Violência doméstica
Olho ao redor. Vejo mulheres fortes,
corajosas, decididas, são elas os pilares de uma casa. Persistem no que acreditam
e, apesar do cansaço que as atinge tantas vezes, não baixam os braços.
Mesmo quando o homem é o único
provedor da casa, a mulher é a sua estrutura. O homem desespera perante as
dificuldades, alguns tornam-se agressivos, grosseiros e insuportáveis, mas a
mulher, com a sua paciência infinita e a sua calma milenar, passada de geração
em geração, por meio de uma cultura de subjugação e de autossacrifício vai
levando a água ao seu moinho, devagarinho. Eram assim as mulheres da minha
infância. Fortes e com uma paciência resignada treinada, sempre prontas a encontrar
desculpas para os maridos que as destratavam, principalmente, quando chegavam a
casa com demasiado álcool no sangue…
Havia uma desgraçada que já sabia que
nas noites em que o marido chegasse com o grão na asa a casa teria uma cena de
pancadaria. Tem mau vinho, dizia… E tudo ia suportando abnegadamente… Um dia
cansou-se. Tudo cansa. Na noite que o marido saiu para o café e já sabia o que
a esperava, mudou de estratégia. Nessa noite, preveniu-se e quem apanhou foi
ele. Não lhe guardou o respeito e teve o atrevimento de se defender, o que não
foi difícil, dado o estado ébrio da figura. Abençoada decisão. Nunca mais o
sacripanta lhe voltou a bater. As mulheres eram tratadas como saco de boxe
demasiadas vezes e, apesar disso, nunca lhes passava pela cabeça a separação… Ou
passaria, não sei… Se tal ideia lhes ocorria, raramente era concretizada,
apesar do abuso. Vários fatores o podem explicar: a dependência económica, a vergonha
associada a uma separação, naquele tempo, e a dependência emocional. O vínculo
estabelecido com marido, na maioria dos casos, o único homem da vida delas,
dificultava a decisão. É muito difícil quebrar uma ligação afetiva de anos…
Talvez pensassem que todos os homens seriam assim, que a violência lhes corre
nas veias contra as suas mulheres, aquelas que lhes põem a comida na mesa, lhes
lavam e passam a roupa, lhes cuidam dos filhos e ainda lhes aturam os seus
apetites. Eram relacionamentos absolutamente desiguais em que um dá tudo o que
tem e o outro apenas recebe e paga com ingratidão e violência. A tudo se
sujeitavam.
O mercado de trabalho veio equilibrar
um pouco mais as forças. A mulher não é tão dependente economicamente, mas
muitas continuam dentro de relações abusivas, tóxicas, absolutamente violentas
quer física quer psicologicamente. Questiono-me sobre o que pode levar uma
mulher independente, que ganha o seu autossustento, inteligente, suportar o
desvario, continuar a tentar equilibrar uma relação desequilibrada e doentia. O
amor. Pensarão alguns. Não. O amor não
agride e não devemos permitir que nos maltratem. É mais complexo. Eu sei.
Normalmente, há modelos erróneos de amor do tempo de infância e que se perpetuam.
Se a criança aprendeu que o amor é violência, irá repetir o processo ao longo
da vida e toda a relação em que a agressão esteja ausente não vai ser entendida
como amor, porque o modelo a que se habituou contemplava-a.
O melhor que
podemos fazer pelas nossas filhas, para ir quebrando os elos que continuam a
aprisionar as mulheres, é ensiná-las a não aceitar um relacionamento tóxico,
ensinar-lhes que o amor cuida, não agride. Fornecer-lhes bons exemplos e bons
modelos. Portanto, o pai que se preocupa com a filha, em primeira instância,
trata muito bem a mãe, para que a criança aprenda o que deve querer para si.
A
dependência emocional não é positiva, quando nos leva o amor-próprio e a
autoestima, mas no mínimo, a existir, que seja por alguém que nos cuide, que
nos ame e que nos trate com toda a dignidade que merecemos. Será o mínimo
exigível para que se aceite continuar um relacionamento. Gostaria que as
mulheres, normalmente, tão melhores do que os homens, são elas os alicerces de
um lar e a cola do amor, reunissem toda a sua coragem para ditar as suas regras
e fazer parar a vertigem violenta do macho acossado.
Nina M.
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