Para que a verdade não nos destrua
Ouvia-me o
Rodrigo, o meu mais velho, a falar sobre Valter Hugo Mãe e pergunta : « olha…para
a mãe, esse é como se fosse o Cristiano Ronaldo para mim, não é ?! Só que
dos livros… Continuas sem ganhar um tostão… Sei lá, mãe, podias criar assim uma
casa de escrita que desse para vender, para fazeres dinheiro… »
Sorrio
das parvoíces dele e da sua ingenuidade… Lá lhe digo que não faltam editoras
que ganham mais com as impressões do que com vendas. Por detrás da sua observação
está a sua incapacidade para compreender a mania da mãe, que insiste em
escrever, que faz do sábado à noite um ritual, para poucos a lerem e sem
qualquer compensação material. Por mais que lhe tente explicar que há apelos de
alma inexplicáveis e necessidades para serem cumpridas que estão longe do
materialismo, para ele não faz qualquer sentido.
Talvez os outros jovens, na sua
maioria, pensem da mesma forma. O mundo moderno sucumbiu ao materialismo e ao
utilitarismo. Tudo deve ser financeiramente compensatório e ser útil. Qualquer
atividade ou bem que não cumpra estes requisitos não tem serventia. Um mundo
onde impera o consumo e a avidez, onde se cria a falsa necessidade de possuir
aquilo de que não precisamos, mesmo sabendo que entraremos no ocaso em solidão.
O nascimento e a morte são muito democráticos: atingiu-nos a todos da mesma
forma - nascemos e partimos sem nada trazer e sem nada levar. Porém, na correria
dos dias, não há tempo para se ter tempo e desacelerar para olhar o céu, as
árvores e as flores… Para se olhar a si mesmo…
Nenhum espírito se sacia, apenas, com
matéria e nenhum vazio se preenche com aquisições. Nem só de pão vive o homem. Acrescentaria
que quem vive só de pão já nem vive, mas ainda não descobriu. A satisfação que
o bem material aporta é efémera e passageira, mas o imaterial que alimenta a
alma é substancial, sublime e eterno. O homem eleva-se pela arte, transcende-se
pelo espírito traduzido na sua criação e com ela fixa a eternidade.
Essas manifestações, muitas delas, agregam
um valor incalculável. Impossível fixar um preço pelo David de Michelangelo ou
pelos frescos da Capela Sistina, património da humanidade e, no entanto, não
têm utilidade pragmática para as sociedades, mas quem sobre elas poisa o olhar
jamais pode evitar o espasmo de assombro, a sensação de saber estar perante
algo maior que atravessa os tempos.
“A arte existe para que a verdade não
nos destrua”; “Somente a arte pode tranfigurar a desordem do mundo em beleza e
tornar aceitável tudo aquilo que há de problemático e terrível na vida”,
afirmou Nietzche. Na verdade, o homem cria para se salvar, em última instância.
Para atribuir um sentido, combater absurdos e solidões, demónios e tristezas,
para se expurgar das misérias (sempre muitas) com que se confronta…
Verei se me lembro de responder,
quando me voltarem a perguntar, para que serve, afinal, a arte… Não mais direi:
para nada e para tudo. Antes responderei: para que o homem se salve e se aproxime
da ideia de Deus.
Nina M.
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