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sábado, 29 de junho de 2024

Crónica de Maus Costumes 380

 

Os professores marcam vidas

            Penso que todos nós tivemos professores que nos marcaram quer pela positiva quer pela negativa.

            Os docentes são, antes mais, seres humanos e, como tal, falíveis. Significa que, como em todos os ofícios, há melhores e piores profissionais. Porém, nenhuma outra classe profissional, exceto jogadores, treinadores e árbitros de futebol, é tão escrutinada quanto o professor e tão apetecível à sanha alheia… Talvez o facto de o mestre passar tanto tempo com os seus alunos possa explicar tal comportamento. Exige-se ao professor aquilo que não se exige ao médico, ao padeiro, ao marceneiro ou ao engenheiro: que entenda a sua profissão como uma missão, que esteja sempre disponível para o aluno e, preferencialmente, que não se atreva a ter um dia mau como todos os outros seres nem a infelicidade de errar…

            No entanto, os professores erram. Falham como toda a gente. É bom que eles mesmos saibam disso, que possivelmente falham todos os dias, porque não são diferentes de ninguém, mas também é preciso que os outros saibam que assim é com toda a gente. Todos falhamos diariamente. Espero e procuro ter a capacidade para refletir e perceber o que não fiz bem e estar recetiva à crítica construtiva. Por isso fazemos formações, para melhoria da prática letiva, que nunca será perfeita, mas que se pretende sempre melhorar, desde que haja abertura de espírito e vontade para isso.

            Tive professores maus, medianos, bons e muito bons, ao longo do meu trajeto. No entanto, o texto de hoje não servirá para falar dos professores que falham, apesar de, certamente, mesmo os muito bons terem falhado também. Serve o texto para prestar homenagem aos professores que contribuíram para aquilo que eu hoje sou. Eles talvez não se tenham apercebido e eu, só mais tarde ganhei essa consciência. Da importância que aqueles professores tiveram para mim. Desde logo, tenho de destacar a minha professora primária (naquele tempo era essa a designação e não primeiro ciclo), logo é o nome que atribuo, a Dona Esperança, que sei que tinha um carinho especial por mim. Foi com ela que fui avançando na arte da leitura e da escrita, das contas também, mas a matemática, nunca me cativou… Depois, obrigatoriamente, no ensino secundário, tenho de referir dois professores, ambos de Filosofia (ainda hoje cultivo apreço pela disciplina e a responsabilidade é deles): o professor João Lima, no décimo primeiro e a professora Celestina, no décimo segundo ano.

            O professor João Lima, falava baixinho. Nunca elevava o tom de voz e conquistava assim o silêncio sepulcral, enquanto caminhava em torno da sala e, sem qualquer manual, papel ou apontamentos perorava sobre Descartes ou o que fosse. Abria a aula com um sumário que, na verdade, era uma planificação com os conteúdos a abordar e que escrevia religiosamente no quadro. A partir daquele momento, o professor João explicava, ia colocando questões aqui e acolá e nós acompanhávamos, escrevendo tudo o que era dito, porque tal como o próprio professor disse no início do ano, o manual seria feito pelos alunos. Foi o primeiro professor que usou aquele método e eu achava extraordinário. E bebia-lhe as palavras, enquanto apreciava a sua desenvoltura discursiva. Eu acho que o professor João fazia umas belas caminhadas enquanto dava aula… Na verdade, ele era um peripatético. Só não o fazia ao ar livre, como aconselharia Aristóteles. Sempre muito calmo e cordial. O professor João Lima não era propriamente próximo dos alunos, no sentido paternal do termo, mas também não era austero. Conseguia, com o seu tom de voz e a sua calma, ter o ambiente propício à aprendizagem. Os testes eram três perguntas escritas no quadro, que não precisávamos de passar para o enunciado e às quais bastava responder. No tempo em que os papéis não eram assim tão importantes e o ensino menos burocrático. Três perguntas davam para encher pelo menos uma folha de teste, mas era normalíssimo precisarmos de segunda… Os alunos gostavam do doutor que tinha uma forma diferente de trabalhar, mas um discurso absolutamente organizado, claro e percetível, sem precisar de qualquer auxílio de memória. Eu achava-o admirável.

            A professora Celestina, minha professora do 12º ano, muito competente e exigente, em todas as aulas nos entregava o resumo da mesma, em fotocópia, ainda que também registássemos o que nos explicava. Também neste ano o manual era feito por nós. Fazia-nos o teste sempre em dois dias (parte um e parte dois) e recuperava sempre a matéria anterior. Coube-lhe a tarefa de nos preparar para a prova de aferição (assim se chamava, mas na verdade era a específica do curso). Isto, porque fui para o curso de Português e Francês um pouco por acaso e num percurso completamente alternativo. Infelizmente, os professores de Português que me calharam em sorte (com exceção da professora do nono ano, e que era contratada) não me tinham feito perceber que eu gostava da disciplina, porque gostava de ler e da Literatura (li integralmente todas as obras obrigatórias). Porém, isso daria outra crónica… Quem sabe um dia destes a conte…

Já na Universidade, as minhas professoras preferidas e as mais competentes serão aquelas de quem a maioria dos meus colegas não podia sequer ouvir falar: Assunção Monteiro (absolutamente irónica, a raiar o sarcasmo) e Henriqueta Gonçalves, austera e severa, mas de uma memória fantástica que a fazia recitar trechos enormes das obras ou poemas com que estivéssemos a trabalhar, tudo de cor… Não eram professoras acessíveis… Porém, eram sumidades na sua cátedra. Estamos a falar da Universidade e dos seus pedestais. Os alunos teriam inclusivamente receio de as abordar, mas eram as professoras ligadas à literatura portuguesa, a minha disciplina favorita. Na Universidade, a paixão pela literatura consolidou-se e, hoje, se houvesse um curso apenas de Literatura, seria aquele que eu, provavelmente, frequentaria. A minha paixão pelo ensino é mais paixão pela literatura do que outra coisa qualquer… Os meus alunos percebem-me o gosto, porque desconfio que os meus olhos brilham quando lhes falo de certos autores e vou notando-lhes alguns sorrisos no rosto. Penso que me devem achar um bocadinho louca, também… A professora gosta de cada coisa… Então, quando insisto que aprender literatura é aprender a ler o mundo!… Sei que ainda não o percebem claramente, mas quem sabe um dia…

            Aos professores que aqui mencionei sou profundamente grata, já agora, não posso esquecer a professora Maria de Lurdes Bastos, a professora que me deu explicações para que eu pudesse fazer a prova específica, já que eu estava no III curso e não tinha a disciplina de Português. De fevereiro a junho, depois de decidir o que queria fazer, analisava textos e poemas, diariamente, e cumpri com o programa de 12º, sem ter aulas. Consegui a segunda melhor nota da Escola Superior de Educação do Porto. Eu tive um 86% e a melhor foi um 88%. Muito trabalho meu e também trabalho da professora.

            Todos eles me marcaram positivamente e me serviram de modelo. Certamente, espelharei a influência de todos. Todos tinham a paixão pela disciplina que ministravam e todos primavam pela competência. A mesma que me esforço diariamente por ter.

 Bem-haja!

 

Nina M.

 

           

 

 

 

 

 

           

 

 

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