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sábado, 3 de junho de 2023

Crónica de Maus Costumes 328

 

Revisitação

 

Durante esta semana, por motivos profissionais, regressei à casa que me formou. Apreciei mais o belíssimo espaço onde se concentra o campus universitário e apreciei-lhe as diferenças. Agora, todos os cursos se concentram na quinta, pelo que o Ex-DRM, local de estudo durante os meus primeiros três anos e o CIFOP deixaram de ter serventia. Mesmo o curso de enfermagem passou para o campus. Há edifícios recentes e outros em fase de construção. Há novos projetos.

Fomos recebidos pela provedora dos estudantes e pelo senhor reitor. No tempo em que lá estudei, o senhor reitor teria mais o que fazer do que receber miúdos do secundário, em dia aberto, para lhes dirigir umas palavras e a figura do provedor do estudante não existia. Sinais dos tempos. Também as universidades se adaptam à evolução, com maior ou menor dificuldade.

Curiosamente, tinha lido, durante essa semana, um queixume da Raquel Varela, que indignada, dava conta das reclamações que os pais dos alunos e os próprios faziam chegar às reitorias. Umas descabidas, pois com certeza e outras nem tanto. Mostrava-se chocada pelo facto de, nalguns casos, a reitoria não sugerir, delicadamente, aos pais que fossem dar uma voltinha ao bilhar grande. Contava a professora universitária que os encarregados de educação (figura que não existe na universidade pelo facto de os alunos serem de maioridade) lamentavam e questionavam os currículos e a pertinência das matérias abordadas pelas cadeiras, modernamente apelidadas de unidades curriculares. Quando li sobre o atrevimento, um sorriso escapou-se-me dos lábios. Os comportamentos manifestados na base da pirâmide, começam a chegar ao topo e os professores universitários, que se veriam intocáveis, ficam perplexos com o atrevimento destes encarregados de educação. Dá o que pensar. Habituem-se. Tanto se quis promover a presença da comunidade na escola, que inevitavelmente, a situação resvalou para o ridículo de todos se acharem no direito de palpitar sobre o ensino, como se fossem especialistas. Há anos que a escola se vê demasiadas vezes afrontada por gente irresponsável que não sabe do que fala, mesmo que pertençam a organizações com ligação à escola. A CONFAP é disso exemplo. Não consigo parar de rir ao imaginar que certas situações que acontecem amiúde nas escolas secundárias se estão a reproduzir no ensino universitário.

Este comportamento mostra-nos duas coisas: por um lado, finalmente, o povo português reclama mais, mesmo que com pouco critério. O tempo do “come e cala” começa a esgotar-se; por outro lado, a superproteção que os pais atuais dão aos filhos começa a tornar-se ridícula.  Obviamente, quando se trata de assuntos sérios como os escândalos de assédio de que se ouviu falar, os pais têm e devem mesmo agir, no entanto, quando os queixumes são sobre a quantidade de matéria a estudar para a frequência ou o comentário mais rude do professor, que do alto da sua cátedra, não hesita em fornecer um banho de humildade ao aluno, provando-lhe que ele pouco sabe da matéria e nada sabe sobre a vida, pelo que deve estudar, se quiser fazer a cadeira, é tão somente deplorável!

Ao que parece, na UTAD, a senhora provedora tem tido muitas queixas de alunos. Alguns deles lamentam-se da rudeza dos seus professores, que não os tratam como príncipes nem génios. Eu já tenho parado para pensar se a minha geração seria, porventura, intelectualmente desprovida. Não se viam dezoitos a rodos como agora e ninguém era brilhante. Aceitávamos humildemente a nossa condição de aprendizes sem reclamar.  Eu entendo que os professores devem refletir sobre a sua prática e os docentes universitários não são exceção, porque se os encontrei excelentes, também é um facto que encontrei os que pedagogicamente eram uma nulidade e, tal como outros, devem exercer o seu ofício com competência, porém, haverá que pôr freio a jovens que, nalguns casos, serão pouco ou nada aplicados e que viveram uma vida a sacudir a responsabilidade de cima dos ombros, porque é mais fácil a vitimização do que assumir as consequências da sua escolha. Na verdade, ao longo do percurso, fizeram-no acreditar que as coisas se conseguiam sem esforço. Essa cultura enraizou-se e começa a frutificar.

Assim, do lugar mítico que frequentei, apenas sobra o espaço, atualmente, ocupado por seres que não eram os meus. Cheguei com saudade e com ela vim, sem resgatar o passado e sem poder trazê-lo no bolso. Tudo me pareceu distinto e desigual. A minha universidade fica no mesmo espaço físico, mas já só existe na minha memória.

Perante os factos, resta concluir que o regresso a um lugar de saudade fora do que já foi não será sinónimo de felicidade. Não se volta ao lugar onde já se foi feliz, dizem.

 

Nina M.

 

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