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sábado, 27 de setembro de 2025

Crónica de Maus Costumes 435

 

               A perda de um amigo

               A crónica era para ser outra, mas será esta. Soube da partida de um amigo. De alguém que já não via há mais de vinte anos, mas com quem ia mantendo algum contacto esporádico.

            Havia quase um acordo tácito: o Zé faz anos a 9 de junho e eu a 13, pelo que invariavelmente, eu, primeiro, endereçava-lhe os meus parabéns e, poucos dias depois, recebia os seus. Acontecia o mesmo pela ocasião do Natal, em que os votos de um Santo Natal eram endereçados. O Zé gostava de postais antigos de Natal, que ia publicando na sua rede social. Em 2022, recebi uns votos de Santo Natal mais alongados e trocámos mais umas palavras. Creio que o Zé já estaria doente, mas não mo disse. Falou-me das adversidades da vida que o foram acinzentando e, em boa hora, durante a conversa, tive a oportunidade de lhe agradecer a sua “crença” em mim. Afirmou sentir-se orgulhoso por estar ligado ao início da minha escrita pública. Em 2023, renovaram-se os votos habituais e, em 2024, veio o silêncio. Não recebi as habituais mensagens. Estranhei um pouco, mas a vida de todos é tão corrida… Poderia ter sido esquecimento, qualquer impedimento… Não insisti. Não sou de incomodar, mas talvez deva começar a incomodar mais, nalgumas circunstâncias… Em maio deste ano, soube da doença que o carcomia por dentro e da luta que travava há já quatro anos. Hoje, chegou a notícia que não queria ter recebido.

Querido Zé… Onde estiveres, a crónica de hoje é para ti.

Ontem, durante os milhões de pensamentos que nos assolam ao longo de um dia, apareceste-me num deles, Zé. Talvez fosse uma despedida... Só para contextualizar quem lê, este eterno amigo foi o responsável pela minha escrita, de forma pública. Convidou-me para colaborar no jornal que fundava, em 2001, com textos de minha autoria. Eu era uma gaiata, de 24 anos, a caminho dos vinte e cinco. Lançou-me o repto como quem sabe o que faz, sem ter lido qualquer linha que eu pudesse ter escrito. Sugeri que convidasse outra colega, que não sabia se teria essa capacidade. Respondeu-me que se quisesse a outra pessoa, lhe teria falado. Fizemos um acordo: eu escreveria um primeiro texto e ele dava-me a sua palavra de que só o usaria se entendesse que teria qualidade para poder ser publicado. Foi desta forma que no Viver Valpaços, para além das notícias locais, havia espaço para a rubrica literária. Mais colegas se juntaram ao fadário. A partir dessa altura, mensalmente, seguia a minha contribuição, durante os três anos de vida do jornal. Só de me lembrar que, na altura, não tinha computador e escrevi vários textos à mão, que depois foram digitados por algum copista! Talvez o próprio Zé, já não me lembro! Sei que foram dois ou três textos assim. Entretanto, terei comprado o meu primeiro computador e começou a dança das disquetes. O Zé lá arranjava forma de vir buscar (trabalhei dois anos em Chaves) ou de fazer chegar a disquete por intermédio de alguém, até a Internet se ter difundido mais e os textos seguirem por e-mail.

Se não fosse pelo Zé, hoje, não haveria Crónica de Maus Costumes, blog, poesia e contos… É mais do que justo este agradecimento público e congratulo-me por lho ter feito chegar em tempo útil. O Zé António que recebia os novos colegas com um sorriso afável, com simpatia e disponibilidade. Um homem extremamente culto, que se interessava por literatura, mas também por História, com um sentido de humor acutilante e uma pontinha de ironia afiada, por influência queirosiana, autor de que gostava. O professor de inglês, que se matriculou, primeiramente, em Português/ Francês, mas que achou que os pouquíssimos rapazes da turma não lhe assentariam como pares e, portanto, mudou-se para o inglês, língua mais máscula. Por sua sugestão, li a Criação do Mundo, de Miguel Torga, verdadeiramente delicioso, tal como me afiançou!

As almas que nos tocam são assim… Guardamos sempre um pedaço bom de memórias connosco. O meu amigo Zé, com o seu quê de D. Quixote, o irrepreensível “perfect british gentleman”, epíteto pelo qual, habitualmente, o tratava.

Fica bem, Zé. Até sempre.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

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