Memórias
Dia cheio de
vivências e memórias. Regressei à cidade onde estagiei, vai a caminho dos 28
anos. Lamego. Encravada entre terras montanhosas, defendida pelo seu castelo
altaneiro, ora tomado pelos cristãos ora tomado pelos mouros. Terra de pouco
sossego e palco de muitas lutas.
Ir a lamego
é recordar a escola da Sé, ainda que não tenha lá entrado. Continua amarela,
voltada ao riacho, virada para o seminário cor de rosa. Pisei, porém, o liceu,
a Latino Coelho. Ir a Lamego é recordar o padre José Abrunhosa (o padre Zé),
meu orientador de estágio, de Português, e a professora Cristina, de Francês,
com quem tanto aprendemos. Olho para o portão de entrada ou de saída da escola
(conforme a perspetiva) e ouço, ainda, o porteiro a barrar-me a saída, por me
ter confundido com uma aluna ou, ainda, um certo desprezo da senhora do bar que
afirmava ser impossível distinguir se eram professoras ou alunas, pois
vestiam-se de forma semelhante. A calça de ganga era nossa amiga, mas sempre usávamos
uma bota. A indumentária era casual, mas não totalmente desportiva… Que
aborrecimento! Miúdas professoras que se enfiam em calças de ganga, em vez de
preferirem umas de corte clássico e uma blusinha branca, como manda o figurino…
A ganga ainda, hoje, bem mais velha, já com algumas rugas e sem qualquer
possibilidade de ser confundida com uma aluna, faz parte do guarda-roupa. Há gostos
que não se perdem… Passar na Secundária da Sé é lembrar-me da aula em que me
encostei ao quadro, em demasia, e consegui rasgar as calças pela costura lateral.
Valeu-me a simpatia de um miúdo, o Hugo, se a memória não me falha, que
prontamente cedeu a camisa que vestia por cima da t-shirt para a professora
colocar à cinta. Escusado será dizer que não fui ao bar, nesse dia. Uma
professora de ganga custa, mas ainda se engole, mas de camisa amarrada à cinta,
já seria um abuso!
Passei pelo
prédio que habitei e pela casa que nos tentaram impingir em que para ir para o
quarto dos fundos tínhamos de passar por todos os outros. A privacidade era uma
regalia cara e quando usamos esse argumento para não alugar a casa,
esfregaram-nos sem complacência que esses luxos eram para o seu filho, que era professor…
Esbugalhamos os olhos e todos confirmamos, quase em uníssono que também éramos
professores e que íamos trabalhar para a escola da Sé… Incredulidade foi a
resposta que obtivemos. Relembrei o senhor Luís, dono do café ao lado de casa e
nos tratava por “as minhas nininhas.”
Enfim… Lamego
é a amizade que fizemos com o Júlio, de Geografia, tão novato naquelas andanças
quanto nós, parceiro de aventuras, desventuras e muitas alegrias. É um ano
vivido em comum, com os amigos do estágio, a partilhar casa, com muito trabalho
e espírito de entreajuda. Um ano a aprender no terreno, a aprender a ensinar e
a educar. Um ano em que a profissão de professor era reconhecida, valorizada,
respeitada e imprescindível.
“Isso é para o meu filho que é
professor!” O orgulho deste pai em ter um filho professor… Vinte e sete anos
volvidos e o reconhecimento social esfarelou-se. Quiseram esboroar por dentro o
ofício. Se mo tivessem dito, naquela altura, parecer-me-ia impossível que
viesse a acontecer.
Lamego, para mim, é, por isso, mais
do que a Senhora dos Remédios, ainda que lá tivesse chegado no dia um de
setembro e aguentado as festividades ao longo de um mês inteiro. Quando nos
queríamos sentir professoras, à séria, sempre podíamos subir os Remédios e ir
tomar um café ou um chazinho ao hotel.
Na altura, o meu salário era de quinhentos
euros e, com ele, pagava casa, luz, água, transporte, alimentação e sobrava
dinheiro (sempre fui poupadinha).
Lamego marca o início da vida adulta,
com muito sangue na guelra e uma juventude a jorrar por todos os poros.
Há lugares que habitamos, onde a vida
aconteceu que sempre farão parte de nós. Lamego sempre ficará na memória e
sempre será um marco. Bela cidade.
Nina M.
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