Seguidores

sábado, 2 de março de 2024

Crónica de Maus Costumes 363

 

Caminhar e aprender

A semana foi imensamente corrida. Desde quarta-feira acompanho alunos em visita de estudo. Primeiro, ao teatro; depois, nos dois dias seguintes, a Lisboa. Gosto de proporcionar estas experiências aos miúdos, se entendo que eles são merecedores e, talvez, para alguns, fique a experiência de uma vida.

Para muitos, foi a primeira vez que foram a Mafra e a Lisboa e puderam ver ao vivo e a cores alguns dos monumentos mais emblemáticos do país. Visitaram o Convento de Mafra, a começar na basílica e a terminar no palácio, puderam percorrer os corredores com séculos de História, os mesmos que foram percorridos por alguns reis e rainhas do país e apreciar a sua grandeza.

Gosto particularmente das saídas que aliam a descontração à aprendizagem e percorrer a cidade de Lisboa em busca dos locais já referenciados no século XIX, n’Os Maias, pisar o mesmo chão que Fernando Pessoa, ver alguns dos seus objetos pessoais e manuscritos é um privilégio. Talvez eu aprecie mais a atividade do que os próprios alunos, mas seja como for, tenta-se que aprendam de forma mais lúdica. Viram representada a peça Memorial do Convento e que lhes fornece um bom resumo do que é a obra. Os momentos representados em palco são os mais importantes e também objeto de análise na sala de aula. Já vi três obras-primas de Saramago em palco e é importante observar como os caminhos da arte se cruzam. A literatura a originar a representação, mas poderia ser canto ou bailado ou uma amálgama de tudo isso. Nos passeios literários pela capital, os miúdos relembraram a grande obra de Eça, já estudada no ano anterior, até porque o guia foi muito preciso e competente. Talvez até tenha pecado um pouco por excesso, dado o cansaço que os alunos revelavam. Seja como for, foram dois dias de aprendizagem e de consolidação de conteúdos, de forma mais descontraída e atrativa.

Na Casa Fernando Pessoa, o guia mostrava-se algo espantado com o facto de os alunos fazerem tantos quilómetros para usufruírem destas experiências, sobretudo quando ficou a saber que a visita era paga pelos próprios. Esclareci que para alguns encarregados de educação, a visita constituía um esforço financeiro. Parecia incrédulo e felicitou-nos pela iniciativa. Respondi que tentávamos que eles aprendessem de maneira diferente, que tentávamos proporcionar-lhes atividades culturais às quais, de outra forma, não teriam acesso, enfim, tentávamos dar-lhes um pouco de mundo, porque a escola também serve para dar mundo. Olhou-me sério, nos olhos, sorriu e respondeu: “sem dúvida”.

A primeira vez que fui a Lisboa também foi numa visita de estudo, na disciplina de História, e nunca mais esqueci. Estive nos Jerónimos, na Torre de Belém e na Assembleia da República. Faltou palmilhar pela baixa lisboeta, mas a experiência foi marcante, tal como será para muitos alunos que agora levei. Quem sabe não ficam contagiados pelo bichinho e passam a valorizar o turismo cultural.

Depois, o Agrupamento de Escolas Dr. Mário Fonseca tem alunos que sabem estar à altura de cada vez que saem. No Museu Soares dos Reis, os responsáveis pelas salas sorriam ao verificar o interesse dos garotos bem como a sua postura. Quando assim é, tudo é mais fácil e aprazível. Pelo meio, ainda se vivem algumas aventuras. Creio que jamais esquecerão que tiveram de agarrar num carro a pulso para o estacionar devidamente e, assim, o autocarro conseguir passar. Lembrarão também a pousada com vista sobre o tejo, a maluqueira do professor que os desafiou a irem ver o nascer do sol, junto ao Cristo-Rei, de Almada. Nascer do sol pouco viram e ao Cristo não puderam subir… Não esquecerão os quilómetros que fizeram a caminhar, nem o autocarro que quase arrancou um sinal, e levou uma esplanada, rebentando o para-choques! Eu e a minha colega Cidália devemos ter qualquer sexto sentido com os motoristas, quando organizamos as visitas. Este senhor conhecia minimamente os trajetos e era desenrascado, mas consegue ser mil vezes pior do que eu a gerir o tempo e quase nos fazia perder a peça de teatro. Só não deu para chegar à meta e no regresso, os últimos cem metros tiveram de ser feitos a pé, porque mais um minuto de caminho poderiam representar seiscentos euros de multa. Há que retirar malas e terminar o trajeto em fila indiana, até chegarmos à escola.

Aprendizagem com situações inusitadas à mistura, mas como diz o ditado: tudo fica bem quando termina bem e, como disse aos meus alunos de décimo segundo, esta terá sido a última visita que lhes organizei.

Aos colegas que nos acompanharam, um enorme bem-haja pela excelente companhia!

 

Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário