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sábado, 20 de setembro de 2025

Crónica de Maus Costumes 434

 

             Para que a verdade não nos destrua

               Ouvia-me o Rodrigo, o meu mais velho, a falar sobre Valter Hugo Mãe e pergunta : « olha…para a mãe, esse é como se fosse o Cristiano Ronaldo para mim, não é ?! Só que dos livros… Continuas sem ganhar um tostão… Sei lá, mãe, podias criar assim uma casa de escrita que desse para vender, para fazeres dinheiro… »

            Sorrio das parvoíces dele e da sua ingenuidade… Lá lhe digo que não faltam editoras que ganham mais com as impressões do que com vendas. Por detrás da sua observação está a sua incapacidade para compreender a mania da mãe, que insiste em escrever, que faz do sábado à noite um ritual, para poucos a lerem e sem qualquer compensação material. Por mais que lhe tente explicar que há apelos de alma inexplicáveis e necessidades para serem cumpridas que estão longe do materialismo, para ele não faz qualquer sentido.

Talvez os outros jovens, na sua maioria, pensem da mesma forma. O mundo moderno sucumbiu ao materialismo e ao utilitarismo. Tudo deve ser financeiramente compensatório e ser útil. Qualquer atividade ou bem que não cumpra estes requisitos não tem serventia. Um mundo onde impera o consumo e a avidez, onde se cria a falsa necessidade de possuir aquilo de que não precisamos, mesmo sabendo que entraremos no ocaso em solidão. O nascimento e a morte são muito democráticos: atingiu-nos a todos da mesma forma - nascemos e partimos sem nada trazer e sem nada levar. Porém, na correria dos dias, não há tempo para se ter tempo e desacelerar para olhar o céu, as árvores e as flores… Para se olhar a si mesmo…

Nenhum espírito se sacia, apenas, com matéria e nenhum vazio se preenche com aquisições. Nem só de pão vive o homem. Acrescentaria que quem vive só de pão já nem vive, mas ainda não descobriu. A satisfação que o bem material aporta é efémera e passageira, mas o imaterial que alimenta a alma é substancial, sublime e eterno. O homem eleva-se pela arte, transcende-se pelo espírito traduzido na sua criação e com ela fixa a eternidade.

Essas manifestações, muitas delas, agregam um valor incalculável. Impossível fixar um preço pelo David de Michelangelo ou pelos frescos da Capela Sistina, património da humanidade e, no entanto, não têm utilidade pragmática para as sociedades, mas quem sobre elas poisa o olhar jamais pode evitar o espasmo de assombro, a sensação de saber estar perante algo maior que atravessa os tempos.

“A arte existe para que a verdade não nos destrua”; “Somente a arte pode tranfigurar a desordem do mundo em beleza e tornar aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida”, afirmou Nietzche. Na verdade, o homem cria para se salvar, em última instância. Para atribuir um sentido, combater absurdos e solidões, demónios e tristezas, para se expurgar das misérias (sempre muitas) com que se confronta…

Verei se me lembro de responder, quando me voltarem a perguntar, para que serve, afinal, a arte… Não mais direi: para nada e para tudo. Antes responderei: para que o homem se salve e se aproxime da ideia de Deus.

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

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