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sábado, 13 de setembro de 2025

Crónica de Maus Costumes 433

 

Memórias

 

            Dia cheio de vivências e memórias. Regressei à cidade onde estagiei, vai a caminho dos 28 anos. Lamego. Encravada entre terras montanhosas, defendida pelo seu castelo altaneiro, ora tomado pelos cristãos ora tomado pelos mouros. Terra de pouco sossego e palco de muitas lutas.

            Ir a lamego é recordar a escola da Sé, ainda que não tenha lá entrado. Continua amarela, voltada ao riacho, virada para o seminário cor de rosa. Pisei, porém, o liceu, a Latino Coelho. Ir a Lamego é recordar o padre José Abrunhosa (o padre Zé), meu orientador de estágio, de Português, e a professora Cristina, de Francês, com quem tanto aprendemos. Olho para o portão de entrada ou de saída da escola (conforme a perspetiva) e ouço, ainda, o porteiro a barrar-me a saída, por me ter confundido com uma aluna ou, ainda, um certo desprezo da senhora do bar que afirmava ser impossível distinguir se eram professoras ou alunas, pois vestiam-se de forma semelhante. A calça de ganga era nossa amiga, mas sempre usávamos uma bota. A indumentária era casual, mas não totalmente desportiva… Que aborrecimento! Miúdas professoras que se enfiam em calças de ganga, em vez de preferirem umas de corte clássico e uma blusinha branca, como manda o figurino… A ganga ainda, hoje, bem mais velha, já com algumas rugas e sem qualquer possibilidade de ser confundida com uma aluna, faz parte do guarda-roupa. Há gostos que não se perdem… Passar na Secundária da Sé é lembrar-me da aula em que me encostei ao quadro, em demasia, e consegui rasgar as calças pela costura lateral. Valeu-me a simpatia de um miúdo, o Hugo, se a memória não me falha, que prontamente cedeu a camisa que vestia por cima da t-shirt para a professora colocar à cinta. Escusado será dizer que não fui ao bar, nesse dia. Uma professora de ganga custa, mas ainda se engole, mas de camisa amarrada à cinta, já seria um abuso!

            Passei pelo prédio que habitei e pela casa que nos tentaram impingir em que para ir para o quarto dos fundos tínhamos de passar por todos os outros. A privacidade era uma regalia cara e quando usamos esse argumento para não alugar a casa, esfregaram-nos sem complacência que esses luxos eram para o seu filho, que era professor… Esbugalhamos os olhos e todos confirmamos, quase em uníssono que também éramos professores e que íamos trabalhar para a escola da Sé… Incredulidade foi a resposta que obtivemos. Relembrei o senhor Luís, dono do café ao lado de casa e nos tratava por “as minhas nininhas.”

            Enfim… Lamego é a amizade que fizemos com o Júlio, de Geografia, tão novato naquelas andanças quanto nós, parceiro de aventuras, desventuras e muitas alegrias. É um ano vivido em comum, com os amigos do estágio, a partilhar casa, com muito trabalho e espírito de entreajuda. Um ano a aprender no terreno, a aprender a ensinar e a educar. Um ano em que a profissão de professor era reconhecida, valorizada, respeitada e imprescindível.

“Isso é para o meu filho que é professor!” O orgulho deste pai em ter um filho professor… Vinte e sete anos volvidos e o reconhecimento social esfarelou-se. Quiseram esboroar por dentro o ofício. Se mo tivessem dito, naquela altura, parecer-me-ia impossível que viesse a acontecer.

Lamego, para mim, é, por isso, mais do que a Senhora dos Remédios, ainda que lá tivesse chegado no dia um de setembro e aguentado as festividades ao longo de um mês inteiro. Quando nos queríamos sentir professoras, à séria, sempre podíamos subir os Remédios e ir tomar um café ou um chazinho ao hotel.

Na altura, o meu salário era de quinhentos euros e, com ele, pagava casa, luz, água, transporte, alimentação e sobrava dinheiro (sempre fui poupadinha).

Lamego marca o início da vida adulta, com muito sangue na guelra e uma juventude a jorrar por todos os poros.

Há lugares que habitamos, onde a vida aconteceu que sempre farão parte de nós. Lamego sempre ficará na memória e sempre será um marco. Bela cidade.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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