Os professores marcam vidas
Penso que
todos nós tivemos professores que nos marcaram quer pela positiva quer pela
negativa.
Os docentes
são, antes mais, seres humanos e, como tal, falíveis. Significa que, como em
todos os ofícios, há melhores e piores profissionais. Porém, nenhuma outra
classe profissional, exceto jogadores, treinadores e árbitros de futebol, é tão
escrutinada quanto o professor e tão apetecível à sanha alheia… Talvez o facto
de o mestre passar tanto tempo com os seus alunos possa explicar tal
comportamento. Exige-se ao professor aquilo que não se exige ao médico, ao
padeiro, ao marceneiro ou ao engenheiro: que entenda a sua profissão como uma
missão, que esteja sempre disponível para o aluno e, preferencialmente, que não
se atreva a ter um dia mau como todos os outros seres nem a infelicidade de
errar…
No entanto,
os professores erram. Falham como toda a gente. É bom que eles mesmos saibam
disso, que possivelmente falham todos os dias, porque não são diferentes de
ninguém, mas também é preciso que os outros saibam que assim é com toda a
gente. Todos falhamos diariamente. Espero e procuro ter a capacidade para
refletir e perceber o que não fiz bem e estar recetiva à crítica construtiva.
Por isso fazemos formações, para melhoria da prática letiva, que nunca será
perfeita, mas que se pretende sempre melhorar, desde que haja abertura de espírito
e vontade para isso.
Tive
professores maus, medianos, bons e muito bons, ao longo do meu trajeto. No
entanto, o texto de hoje não servirá para falar dos professores que falham,
apesar de, certamente, mesmo os muito bons terem falhado também. Serve o texto
para prestar homenagem aos professores que contribuíram para aquilo que eu hoje
sou. Eles talvez não se tenham apercebido e eu, só mais tarde ganhei essa
consciência. Da importância que aqueles professores tiveram para mim. Desde
logo, tenho de destacar a minha professora primária (naquele tempo era essa a
designação e não primeiro ciclo), logo é o nome que atribuo, a Dona Esperança,
que sei que tinha um carinho especial por mim. Foi com ela que fui avançando na
arte da leitura e da escrita, das contas também, mas a matemática, nunca me
cativou… Depois, obrigatoriamente, no ensino secundário, tenho de referir dois
professores, ambos de Filosofia (ainda hoje cultivo apreço pela disciplina e a
responsabilidade é deles): o professor João Lima, no décimo primeiro e a
professora Celestina, no décimo segundo ano.
O professor
João Lima, falava baixinho. Nunca elevava o tom de voz e conquistava assim o
silêncio sepulcral, enquanto caminhava em torno da sala e, sem qualquer manual,
papel ou apontamentos perorava sobre Descartes ou o que fosse. Abria a aula com
um sumário que, na verdade, era uma planificação com os conteúdos a abordar e
que escrevia religiosamente no quadro. A partir daquele momento, o professor
João explicava, ia colocando questões aqui e acolá e nós acompanhávamos,
escrevendo tudo o que era dito, porque tal como o próprio professor disse no
início do ano, o manual seria feito pelos alunos. Foi o primeiro professor que usou
aquele método e eu achava extraordinário. E bebia-lhe as palavras, enquanto
apreciava a sua desenvoltura discursiva. Eu acho que o professor João fazia
umas belas caminhadas enquanto dava aula… Na verdade, ele era um peripatético.
Só não o fazia ao ar livre, como aconselharia Aristóteles. Sempre muito calmo e
cordial. O professor João Lima não era propriamente próximo dos alunos, no
sentido paternal do termo, mas também não era austero. Conseguia, com o seu tom
de voz e a sua calma, ter o ambiente propício à aprendizagem. Os testes eram
três perguntas escritas no quadro, que não precisávamos de passar para o
enunciado e às quais bastava responder. No tempo em que os papéis não eram
assim tão importantes e o ensino menos burocrático. Três perguntas davam para
encher pelo menos uma folha de teste, mas era normalíssimo precisarmos de
segunda… Os alunos gostavam do doutor que tinha uma forma diferente de
trabalhar, mas um discurso absolutamente organizado, claro e percetível, sem
precisar de qualquer auxílio de memória. Eu achava-o admirável.
A professora
Celestina, minha professora do 12º ano, muito competente e exigente, em todas
as aulas nos entregava o resumo da mesma, em fotocópia, ainda que também
registássemos o que nos explicava. Também neste ano o manual era feito por nós.
Fazia-nos o teste sempre em dois dias (parte um e parte dois) e recuperava sempre
a matéria anterior. Coube-lhe a tarefa de nos preparar para a prova de aferição
(assim se chamava, mas na verdade era a específica do curso). Isto, porque fui
para o curso de Português e Francês um pouco por acaso e num percurso
completamente alternativo. Infelizmente, os professores de Português que me
calharam em sorte (com exceção da professora do nono ano, e que era contratada)
não me tinham feito perceber que eu gostava da disciplina, porque gostava de
ler e da Literatura (li integralmente todas as obras obrigatórias). Porém, isso
daria outra crónica… Quem sabe um dia destes a conte…
Já na Universidade, as minhas professoras preferidas e as
mais competentes serão aquelas de quem a maioria dos meus colegas não podia
sequer ouvir falar: Assunção Monteiro (absolutamente irónica, a raiar o
sarcasmo) e Henriqueta Gonçalves, austera e severa, mas de uma memória
fantástica que a fazia recitar trechos enormes das obras ou poemas com que
estivéssemos a trabalhar, tudo de cor… Não eram professoras acessíveis… Porém,
eram sumidades na sua cátedra. Estamos a falar da Universidade e dos seus
pedestais. Os alunos teriam inclusivamente receio de as abordar, mas eram as
professoras ligadas à literatura portuguesa, a minha disciplina favorita. Na Universidade,
a paixão pela literatura consolidou-se e, hoje, se houvesse um curso apenas de
Literatura, seria aquele que eu, provavelmente, frequentaria. A minha paixão
pelo ensino é mais paixão pela literatura do que outra coisa qualquer… Os meus
alunos percebem-me o gosto, porque desconfio que os meus olhos brilham quando lhes
falo de certos autores e vou notando-lhes alguns sorrisos no rosto. Penso que
me devem achar um bocadinho louca, também… A professora gosta de cada coisa…
Então, quando insisto que aprender literatura é aprender a ler o mundo!… Sei
que ainda não o percebem claramente, mas quem sabe um dia…
Aos
professores que aqui mencionei sou profundamente grata, já agora, não posso
esquecer a professora Maria de Lurdes Bastos, a professora que me deu
explicações para que eu pudesse fazer a prova específica, já que eu estava no
III curso e não tinha a disciplina de Português. De fevereiro a junho, depois
de decidir o que queria fazer, analisava textos e poemas, diariamente, e cumpri
com o programa de 12º, sem ter aulas. Consegui a segunda melhor nota da Escola Superior
de Educação do Porto. Eu tive um 86% e a melhor foi um 88%. Muito trabalho meu
e também trabalho da professora.
Todos eles
me marcaram positivamente e me serviram de modelo. Certamente, espelharei a
influência de todos. Todos tinham a paixão pela disciplina que ministravam e
todos primavam pela competência. A mesma que me esforço diariamente por ter.
Bem-haja!
Nina M.
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