo). Foi, assim, com alguma segurança que estes ativistas partiram para lá, também é bom saber-se disso. Foi um gesto válido, que implicou uma certa coragem, mas não uma coragem desmedida. Essa seria necessária para seguir até ao Iémen ou até ao Sudão, por exemplo. E não faltaria por onde escolher. Façam o seguinte exercício: procurem na Internet por países onde vigoram autocracias e aparecerá uma lista de 89 países distribuídos por listas intituladas de autocracias duras, autocracias moderadas e regimes híbridos. Significa que não faltam territórios esquecidos, a terra de ninguém que todos ignoram e onde seria urgente intervir e dar a conhecer.

Assim, a polémica em torno de Mariana não passou de um “fait divers” e de politiquice matreira para a qual não tenho paciência. Deixo, porém, um alerta: a defesa dos palestinos não deve servir de todo para o reacender de um sentimento antissemita nos países europeus. Há muitos israelitas que se opõem à política de Netanyahu. Tal como a maioria dos palestinos não é terrorista, também a maioria dos israelitas não é extremista. Ver queimar livros em praça pública porque se discorda do ponto de vista de Henrique Cymerman, com quem tantas vezes o Papa Francisco falava, é de uma ignomínia indescritível, de gente tão acéfala e fanática quanto aqueles que criticam.

Agora, a prémio Nobel Maria Corina Machado. Em primeiro lugar, é uma mulher; depois, é muito corajosa. Poderia estar noutro país, mas escolheu ficar na Venezuela, sabendo que se os esbirros do Maduro a apanham, tão cedo não vê a luz do sol, na melhor das hipóteses.

Não falta gente de esquerda descontente com a atribuição do prémio Nobel da Paz a Corina, alegando que ela pediu uma intervenção militar contra o próprio país e acusando-a de ligações perigosas a Netanyahu e a Trump, ou seja, de querer incentivar a guerra no seu país. Que raciocínio mais torpe e mais cego! Estes são os mesmo que defendem a flotilha de Mariana contra a opressão que Israel exerce sobre a palestina, mas não reconhecem o ativismo de uma mulher que luta pela liberdade no seu próprio país, desde os tempos de Chávez até ao momento atual em que Maduro mata o próprio povo à fome e o deixa na miséria. E a responsabilidade não é dos embargos dos EUA. É de um sistema político autocrático onde a corrupção, o crime, o cartel, a opressão, a má política económica e o silenciamento da oposição se fazem sentir. Esta mulher corajosa tem a força, a integridade de se opor a tudo isto e gente tonta entende que ela não merece o prémio. A mesma gente que tece loas a Cunhal e a outros pelo combate ao fascismo! Em que ficamos? O combate pela liberdade é sempre sinónimo de paz ou só é válido se for contra as autocracias de direita, porque de esquerda já não interessa?!

Não me venham com o argumento de ingerência externa, porque ninguém é tão ingénuo para não saber que a queda de uma ditadura só se faz com o apoio das forças armadas e estas, normalmente, estão ao serviço dos chefes de estado que untam muito bem as mãos e os beiços aos seus generais para que estes mantenham a ordem no quartel. Portanto, ou acontece de o movimento começar a corroer por dentro das forças armadas, mas de forma a saberem que têm apoio que os possa auxiliar ou as ditaduras perpetuam-se. Esses dois pulhas (Chávez e Maduro) aproveitaram-se da democracia para a derrubarem e se perpetuarem no poder. Não foi para isso que o povo os elegeu. Os venezuelanos não querem Nicolás Maduro. As fortes suspeitas de fraude nas últimas eleições confirmam-no, mas os canalhas são sempre canalhas. Legitimamente, se Corina Machado puder contar com o apoio de Trump para libertar o seu povo da ditadura, aproveitá-lo-á, porque se esperar pelas forças armadas do seu próprio país, compradas a peso de ouro, esperará uma vida eterna e sem sucesso. Depois, se verá, em democracia, o caminho a seguir. Para já, Corina fala numa transição segura e pacífica de um regime autocrático para um regime democrático. Assim seja.

Parabéns, Corina. Faço votos para que esse Maduro e todos os que o rodeiam e contribuíram para o desastre económico da Venezuela e para a opressão dos venezuelanos sejam rapidamente destituídos. Faço votos para que a democracia e a liberdade vençam sempre, sempre!

Não há boas ditaduras, venham elas de onde vierem e não há paz onde não houver liberdade, portanto, quem luta pela liberdade luta pela paz. Prémio bem atribuído.

 

Nina M.

 

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Terra de ninguém

A fome e o cansaço  
A angústia e o desespero
A água com sal em copo baço
Um sorriso em olhos tristes
Em equilíbrio sobre escombros

Ao longe o deserto a aridez e a poeira
Sonho longínquo de mar aberto
De rotas de viagens e descobertas
Apenas alegria sepultada

Sempre amanhece e sempre anoitece
Ergue-se o sol e deita-se a lua
O dia entra na noite
Como quem entrega a alma
Depois da perda

As fontes secam
E a água cristalina é miragem
Quem ouvirá o choro e acudirá?
Quem te lancará a mão 
Terra de ninguém?

sábado, 4 de outubro de 2025

Crónica de Maus Costumes 436

 

Democracia e Liberdade

               A semana tem decorrido com arruadas e debates, na disputa pelo executivo autárquico. Felicito todos os candidatos, e faço votos para que todos eles estejam na disposição de cumprirem com honra a missão para a qual vierem a ser eleitos.

               O tempo de campanha deve servir para o diálogo profícuo, a troca de ideias, a apresentação do projeto que se pretende desenvolver à frente da edilidade, com a comunidade e para ela. Seria tempo de diálogo sereno entre intervenientes que, eventualmente, se conhecem e se devem respeitar.

               As autárquicas têm uma característica particular : a maioria das pessoas já não olha aos partidos nem ao voto útil, mas ao candidato, de quem se espera a capacidade de fazer política de proximidade. Os futuros presidentes de câmara não se devem fechar nos gabinetes sem contactar com a realidade, para não padecerem do mesmo mal do governo central. O afastamento entre os políticos e o cidadão comum cava o fosso entre a população e a política, aumentando a perceção errónea e injusta de que a maioria dos políticos apenas se pretende servir a si mesmo e não os cidadãos. A perceção do país que habitamos parece-me distinta, quando se trata do político e do vulgar compatriota. Para o primeiro, o rosto de Portugal apresenta um rosto mais lavado, jovial e enérgico e para o segundo, um velho doente sem cura à vista. Entre uma visão e outra andará a realidade. Por essa razão, os autarcas são importantes.

A generalidade dos cidadãos talvez se preocupe mais com as faturas da água e dos resíduos que lhe chegam a casa, com a acessibilidade dos transportes, com a celeridade de licenças e outras diligências de que necessitam para a sua vida quotidiana e com os apoio para a revitalização de associações desportivas e culturais do que com a doideira dos líderes mundiais que insistem em fazer do mundo um lugar inóspito e pouco recomendável. Porém, é num pequeno canto em que vivemos e, por mais empático que se possa ser e também consciente, as nossas pequenas dores parecem sempre maiores do que as grandes dores de um mundo enorme e longínquo. Assim, o autarca deve conhecer bem a realidade dos seus munícipes e ser capaz de articular com as entidades que lhes prestam serviços e apoios, nomeadamente, as Juntas de Freguesia, a quem, em primeira instância, as pessoas se dirigem. É absolutamente essencial que todos os políticos e, em especial, os autárquicos, tenham respeito fundamental pela democracia e saibam ouvir em modo de escuta ativa o que os seus opositores têm a propor e a recomendar. Eles têm a representação que outros eleitores do mesmo município, igualmente merecedores de respeito, lhes confiaram. Assim, não é positivo quando o vencedor não sabe escutar nem consegue dialogar com verdadeiro espírito democrático e até encontrar convergências. Este é o principal problema da política : muitos advogam uma democracia que, depois, não praticam. Nunca serei capaz de entender e nem de relevar que não se chegue a consensos em matérias em que a visão estratégica não é, de todo, antagónica. Vislumbro apenas má-vontade, má-fé e sanha política. O vencedor não quer admitir que aproveitou a ideia de um adversário nem proporcionar a oportunidade para que este se vanglorie disso e este, por sua vez, não quer ceder a sua tão prezada ideia ao opositor, para a usar como troféu em debates e discussões. Enquanto duram estas guerras de alecrim e de manjerona, perde o cidadão.

Às vezes, acontecem situações deploráveis na política local : pessoas que recebem ameaças, pelo simples facto de se identificarem com outros ideais, perseguições e retaliações, com trejeitos de autoritarismo, porque alguém não cedeu a pressões do poder, assembleias em que o objetivo passa a ser o ataque usado como arma de arremesso em vez do diálogo construtor de pontes. Nunca ninguém faz tudo bem que não possa ser melhorado e nunca ninguém faz tudo mal que não possa ser emendado.

Tudo isto existe, tudo isto é triste e tudo isto poderá não ser fado, se o político quiser. Boa sorte para os candidatos. Vencerá aquele que os munícipes elegerem no sufrágio. Depois de fechadas as urnas e contados os votos, vença a democracia e a liberdade, trabalhem todos os eleitos em prol de ambas e dos seus conterrâneos. Se não forem capazes disso, saibam que não passam de fraudes travestidas de hipocrisia e, tal como Padre António Vieira, que sugere que se lance fora como inútil o pregador que não cumpre com a sua missão de servir a Cristo, não será diferente com nenhum outro ofício, principalmente, com o político que não cumpre com a missão de servir o cidadão, já que político vem de « politicus», aquele que tem por missão organizar a « polis », vulgo, cidade.

Dia 12 de outubro, os ventos da democracia cobrirão o país.

 

Nina M.