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sábado, 15 de junho de 2024

Crónica de Maus Costumes

 

Violência doméstica

               Olho ao redor. Vejo mulheres fortes, corajosas, decididas, são elas os pilares de uma casa. Persistem no que acreditam e, apesar do cansaço que as atinge tantas vezes, não baixam os braços.

Mesmo quando o homem é o único provedor da casa, a mulher é a sua estrutura. O homem desespera perante as dificuldades, alguns tornam-se agressivos, grosseiros e insuportáveis, mas a mulher, com a sua paciência infinita e a sua calma milenar, passada de geração em geração, por meio de uma cultura de subjugação e de autossacrifício vai levando a água ao seu moinho, devagarinho. Eram assim as mulheres da minha infância. Fortes e com uma paciência resignada treinada, sempre prontas a encontrar desculpas para os maridos que as destratavam, principalmente, quando chegavam a casa com demasiado álcool no sangue…

Havia uma desgraçada que já sabia que nas noites em que o marido chegasse com o grão na asa a casa teria uma cena de pancadaria. Tem mau vinho, dizia… E tudo ia suportando abnegadamente… Um dia cansou-se. Tudo cansa. Na noite que o marido saiu para o café e já sabia o que a esperava, mudou de estratégia. Nessa noite, preveniu-se e quem apanhou foi ele. Não lhe guardou o respeito e teve o atrevimento de se defender, o que não foi difícil, dado o estado ébrio da figura. Abençoada decisão. Nunca mais o sacripanta lhe voltou a bater. As mulheres eram tratadas como saco de boxe demasiadas vezes e, apesar disso, nunca lhes passava pela cabeça a separação… Ou passaria, não sei… Se tal ideia lhes ocorria, raramente era concretizada, apesar do abuso. Vários fatores o podem explicar: a dependência económica, a vergonha associada a uma separação, naquele tempo, e a dependência emocional. O vínculo estabelecido com marido, na maioria dos casos, o único homem da vida delas, dificultava a decisão. É muito difícil quebrar uma ligação afetiva de anos… Talvez pensassem que todos os homens seriam assim, que a violência lhes corre nas veias contra as suas mulheres, aquelas que lhes põem a comida na mesa, lhes lavam e passam a roupa, lhes cuidam dos filhos e ainda lhes aturam os seus apetites. Eram relacionamentos absolutamente desiguais em que um dá tudo o que tem e o outro apenas recebe e paga com ingratidão e violência. A tudo se sujeitavam.

O mercado de trabalho veio equilibrar um pouco mais as forças. A mulher não é tão dependente economicamente, mas muitas continuam dentro de relações abusivas, tóxicas, absolutamente violentas quer física quer psicologicamente. Questiono-me sobre o que pode levar uma mulher independente, que ganha o seu autossustento, inteligente, suportar o desvario, continuar a tentar equilibrar uma relação desequilibrada e doentia. O amor. Pensarão alguns.  Não. O amor não agride e não devemos permitir que nos maltratem. É mais complexo. Eu sei. Normalmente, há modelos erróneos de amor do tempo de infância e que se perpetuam. Se a criança aprendeu que o amor é violência, irá repetir o processo ao longo da vida e toda a relação em que a agressão esteja ausente não vai ser entendida como amor, porque o modelo a que se habituou contemplava-a.

            O melhor que podemos fazer pelas nossas filhas, para ir quebrando os elos que continuam a aprisionar as mulheres, é ensiná-las a não aceitar um relacionamento tóxico, ensinar-lhes que o amor cuida, não agride. Fornecer-lhes bons exemplos e bons modelos. Portanto, o pai que se preocupa com a filha, em primeira instância, trata muito bem a mãe, para que a criança aprenda o que deve querer para si.

            A dependência emocional não é positiva, quando nos leva o amor-próprio e a autoestima, mas no mínimo, a existir, que seja por alguém que nos cuide, que nos ame e que nos trate com toda a dignidade que merecemos. Será o mínimo exigível para que se aceite continuar um relacionamento. Gostaria que as mulheres, normalmente, tão melhores do que os homens, são elas os alicerces de um lar e a cola do amor, reunissem toda a sua coragem para ditar as suas regras e fazer parar a vertigem violenta do macho acossado.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

 

           

 

 

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