Seguidores

sábado, 23 de março de 2024

Crónica de Maus Costumes 366

O populismo da nova direita radical

               Deparei-me, hoje, com um artigo jornalístico sobre o CHEGA e os deputados que elegeu. O partido é considerado um partido populista da nova direita radical, à luz do que se vai vendo por essa europa fora, desde logo a começar pelo VOX, da vizinha Espanha.

            Afirma-se como um partido liberal-conservador, ainda que os termos nos pareçam antitéticos. É um partido liberal no que à economia diz respeito, o que significa que pretende um Estado mínimo, na sociedade portuguesa. Para estas eleições, o partido deixou cair o aniquilamento da Escola Pública e a extinção do Ministério da Educação, assim como do SNS, no entanto, entre os seus deputados e apoiantes há quem continue a defender estas bandeiras. Questiono-me se quem votou neste partido tem esta consciência, se sabe que um dos objetivos passa por acabar com a educação gratuita e pública. Quem quiser que os filhos aprendam, pois que pague pelo serviço e se não o puder fazer, paciência, voltar às taxas imensas de analfabetismo deve ser algo positivo, na perspetiva destes senhores. Isto e ter de pagar por todo e qualquer serviço médico. Para ele são funções soberanas do estado, apenas isto: “defesa, segurança, justiça, finanças públicas, política externa e arbitragem/regulação”. O CHEGA implantou-se através da retórica do seu líder e da flexibilidade ideológica do mesmo. Quem esteve atento aos debates das últimas eleições, viu um Ventura bem mais comedido nas suas posições. Quando lhe interessa capitalizar votos junto dos abstencionistas, dos ressabiados com a democracia e dos salazaristas rançosos que ainda existem, radicaliza o seu discurso, enquanto continua a hastear a bandeira do combate à corrupção, através de um discurso disruptivo e segregador entre um povo moralista e virtuoso e uma elite corrupta e vergonhosa. Obviamente, todos os casos políticos mais escusos que vão surgindo, o partido tenta capitalizar e aumentar a desconfiança do cidadão comum nas instituições democráticas.

Para além desta bandeira, o partido hasteia outras: pode ler-se no seu programa o “primado da moral”. A expressão causa-me arrepios, porque me lembra de imediato a polícia da moral e dos bons costumes. Dentro deste ponto, surge a criminalização do aborto e da eutanásia, que não aparece assim escrito no programa, mas é claro como a água, quando se lê que defende “a inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases e dimensões, com todas as consequências jurídicas daí decorrentes”. Só por aqui se sente o cheiro a ranço e à hipocrisia de que acusa os outros. O aborto sempre existiu e a sua proibição e criminalização não os impediu. Só o faz quem quer, sendo também dada aos médicos a possibilidade de serem objetores de consciência, mediante o posicionamento filosófico que tenham sobre a questão, que vai para além da consideração de haver vida, mas antes se há pessoa e só existe pessoa havendo consciência de si, o que é impossível existir até à data-limite estipulada para poder interromper voluntariamente a gravidez. Peter Singer explica-o melhor do que eu. Pessoalmente, julgo que seria incapaz dessa decisão, mas o facto de pensar assim, apenas me vincula a mim e não tenho o direito de impor a minha visão aos outros. Diz-se também defensor da família tradicional portuguesa. Ora, não sei se as pessoas estão lembradas do que isso significa exatamente. Implica que apenas sejam reconhecidas famílias tradicionais aquelas em que há um casamento religioso, filhos, um chefe de família que garante o provimento do lar e uma mãe doméstica e esposa que se anula, porque o máximo da realização pessoal a que pode aspirar é o cumprimento desses três papéis. Entretanto, se a mulher quer ser dona de si, ter a sua profissão e até poder nem ser mãe ou nem se casar, não interessa para nada. Deve ter sido para isso que a mulher nasceu. Resta esperar que não seja contemplada com uma madre seca, porque isso seria, em última análise, a anulação de toda a sua feminilidade, porque se não pode procriar, não serve para o mundo, quando muito servirá de objeto sexual para a satisfação do homem. Também não tenho nada contra a mulher que escolhe por gosto esta forma de vida, caso sinta esse apelo. Somente a ela diz respeito, dentro da sua liberdade individual. Só não quero que me imponham nem a mim nem às mulheres futuras uma vida que não desejam.

            Depois, evidentemente, vem a oposição ao que designam de “marxismo cultural”, vulgo cultura “woke”, que incorre, devo dizer, em muito excesso e parvoíce também, quando tentam impor a sua visão de mundo a uma maioria. O que é para uns é para outros. Se querem sentir-se cães, gatos, periquitos, não binários ou o diabo é lá com eles, mas não me queiram obrigar a olhar para uma pessoa e concordar que é um cão nem usar a parvoíce da linguagem inclusiva que é só a destruição do nosso maior património cultural: a nossa língua! Nem o “senhoras e senhores” (que não passa de uma redundância estúpida, sem qualquer fim literário) me apanham quanto mais o “todes”, “amigues” e outras sandices! No entanto, não haverá questões de maior relevo a serem tratadas?! Tanta polémica com as casas de banho e balneários… Não se arranjam simplesmente umas casas de banho e balneários só para essas pessoas, mantendo-se as masculinas e femininas? Pronto. Caso resolvido. A verdade é que prefiro também uma casa de banho só para mulheres, mas não me oponho a que haja uma casa de banho específica para quem se sente diferente. E sim, já estive em países em que são mistas.

Quanto à imigração… Pois bem, precisamos de gente nova, porque somos, juntamente com a Itália, o país mais envelhecido da Europa, para além de que somos nós mesmos um país de emigrantes. Há uma espécie de obrigação moral para com o acolhimento de outros. Concordo que deve haver uma maior regulação e acompanhamento, até para evitar as máfias que se criam e a escravização de pessoas em torno da imigração ilegal. Defender isto não é o mesmo que fazer dos imigrantes o inimigo ou o alvo a abater.

Estas são as bandeiras defendidas pelo partido que elegeu cinquenta deputados, cinquenta anos depois de abril. Nos seus quadros, tem inúmeros dissidentes do PSD, gente de uma ala mais liberal, no que à economia diz respeito, mas preferir o Ventura à Iniciativa Liberal é o que não consigo entender, em gente que é oriunda de um partido que, na sua génese, tal como está escrito defende “o direito à diferença” e que é “estruturalmente avesso a qualquer tipo de xenofobia”. Também há dissidentes socialistas e democratas-cristãos. Para mim, é um fenómeno incompreensível. Não se pense que os acólitos do Ventura são gente sem formação. Encontram-se jornalistas, advogados, professores… Mais incompreensível se torna aos meus olhos. Fico fulminada ao ver tantas mulheres dentro deste partido estruturalmente patriarcal e machista! Aliás, nem sei o que lá andam a fazer! De acordo com o modelo da família tradicional, deveriam estar em casa a cerzir meias ou a tricotar… É uma pena que não leiam programas eleitorais ou que não os saibam interpretar. Em alternativa, será estupidez natural incorrigível. O pior é que terá vindo para ficar, basta olhar para o panorama europeu. Esperemos que não cresça e que alguns dos seus votantes ganhem juízo.

Nina M.

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário