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sábado, 24 de junho de 2023

Crónica de Maus Costumes 331

 

Cultura e lazer

 Iniciou, hoje, a Feira do Livro na urbe com os convidados António Mota e Afonso Reis Cabral. Não estive presente na conversa com o primeiro, mas não faltei ao segundo.

Trouxe comigo “O meu irmão” devidamente autografado e obtive umas pequenas informações sobre o trisavô do escritor, de que precisava. Ainda não li nada de Afonso Reis Cabral, mas fica a promessa de lhe pegar, ainda durante o verão. Rapaz simpático, muito comunicativo, a quem o bichinho da palavra mordeu cedo e que publicou o seu primeiro livro, de poesia, aos 15 anos. Questionado pelo moderador sobre o processo de construção de um livro, lá foi esclarecendo sobre o trabalho de partir pedra que é necessário fazer para se escrever. A inspiração não chega. Pode haver um conjunto de páginas inspiradas, mas as restantes são fruto de trabalho árduo e dos silêncios ruidosos do autor. Em “O teu irmão”, o narrador relata a história entre dois irmãos e um deles é acometido pela inveja, porém, Afonso Reis Cabral inverteu os termos. É o irmão mais inteligente, professor universitário e bem-apessoado, aparentemente mais bem-sucedido, que sente inveja do seu irmão que é portador de Síndroma de Down, mas que parece beneficiar de uma predisposição para a felicidade. A literatura sempre a desconstruir e a procurar o que foge ao tangível.

 Não resisti perguntar-lhe, no final, se ele, Afonso Reis Cabral, acreditava na existência de uma predisposição genética para a felicidade, uma vez que o ser humano tende a procurar o hedonismo, ainda que possa haver alguma confusão entre o que são momentos de  prazer e o conceito de felicidade, porque esta implica a vivência de momentos agradáveis e, se, por outro lado, essa predisposição para a felicidade do irmão portador da síndrome, se prendia com a questão da consciência infeliz de Pessoa, isto é, se tende mais à felicidade aquele que preserva a sua inocência. Ouvi a resposta. Não haverá propriamente predisposição genética, mas todo o ser humano deseja a felicidade. Ela aparece sob a forma de desejo de algo que se pretende alcançar. O problema é saber no que consiste a felicidade e que talvez a preservação da inocência, da pureza pueril ajudasse. Foi uma pergunta difícil, eu sei. Não é questão à qual se consiga responder com total convicção sem ter tempo para refletir, mas creio que esta questão já lhe terá perpassado pelo espírito diversas vezes…

Depois, como disse Pessoa, só os seres mais superficiais têm convicções absolutas. Parece paradoxal, mas não é. Quem reflete sobre as coisas terá sempre mais dúvidas e, como tal, poderia adormecer republicano e acordar monárquico. Afirmar-se republicano e criticar veementemente a República… Assim, há sempre tempo para analisar e reformular pensamentos e mudar de opinião, no caso de não sermos superficiais.

Certo é que saí de lá com mais dois livros, que serão para ler e não servirão apenas para enfeitar estantes.

Nina M.

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