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sábado, 14 de junho de 2025

Crónica de Maus Costumes 425

 

18 anos de ti !

               Eu tenho a felicidade de partilhar o dia de nascimento com o meu filho mais velho. Gosto que Fernando Pessoa tenha nascido a 13 de junho e que seja dia de Santo António (neste caso, dia da morte. Nos santos assinala-se o dia da morte, certamente, porque representa a ressurreição, a passagem para uma nova forma de vida). Santo António era um orador exímio, como tão bem imortalizou o Padre António Vieira e é um santo que tem uma biografia apelativa e uma história de vida fascinante. De modo que não poderia ter melhor data para nascer do que o 13 de junho, porque sou ladeada por dois vultos maiores das palavras e eu gosto delas…

            Porém, meu filho, mais do que apreciar a coincidência do dia do meu nascimento com estas duas figuras maiores, gosto ainda mais de ter a sorte de partilhar este dia contigo. Um dos dias mais felizes da minha vida e o outro será também a data de nascimento da tua irmã. Tu foste o primogénito, abriste o caminho para o mundo desconhecido e desafiante da maternidade e eras um bebé muito bonito ! A adolescência estraga-vos um pouco, mas paciência, são as dores do crescimento. De modo que, ontem, eu celebrei o meu aniversário, o teu e ainda o aniversário de mãe de primeira viagem. Três razões para celebrar. Discretamente e em intimidade como gostamos (eu e tu). Também preferes que não haja grande algazarra e enquanto prezares a companhia da casa, dos avós, dos tios e dos primos, esforçar-me-ei para que, por mais difícil que seja o dia, como ontem, a data não passe em claro. Foi um aniversário especial : eu atingi o meio século e tu a maioridade. A mãe não tem peneiras nem pruridos em dizer a idade. Primeiro, está bem conservada, depois, independentemente de tudo, não adianta fazer-se de conta que não se tem a idade que contamos. Não podemos mudar isso. Há que aceitar o facto de não podermos travar o tempo e, sobretudo, esforçarmo-nos por envelhecer bem, mantermo-nos ativos e termos sempre sonhos e objetivos para realizar. Não têm de ser grandiosos. Pode ser apenas conquistar mais tempo de qualidade para nós, por exemplo. Parece simples e é tão difícil, com os afazeres e a responsabilidade que a vida nos traz ! Vais aprender isso, um dia…

            Não pretendo, porém, falar de mim. Nem gosto muito de o fazer. Prefiro registar o privilégio de caminhar ao teu lado há dezoito anos. Sabes filho, mesmo que já não tivéssemos mais tempo juntos, o percurso até aqui já teria valido a pena. Já teria justificado a minha existência e os meus dias. És um jovem (não posso dizer menino, agora. Talvez não gostes, ainda que no mais fundo do meu coração, continues o meu menino de sempre) e, como todos os outros jovens, tens muito mais certezas do que dúvidas. És de convicções firmes e é difícil, por vezes, desconstruir crenças ou ideias que já formaste. Há, porém, uma qualidade que te reconheço e que anseio que não percas : quando não estás muito seguro e estás a tentar encontrar o teu caminho, conversas. Nem que seja para tentar contrariar tudo quanto a mãe te diz e testar a solidez de todos os argumentos. Conversas e vais ouvindo e eu espero, um dia, colher os frutos. Para já, não és um jovem estouvado e gostas do teu sossego. O coração de mãe pede para que assim continues e assim te possa guardar… Garanto que a casa é tão melhor do que qualquer outro lugar ! No entanto, também sei que há lugares muito apelativos que vais querer descobrir e, quando tiver de ser, voarás, sem restrição da tua liberdade, mas fá-lo com passos seguros e firmes.

Para isso, eu gostaria muito que lesses Fernando Savater, Ética para um Jovem. Podes descarregar o PDF, mas talvez a mãe to deixe, como quem não quer a coisa, em cima da tua secretária… Pode ser que aos vinte e cinco sintas vontade de o ler, por o teres ali, sempre à mão e a curiosidade ou o aborrecimento bater à porta. Vou só dar-te um lamiré… O autor escreveu para o seu filho, Amador, mas sem pretender passar qualquer lição de moral, apenas fazê-lo refletir e pensar sobre certas questões, numa linguagem simples, acessível e bem-humorada. Filosofia ao alcance de todos… Dizer-te que ele, o autor, não pretende ser amigo do filho. É pai e não quer aborrecer mais o filho do que o habitual, como qualquer família decente faz, e narra a história de um petiz, filho de um amigo, de 5 anos que, ao ver o mar com o pai, pergunta-lhe se podem passear num barco, juntamente com a mãe. O pai afiança que sim, feliz com a ideia do miúdo, para depois este confidenciar que quando chegassem a alto mar, atiraria os dois borda fora, porque toda a gente sabe que os pais dão cabo da vida dos filhos… Vês como não será aborrecido ? Talvez já tenhas sentido vontade de me deitar borda fora, algumas vezes. Se não o sentiste, provavelmente, não fiz o meu trabalho bem feito. Possivelmente, continuas a sentir, de cada vez que a mãe te lembra a responsabilidade que deve, obrigatoriamente, acompanhar a idade ; de cada vez que a mãe te lembra a importância da escola que detestas, mas reconheces precisar ou te relembra da matemática que te obrigam a saber e que abominas. Preferias ficar duas horas a olhar para uma parede, sem poder fazer nada, a estudá-la, dizes, mas… É o que tem de ser. A vida, muitas vezes, não é do nosso agrado. No entanto, como vês, foste capaz de terminar esta primeira etapa. Faltam os exames que não te deixo esquecer… Não quero que fiques com vontade de me largar em alto mar ou de me deitar de um avião, neste momento…

Apenas desejo que faças o teu caminho e que tenhas uma vida boa. Sabes bem, porque conheces a mãe o suficiente, que não me refiro a bens materiais excessivos, apenas desejo que disponhas do suficiente para uma vida agradável, mas a vida boa não é apenas a confortável, mas aquela que poderá justificar a tua existência e dar-te um sentido. Não há vida boa sem escolhas éticas e sem a construção de uma ética pessoal que pode ou não albergar princípios religiosos e morais, costumes ou tradições. Terás de ser tu a descobrir o caminho, a fazeres as tuas opções, enfim, a tomares a vida nas tuas mãos, porque como já conversámos, ou escolhes tu ou outros escolherão por ti. Não controlamos tudo, mas há sempre uma fatia que é de nossa responsabilidade e é com essa que nos devemos preocupar. Quanto ao que nos excede ou ultrapassa, o que não tem remédio, remediado está.

            Na verdade, quero apenas acompanhar o teu percurso sem assistir a grandes quedas, ainda que saiba que não posso nem devo proteger-te de tudo e estar ao teu lado, a gargalhar e em silêncio, se tiver de ser, viver o suficiente para acompanhar a tua vida e a tua rebeldia e teimosia silenciosas (reconheço-as bem). Pretendo continuar a dar-te vontade de me atirares ao mar até ao momento em que possas voar sem auxílio. Sou tua mãe. Pari-te no meu aniversário e foste o meu melhor presente de sempre. Pretendo continuar a viagem maravilhosa que temos feito juntos, passando por paisagens verdejantes e planas, junto ao mar calmo e montanhas íngremes de caminhos estreitos. No entanto, o céu continua a ser o limite e está lá, à espera que o visites.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

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