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Ando
absorvida com esta questão, pois claro, como todos os professores deveriam
andar. Se me perguntam as razões do descontentamento, elas não faltam… Podemos
começar pelo tempo de trabalho não contabilizado e pelas quotas de acesso ao
quinto e sétimo escalões, que impedem milhares de professores de progredirem na
carreira, independentemente do seu profissionalismo e mérito. É preciso
clarificar esta realidade para a opinião pública. Para aceder ao terceiro, ao
quinto e ao sétimo escalões, os professores passam por uma avaliação externa,
ou seja, vêm colegas de outras escolas, que se encontram em escalões
superiores, assistir e avaliar as nossas aulas. Sentimo-nos voltar ao estágio,
eu que fiz estágio integrado, e que entre o Português e o Francês, tive
quarenta aulas assistidas e avaliadas pelos meus orientadores. Deixo um abraço
apertado para ambos… Um especial para o orientador de Português, o senhor padre
Abrunhosa (isso mesmo que estão a pensar… É familiar do cantor. Primo, se não
me engano. Um excelente orientador e uma excelente pessoa, de quem muito
gostava). Significa que ter uma pessoa dentro da minha sala a avaliar-me, e já
tive por mais duas ocasiões ao longo da carreira, não me causa pânico. Muito
mal estaria se ao fim de vinte e quatro anos não soubesse o que devo fazer para
preparar uma aula com excelência. Esta avaliação que nos é feita por um colega
que vem de outra escola e que, à partida, não conhecemos (mas pode acontecer de
o conhecermos dada a quantidade de escolas por onde passamos), vale setenta por
cento da nossa avaliação. Os outros trinta vão para a avaliação interna, feita
pelo nosso coordenador de Departamento e depois ratificada ou não pela SAD
(equipa que se pronuncia sobre a avaliação dos coordenadores e a quem compete a
atribuição dos excelentes, muitos bons e bons a atribuir). Acontece que por
muito que esta equipa possa reconhecer o mérito das pessoas em avaliação, se
todas ou uma grande parte delas forem muito boas (na generalidade são), mas não
houver muito bons a atribuir para todos (o que normalmente não há), alguém fica
lesado e é remetido para uma lista nacional infindável e aguarda pacientemente,
mas em revolta pela injustiça, o seu lugar ao sol. Esta explicação é para os
que não são professores e desconhecem a realidade, repetindo a barbaridade que
se ouve amiúde em relação à avaliação dos docentes. Tudo isto representa um
trabalho extraordinário e acréscimo de burocracia que não é pago a quem o faz. O
erro maior deste processo absurdo é o facto de as pessoas serem muito boas no
que fazem, facto comprovado por uma avaliação externa de um colega da área e,
também, da avaliação interna e correr o risco de, apesar de ser muito bom, não
progredir por falta de quota. É uma injustiça revoltante. Pior… é uma
ignomínia. Como se eu dissesse a um aluno brilhante que merece vinte, mas só
terá direito a dezoito! Portanto, os professores são avaliados, mas são
injustamente avaliados.
Não
bastava esta questão, o Ministério da Educação ainda nos quer passar para a
alçada das autarquias, numa municipalização encapotada, acusando as
organizações sindicais de mentirem, garantindo que a colocação é feita pela
graduação. Será, sim, no mapa intermunicipal que querem criar, mas a afetação à
escola será efetuada por um conselho de diretores, mediante um perfil a
definir. Sabemos muito bem o critério largo que significa o perfil. Questiono
também com que direito o Ministério quer retirar o meu direito à escolha, uma
vez que esse conselho de diretores pode considerar que tenho o perfil adequado
para integrar os quadros de determinada escola, onde eu não pretendo ficar. No
concurso que temos, seleciono as escolas pela minha ordem de preferências e até
há muitas que excluo da minha seleção. Pelos novos critérios, seria obrigada a
aceitar a colocação sem ter direito de escolha! Com que direito o Ministério
interfere na liberdade de escolha de um professor?! Faça-se o seguinte: criem
os mapas e permitam que os professores continuem a concorrer, através do
critério de graduação, para esses mesmos mapas, através de regras justas e
transparentes e não perfis que são casacos feitos à medida de quem os irá
vestir. Nós conhecemos o processo. É que já houve um concurso paralelo, chamado
BCE, e sei bem o que me acontecia… Enquanto na reserva de recrutamento me encontrava
nos lugares cimeiros, na bolsa de contratação de escola (BCE) sofria quedas
alarmantes! Vão passear com os vossos perfis, que não passam de critérios
manhosos para se selecionar quem se quer, independentemente do profissionalismo
de quem concorre!
Quando
a opinião pública não compreende e diz asneiras quando opina, eu não me
espanto, porque os concursos são um processo kafkiano difícil de entender por
quem está de fora, mas ainda assim limpo, isento e minimamente justo.
Corrija-se o que está mal e não o que vai funcionando… Porém, quando vejo a
classe sobre quem se abate todas estas infâmias, para não falar de outras que
aqui poderia enumerar, mas a lista seria longa, absolutamente apática e
alheada, gera-se em mim um espanto inominável e uma incapacidade de compreensão
avassaladora. Posso admitir que me digam que concordam com a proposta do
Ministério e que aleguem todas as suas razões… Considerá-las-ia idiotas, mas
teria de respeitar. No entanto, quando vejo a inação ou por defenderem uma cor
partidária ou por alheamento e ausência de uma consciência de classe, as minhas
entranhas abalam-se. Não importa se somos todos ou não afetados (mas seremos,
mesmo os de quadro que estão longe, longe ficarão por mais cinco anos, no
mínimo. A mobilidade interna será uma miragem). Se a classe é afetada, todos
temos o dever de lutar pela justiça. Assim deve ser, porque a isto se chama
integridade. Esta apatia fere-me, porque a classe que deveria ensinar os alunos
a importância de se baterem pelo que consideram justo são os que abnegadamente
aceitam tudo sem espírito crítico e sem noção do golpe que representará para a
classe. Por último, este ataque não é só aos professores, mas alunos e ao
futuro deste país. Se a carreira já é pouco atrativa e se já há falta de
professores, nos tempos mais próximos, será ainda pior. O Ministério deitará à
mão de tudo e os futuros professores serão gente sem qualificação para tal. Não
é por saber falar inglês que o sei ensinar e que sei explicar o funcionamento
da língua, com a suas regras gramaticais, por exemplo. O país nunca esteve tão
bem servido de professores como atualmente, mas começa a regredir e um país sem
bons professores estará condenado ao fracasso. Perante esta realidade que se me
oferece cristalina ao olhar, empalideço e a frustração cresce. A par do amor
que sinto pelo meu país e pelas suas gentes (julgo que não saberia viver noutro
lado), paradoxalmente, surge um ódio negro e cego e um desejo surdo de ter
nascido num país civilizado, que valoriza o saber e a escola. Neste momento,
sinto uma vergonha funda de um país ignaro que promove a ignorância e a
corrupção e dos que o aceitam placidamente, sem qualquer esboço de revolta.
Parece que em vez de sangue corre água nas veias dos portugueses e se é verdade
que a atitude estoica previne dissabores e angústias, também não é menos
verdadeiro de que ninguém vive neste mundo como mero espetador, porque por mais
que nos custe, a vida puxa-nos pela manga e obriga-nos a escolhas. Queiramos ou
não, por mais difícil que estas sejam, também nos definem.
Não
é propriamente uma crónica otimista de final de ano, mas é lúcida na sua
indignação.
Boas
entradas, muita saúde e coragem, porque iremos precisar dela para enfrentar as
agruras que aí vêm.
NinaM.
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